As eleições europeias, realizadas no passado dia 13 de Junho, abarcaram 25 países de um vasto território com 454 milhões de habitantes, 345 milhões de eleitores, 14.670 candidatos e 732 eleitos. Estes números servem para mostrar que a UE é uma grande realidade demográfica, económica e política. Sublinho dois aspectos que estas eleições revelaram de forma muito viva.
O primeiro é o “desinteresse” dos cidadãos, ou melhor, o não-interesse em participar através do voto expresso. Mas será que o desinteresse dos cidadãos, expresso pelo não-voto, se pode medir pelo nível de abstenção? Acho que não. Todos sabem que nem todo o abstencionista é um desinteressado. É simplesmente alguém que decidiu não dar expressão, nas urnas, à sua vontade.
As explicações são muitas e variadas. Quanto mais alargado é o espaço da UE mais se torna difícil aproximar o interesse dos cidadãos ao processo de tomada de decisão; a UE é uma realidade nova e original, em construção; no modelo da UE as nacionalidades não desaparecem dissolvidas numa entidade federal; nas eleições europeias os cidadãos votam, na sua maioria, a pensar nas realidades nacionais mas não decidem do destino dos governos nacionais.
Uma coisa é certa: os níveis de abstenção verificados não põem em causa os fundamentos do sistema democrático. São simplesmente um sinal da falta de maturidade da UE enquanto fenómeno político multi-nacional.
O segundo aspecto, verdadeiramente preocupante, é a forte subida dos partidos com uma ideologia “anti”: anti-UE, anti-imigração, anti-constituição, anti-....
Este foi o mais importante sinal dado aos cidadãos e, em particular, aos líderes, quer se situem no terreno da economia ou da política, quer se situem no plano nacional ou das próprias instituições da UE.
O facto de ser o Dr. Durão Barroso a ocupar o alto cargo de Presidente da “Comissão Europeia”, atenta a previsível natureza liberal do seu programa político de acção, mais torna pertinente dar voz a alguns sinais de preocupação.
É um verdadeiro perigo desvalorizar a realidade da evolução demográfica, da economia concreta e das políticas de coesão social, quer em cada um dos estados membros quer no espaço geográfico e político da UE.
De facto os sentimentos euro-cépticos e euro-fóbicos, assim como os nacionalismos radicais, que afloraram, com veemência, nas últimas eleições europeias, podem transformar-se em verdadeiras ameaças ao desenvolvimento do projecto europeu e à própria democracia representativa que gerações sucessivas construíram à custa de milhões de mortos e de sacrifícios sem fim.
A propósito destas preocupações lembro sempre o que Albert Camus escreveu e que é a chave para entender muitas mudanças que, à primeira vista, nos podem surpreender: “Organiza-se tudo: É simples e evidente. Mas o sofrimento humano intervém e altera todos os planos”
(Artigo publicado, no "Semanário Económico, em Julho de 2004)
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