Saturday, October 09, 2004

Imigração - não meter a cabeça na areia

Portugal já foi um país de emigração mas hoje é um país de imigração e será, no futuro, um país de imigração.

A imigração não é uma questão de opção ideológica, de modelo económico ou de estratégia política. É uma realidade objectiva que resulta do envelhecimento demográfico. O que não quer dizer que acerca desta realidade não se perfilem diversas opções ideológicas, económicas ou políticas.

O Eurostat(1) aponta para Portugal, em estimativa, uma população, em Janeiro de 2004, de 10.840.000, comparável com 10.408.000, em Janeiro de 2003. Observa-se um saldo demográfico positivo mas que se fica a dever à imigração.

Esse saldo é o resultado da relação entre o crescimento natural em 2003 (diferença entre o n.º de nascimento e o n.º de mortes) que foi de 0,9 p/ mil habitantes e a migração líquida (diferença entre o n.º de imigrantes e o n.º de emigrantes) que foi de 6,1 p/ mil habitantes.

É interessante assinalar que, em 2003, a média do crescimento total da população, na EU, foi de 3,4 p/mil habitantes. A Irlanda é o país que apresenta o crescimento da população mais elevado, com 15,3 p/ mil habitantes, seguido da Espanha (7,2) e de Portugal (6,9).

Os saldos demográficos positivos ficam a dever-se, em todos estes países, à imigração. A posição destacada da Irlanda explica-se pelo facto deste país apresentar um indicador de “crescimento natural” muito elevado ao contrário de Portugal (0,9) e de Espanha (1,7).

A Irlanda é o país da EU que apresenta indicadores de crescimento da população mais encorajadores para uma estratégia de desenvolvimento sustentada adoptando, ao mesmo tempo, políticas de imigração menos restritivas.

A Europa precisa de imigrantes para não entrar, de forma irreversível, em declínio. Não foi por acaso que Kofi Annan, afirmou, recentemente, no Parlamento europeu, que “os imigrantes precisam da Europa” e “a Europa também precisa dos imigrantes.”

Um estudo do “Alto Comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas” (2) revela que, por ano, Portugal precisa de um fluxo de cerca de 200.000 imigrantes. Não se trata de uma ficção para forçar a uma política de imigração de “portas abertas”, que ninguém de bom senso defende.

De facto, em todos os países, os estudos contrariam as orientações políticas restritivas. Veja-se um estudo recente, divulgado na Irlanda, que pode ser consultado na íntegra em www.esri.ie/index.cfm, que assinala que a Irlanda necessitará de cerca de 300.000 licenciados, entre 2001 e 2010, dos quais 100.000 serão imigrantes dos países do leste. Tal situação deve-se ao facto de ser previsível, na Irlanda, até 2010, uma diminuição de 15% no número de jovens entre os 15 e os 24 anos.

Assinalo, pela sua relevância, a tomada de posição do Bispo D. Januário Torgal Ferreira mostrando o seu desconforto com as decisões do Governo acerca desta matéria. O próprio tom do discurso mostra, mais do que desconforto, discordância face à natureza restritiva das medidas vertidas na regulamentação da legislação recentemente aprovada.

D. Januário crítica os que se intitulam de cristãos (nos partidos do governo) afirmando que “esperava que aparecessem igualmente com a capacidade de utopia e de exigência que faz parte dos critérios do Evangelho”.

Face à questão do discurso que identifica “os imigrantes com o espectro do desemprego dos portugueses”, D. Januário diz o essencial: “essa lógica restritiva é de pessoas que não conhecem o terreno...”. A Igreja, disso não tenham dúvidas, conhece-o melhor do que ninguém.

O mesmo tem sido repetidamente afirmado pelos responsáveis das associações patronais em que se destaca a tomada de posição, recente, do presidente da CIP.

Referindo-se à quota de 6.500 imigrantes, que o Governo estabeleceu para 2004, o Presidente da CIP, Francisco Van Zeller, em entrevista, ao Diário Económico, de 29 de Janeiro deu uma resposta elucidativa: ” Ninguém faz caso dela, porque os imigrantes vão continuar a entrar ilegalmente e as empresas a empregá-los.”

O que os números revelam é que estamos perante uma questão estruturante que condiciona a viabilidade do desenvolvimento económico e social da União Europeia e dos países que a constituem. Por outras palavras toda a gente compreende que esta é uma questão em que não interessa mesmo nada fechar os olhos à realidade e “meter a cabeça na areia”.

(1) Eurostat
(2) acime

(Artigo publicado, em Março de 2004, no “Semanário Económico”)


«Velha Europa» na 3ª idade

Bruxelas faz as contas e adverte para o risco do aumento dos idosos face à população activa. Após 2010, as coisas vão piorar ainda mais

Um em cada seis cidadãos comunitários tem hoje mais de 65 anos, mas no início da próxima década, quando se assistirá a um rápido envelhecimento da população da União Europeia (UE), a proporção será de um em cada quatro. Os dados e os alertas sobre a dimensão do problema figuram no relatório «A situação social na União Europeia - 2004», cuja síntese foi há dias publicada pela Comissão. Actualmente, os 74 milhões de idosos correspondem a 16,3% da população total, mas em 2010 o peso dos «seniores» será de 27%.

Mas, se compararmos o peso dos idosos exclusivamente com as pessoas em idade activa (15-64 anos), a percentagem é já hoje de 29%. Assim, na UE, o peso da população com mais de 65 anos é cada vez maior (ver infografia), com excepção de Portugal.

As causas desta evolução demográfica radicam nos baixos níveis de fertilidade e no aumento da esperança de vida, tendência só contrabalançada com um crescimento da imigração. O peso deste vector aumentou na última década pois, hoje, três em cada quatro novos habitantes no espaço da UE são imigrantes.

Com a entrada dos dez novos Estados-membros, a UE vive, por enquanto, um «rejuvenescimento curto e moderado», mas o clima «dará lugar em breve a um envelhecimento mais acentuado».

Para inverter a tendência, a Comissão Europeia aconselha, entre outras medidas, dar prioridade às políticas de conciliação da vida laboral e familiar, promover a integração económica e social dos imigrantes e redobrar os esforços para aumentar as taxas de emprego e a coesão social.
Advento da 4ª idade

E como se os problemas da terceira idade não fossem bastantes, eis que surge a chamada 4ª idade. O geriatra espanhol Luis Santamaria (em artigo publicado no sítio www.saludalia.com) salienta que «o subgrupo que mais cresce proporcionalmente dentro dos maiores de 65 anos é o dos anciãos maiores de 80».

Ora, este «envelhecimento do envelhecimento» terá cada vez maior impacto na estrutura social e nos orçamentos dos Estados, pois envolve as pessoas que apresentam «maior incidência de doença, situações de incapacidade e dependência, condicionantes sociais desfavoráveis e consumo de recursos que precisam de políticas de compensação e assistência», conclui Santamaria."

Paulo Paixão

(Trabalho publicado pelo “Expresso”, na sua edição de 9 de Outubro de 2004)

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