Friday, November 02, 2007

CINCO PALAVRAS APENAS

Podia escrever acerca do Tratado Reformador, ou Tratado de Lisboa, como será designado a partir de 13 de Dezembro, mas o tema é hermético demais para os escassos caracteres que me cabe ocupar. Para mim a importância do tratado, chapéu jurídico da UE, resume-se a uma palavra: paz.

Podia escrever acerca do PEC (Pacto de Estabilidade e Crescimento), ou mais prosaicamente, acerca do deficit, mas o tema está banalizado. O governo socialista bateu por KO técnico os seus adversários. Resta saber como a economia portuguesa, e a europeia, se animam para crescer mais e melhor somando à paz, a prosperidade.

Podia escrever acerca do desemprego, uma tragédia social, dilacerante para a vida real de milhares de famílias, mas receio ser levado a conclusões demasiado pessimistas pois creio que a mudança da especialização internacional da economia portuguesa é potencialmente geradora de desemprego e será ainda mais difícil somar à paz e à prosperidade, a solidariedade.

Podia escrever acerca do mercado de trabalho, que se estreita nos extremos, afastando os mais novos, que buscam o primeiro emprego, e os mais velhos, que buscam o reconhecimento da experiência; que lança para a emigração os trabalhadores mais qualificados e atrai, por via da imigração, mão-de-obra estrangeira menos qualificada, tornando mais difícil juntar à paz, à prosperidade e à solidariedade, a inclusão.

Podia escrever acerca do Dr. Santana Lopes que voltou à ribalta política com a onda que fez emergir o Dr. Menezes. De vez em quando os partidos mostram a sua verdadeira face. Nas dobras da longa túnica que encobre o exercício do poder, em democracia, acoitam-se todos os géneros de narcisismo indigente, tornando ainda mais difícil juntar à paz, à prosperidade, à solidariedade e à inclusão, a decência.

Podia escrever acerca dos homens e mulheres, de boa vontade, que colocam a liberdade acima de qualquer outro valor, para que se não dêem ao luxo do conformismo que Albert Camus, como se fora do nosso tempo, identificou como “O problema mais sério que se põe aos espíritos contemporâneos”.

Como poderão os cidadãos acreditar nas virtualidades da democracia representativa se ela não garantir a paz? Não gerar a prosperidade? Não propiciar, em solidariedade e inclusão, a dignidade, qualificação e valorização das pessoas? Não tomar a seu cargo o rejuvenescimento das elites dirigentes, sob o primado da decência?

Cinco palavras apenas: paz, prosperidade, solidariedade, inclusão e decência para escrever, finalmente, a frase que queria escrever: como hão-de os cidadãos, conformados à descrença nas suas próprias virtudes, ajudar à riqueza da nação?

[Artigo publicado na edição de hoje do "Semanário Económico".]