Saturday, December 17, 2005

Crónica de Uma Fidelidade (5)

O ano de 1976 foi recheado de batalhas políticas tendo ocorrido, como já descrevi, eleições legislativas (Abril), Presidenciais (Verão) e Autárquicas (Dezembro). Perdemo-las todas o que não admira, vistas a esta distância, pois, excepto nas presidenciais, o MES não fez nunca verdadeiras campanhas para angariar votos mas antes, tão só, para esclarecer o eleitorado.

Lembro-me, como se fora hoje, como os candidatos do MES retorquiam à curiosidade dos cidadãos com um pedido de participação cívica sem pedir o voto no próprio partido que propagandeavam. Esta é, aliás, uma das facetas mais curiosas da acção política do MES, visível na própria propaganda que nunca ostentou a figura de qualquer dos seus dirigentes.

A ideia do colectivo foi assumida desde sempre, de forma radical, o que, no plano político eleitoral, rejeitada a personalização, condenou as candidaturas do MES (nas únicas duas eleições nacionais em que participou– Constituinte de 75 e Legislativas de 76) à imagem de um partido ideológico, sem aspirações de poder. E bem poderiam ter sido projectadas publicamente, nessas campanhas, as figuras de algumas personalidades como, por exemplo, a do Arquitecto Nuno Teotónio Pereira.

O ano de 1976 acabou pejado de destroços, oriundos de derrotas sucessivas, o que abriu as portas a um início de 1977 com o esboço do processo da própria autoliquidação do MES. Tal processo foi encetado com a apresentação de uma “Resolução” em cuja redacção me empenhei a fundo.

A tomada de consciência de que a época das ilusões revolucionárias tinha chegado ao fim, sendo necessário buscar um fim digno para o MES, foi amadurecendo num grupo alargado de dirigentes que geraram uma cúpula constituída pelo chamado “grupo dos quatro”: Afonso de Barros, Ferro Rodrigues, Vítor Wengorovius e eu próprio, dos quais, infelizmente, restam dois sobrevivente, o autor destas linhas e Ferro Rodrigues. (Se bem me lembro, Agostinho Roseta, também já falecido, à época, tinha saído para assumir funções na UGT).

Esta tendência organizou-se no seio do MES, a partir do caminho aberto pela aprovação, em Janeiro de 1977, da referida “Resolução”, designada “Resistência Popular Activa - por um Governo de Independência Nacional”, na qual, para além da retórica revolucionária, se reconhecia, no essencial, que a democracia representativa era o regime político que, no futuro, iria prevalecer no nosso país.

Tal reconhecimento foi adoptado através da expressão “é necessário tomar como certo que na actual fase a democracia burguesa vai prevalecer no nosso país sobre qualquer outro tipo de regime”, sendo refutada, explicitamente, “a tese do (perigo) do fascismo a curto prazo de que nem todos os sectores revolucionários se libertaram ainda” e denunciado que “o uso da força militar para golpear a constituição e suprimir as liberdades democrático-burguesas não é sustentado senão por sectores militares de direita reaccionária e fascista”.

Em síntese, a situação política era, lapidarmente, definida com a seguinte frase: “a actual correlação de forças no terreno militar não favorece nem o golpismo militar de direita nem dá viabilidade a qualquer “solução militar de esquerda”.

Esta era a linguagem mais moderada possível, para a época, não dispensando ataques à direita política e militar nem à capacidade do governo de Mário Soares acusado de conduzir “uma política de recuperação capitalista que quer fazer pagar ao povo trabalhador, com a fome, a miséria e o desemprego, a crise capitalista da economia portuguesa”. Qualquer semelhança com alguns discursos políticos contemporâneos é pura coincidência!

Lembro-me de ter redigido o texto desta resolução na minha secretária de estudante liceal, em casa de meus pais, em Faro, com todos os cuidados tendo em vista não inviabilizar a aprovação pelas estruturas dirigentes do MES de uma orientação que desembocava na aceitação efectiva do regime da democracia representativa.

Nunca mais saíu da minha memória a frase chave que determina o essencial do sentido político desse documento: “é necessário tomar como certo que na actual fase a democracia burguesa vai prevalecer no nosso país sobre qualquer outro tipo de regime”.

Essa “resolução”, adoptada quase trinta (30) anos atrás, embora eivada do jargão revolucionário da época, como seria inevitável, foi um passo decisivo, embora tardio, para a viragem que haveria de conduzir, a partir de 1978, à efectiva aproximação ao PS de um conjunto alargado de quadros do MES, e de outros quadrantes políticos não alinhados com o PCP, assim como ao apoio às futuras candidaturas presidenciais de Mário Soares.

Harold Pinter - Nobel da Literartura 2005

A carta que o Nobel da Literatura escreveu ao júri - Tradução portuguesa de Jorge Silva Melo

--------------------------

Em 1958 escrevi: «não há uma grande diferença entre aquilo que é real e aquilo que é irreal, nem entre aquilo que é verdade e aquilo que é falso. Uma coisa pode não ser nem verdadeira nem falsa. Pode ser ao mesmo tempo verdadeira e falsa

Acho que esta afirmação ainda faz sentido e se aplica ainda à exploração de realidade através da arte. Por isso, enquanto escritor defendo esta afirmação. Por isso o defendo enquanto artista. Mas enquanto cidadão não, enquanto cidadão tenho de perguntar: o que é que é verdade? O que é que é falso?"

No teatro, a verdade esquiva-se sempre. Quase nunca a encontramos, mas é forçoso andar em sua busca. A busca é claramente aquilo que guia os nossos esforços. A procura é o nosso trabalho. É muitas vezes no escuro que tropeçamos na verdade, esbarramos com ela, ou vislumbramos uma imagem ou uma forma que parece correspoonder à verdade, mas muitas vezes também acontece não sabermos que o fizemos. Mas a verdade mesmo é que não há nunca uma só verdade que possamos encontrar na arte do teatro. Há muitas. Estas verdades desafiam-se umas às outras, repercutem, reflectem-se, ignoram-se, espicaçam-se, são insensíveis umas às outras. Às vezes, pensamos que temos a verdade de um momento na mão, e ela escapa-se-nos por entre os dedos e perde-se.

Muitas vezes me perguntam como nascem as minhas peças. Não sei dizer. Nem sei resumir nenhuma das minhas peças. Não sei descrever nenhuma. Só sei dizer: foi isto o que aconteceu, foi isto o que disseram, foi isto o que fizeram.

Muitas das peças começaram com uma frase, uma palavra ou uma imagem. À palavra junta-se quase logo uma imagem. Vou dar o exemplo de duas frases que me vieram à cabeça sei lá de onde e a que logo se seguiu uma imagem, a que logo se seguiu eu.

As peças são O Regresso A Casa e Há Tanto Tempo. A primeira frase de O Regresso A Casa é: «Onde é que puseste a tesoura?». A primeira frase de Há Tanto Tempo é «Escuro».
Em nenhum dos casos, eu não tinha mais informações.

No primeiro, era evidente que alguém estaria à procura de uma tesoura e estava a perguntar o que lhe fizera alguém que suspeita tê-la roubado. Mas eu, de certa maneira, sabia que a pessoa a quem a pergunta era feira se estava nas tintas para a tesoura ou mesmo para quem lhe fazia a pergunta.

'Escuro' achei que era a descrição do cabelo de alguém, o cabelo de uma mulher, e era a resposta a alguma pergunta. Em qualquer dos casos, senti-me obrigado a prosseguir. Isto passou-se visualmente, uma entrada lenta na luz, da sombra à luz.

Quando começo uma peça, chamo sempre A, B ou C às minhas personagens.

Na peça que viria a ser O Regresso A Casa, vi um homem entrar numa sala e fazer uma pergunta a um homem mais novo que estaria sentado num feio sofá a ler um jornal de apostas de cavalos. Tinha a ideia que A seria um pai e B um filho, mas não tinha provas. Isso, no entanto, seria confirmado daí a nada quando B ( que viria a ser Lenny) diz a A ( que viria a ser Max), «O pai importa-se que eu mude de assunto? Queria fazer-lhe uma pergunta. Aquele jantar que nós comemos, como é que se chamava a comida? Qual é o nome que o pai dá àquilo? Porque é que não compra um cão? É um cozinheiro de cães. A sério. O pai acha que cozinha para cães.»

Ou seja, a partir do momento em que B chama «Pai» a A, pareceu-me aceitável que fossem pai e filho. Também A é claramente o cozinheiro e a sua arte não é muito apreciada. Quererá isto dizer que não há mãe? Não sabia. Mas, tal como para mim mesmo me disse, os nossos princípios não sabem dos nossos desenlaces.

'Escuro.' Uma janela grande. Um céu nocturno. Um homem, A ( que viria a ser Deeley), e uma mulher, B (que viria a ser Kate), sentados a beber. 'Gorda ou magra?' pergunta o homem. De quem é que estariam a falar? E nessa altura vejo, de pé, junto a uma janela, uma mulher, C (que viria a ser Anna), iluminada de outra maneira, de costas para eles, cabelo escuro.

É um momento estranho, o momento de criar personagens que nunca existiram até essa altura. Aquilo que se segue é incerto, inseguro, ás vezes alucinante - e às vezes mesmo uma avalanche que não pára. A posição do autor é estranha. Num certo sentido, as personagens não o querem por lá. As personagens resistem, não são de convívio fácil, são de difícil definição. De certa forma, estamos num jogo sem fim com elas, gato e rato, à cabra-cega, às escondidas. E acabamos por ter nas nossas mãos pessoas de carne e osso, pessoas com desejos e com sensibilidade própria, feitas de elementos que já não conseguimos alterar, manipular ou distorcer.
É assim que a linguagem na arte continua a ser uma transacção extremamente ambígua, uma areia movediça, um trampolim, um lago gelado que a qualquer momento pode ceder ao nosso peso, ao peso do autor.

Mas, como disse, a busca da verdade não pode parar. Não pode ser adiada, não pode ser suspensa. Tem de ser afrontada, e logo.

O teatro político tem toda uma outra série de problemas. Tem de se evitar os sermões a todo o custo. A objectividade é essencial. As personagens têm de poder respirar o seu próprio ar. O autor não pode confiná-las nem obrigá-las a satisfazer-lhe o seu gosto ou as preferências e tendências que são as suas suas. Tem de estar preparado para as observar sob uma grande variedade de ângulos, um leque de perspectivas diversas e sem preconceitos, apanhá-las de surpresa, talvez, de vez em quando, mas deixando-lhes a liberdade de seguirem o seu próprio caminho. Nem sempre funciona. E a sátira política, é evidente, não obedece a nenhum destes preceitos, está exactamente no lado oposto, e essa a sua função principal.

Na minha peça Feliz Aniversário, creio ter lançado um grande leque de pistas que nos guiam por uma densa floresta de possibilidades, até me concentrar, no final, num acto de submisssão.

Língua de Montanha não funciona numa escala tão aberta. É brutal, breve e feia. Mas os soldados da peça conseguem divertir-se com a situação. As pessoas esquecem-se que os torturadores se aborrecem facilmente. Precisam de gargalhadas para manter o moral. Isto vimo-lo em Abu Ghraib em Bagdade. Língua de Montanha dura só 20 minutos, mas podia prolongar-se, horas e horas, com o mesmo padrão a repetir-se e repetir-se, hora após hora.

Cinza às Cinzas, por outro lado, parece-me passar-se debaixo de água. Uma mulher que se afoga, a mão dela que emerge das vagas, que cai fora do alcance da nossa vista, tentando alcançar outras mãos, mas sem encontrar ninguém, nem por baixo nem por cima da água, só sombras, refexos. A mulher é uma silhueta perdida numa paisagem que se afoga, uma mulher que não é capaz de escapar ao trágico destino que parecia pertencer apenas aos outros.

Mas tal como eles morreram, também ela morrerá.

A linguagem política, tal como é usada pelos políticos, não se aventura por nenhum destes territórios, dado que, na generalidade, os políticos, naquilo que deles podemos ver com clareza, estão interessados não na verdade mas no poder e na manutenção desse poder. Para manter esse poder, é fundamental que as pessoas continuem ignorantes, que vivam na ignorância da verdade, e até da verdade das suas próprias vidas.Aquilo que nos rodeia é uma vasta tapeçaria de mentiras, sobre a qual nos vamos alimentando.

Como qualquer um de nós sabe, a invasão do Iraque foi justificada pelo facto de Saddam Hussein possuir um grande arsenal de armas de destruição em massa, algumas das quais poderiam ser activadas em 45 minutos, com efeito terrivelmente devastador. Garantiram que era verdade. Não era verdade. Disseram-nos que o Iraque tinha ligações com a Al Quaeda e partilhava a responsabilidade pelas atrocidades ocorridas em Nova Iorque a 11 de Setembro de 2001. Garantiram que era verdade. Não era verdade. Disseram-nos que o Iraque era uma ameaça para a segurança mundial. Garantiram que era verdade. Não era verdade.

A verdade é uma coisa inteiramente diferente. A verdade tem a ver com o papel que os Estados Unidos julgam ter no mundo e como escolhem encarná-lo.

Mas antes de voltar ao presente, quero ir atrás, até ao passado recente. Quero eu dizer à política externa dos Estados Unidos desde a II Guerra Mundial. Acho que temos a obrigação de analisar este período de forma rigorosa, embora limitada pelo tempo de que aqui dispomos.

Todos sabemos o que aconteceu na União Soviética e em toda a Europa de Leste durante o período do pós-guerra: a brutalidade sistemática, as atrocidades largamente difundidas, a brutal irradicação do pensamento independente. E tudo isso foi amplamente documentado e verificado.
Mas eu defendo aqui que os crimes que os Estados Unidos cometeram nesse mesmo período só superficialmente foram retidos, quanto mais documentados, e é se alguém os reconheceu como crimes. Creio que esta questão tem de ser colocada e que a verdade tem uma relação evidente com o estado actual do mundo. Embora, até certo ponto, condicionadas pela acção da União Soviética, as acções levadas a cabo pelos Estados Unidos no mundo inteiro dão claramente a entender que eles se tinham autorizado uma carta branca para fazer aquilo que queriam.

A invasão directa de um estado soberano nunca foi, de facto, o método preferido da América. Na maior parte dos casos, sempre preferiu aquilo que qualifica como «conflito de baixa intensidade». «Conflto de baixa intensidade» quer dizer que há milhares de pessoas que morrem mas mais devagar do que se se lhes atirasse uma bomba para cima. Quer dizer que se lhes infecta o coração do país, que se lhes injecta um tumor maligno e se fica a ver o crescimento da gangrena. Quando o povo se rende - ou é espancado até à morte, o que é a mesma coisa - e que os amigos, os miltares e as grandes empresas, se sentam comodamente no poder, avançam para frente das câmaras e dizem que a democracia venceu. Isto foi um lugar comum recorrente na política externa dos EU nos anos a que me refiro.

A tragédia da Nicarágua é particularmente significativa. Escolho-a aqui como exemplo claro da visão que a América tem do seu papel no mundo, nessa altura como agora.

No final dos anos 80, estive numa reunião na Embaixada Americana em Londres.

O Congresso dos EU ia decidir nessa altura se iria dar mais dinheiro aos Contras na sua campanha contra o estado da Nicarágua. Eu integrava uma delegação que representava a Nicarágua mas o membro mais importante desta delegação era um Padre John Metcalf. O chefe do campo americano era Raymond Seitz (nessa altura numero dois da embaixada, mais tarde, embaixador ele próprio ). O Padre Metcalf disse: "Tenho a meu cargo uma paróquia no norte da Nicarágua. Os meus paroquianos construíram uma escola, um centro de saúde, um centro cultural. Vivemos em paz. Há uns meses atrás uma força dos Contra atacou a nossa paróquia. Destruíram tudo: a escola, o centro de saúde, o centro cultural. Violaram enfermeiras e professoras, massacraram os médicos da forma mais brutal. Actuaram como selvagens. Por favor, peça ao Governo dos Estados Unidos que retire o apoio que dá a esta actividade terrorista."

Raymond Seitz tinha fama de ser um homem particulamente inteligente, responsável e altamente sofisticado. Era muito respeitado nos círculos diplomáticos. Ouviu, calou-se e depois disse com alguma gravidade: "Padre", disse ele " deixe-me eu dizer-lhe uma coisa. Numa guerra, as pessoas inocentes sofrem sempre." Houve um silêncio glacial. Olhámo-lo nos olhos. Ele nem pestanejou.

As pessoas inocentes, realmente, sofrem sempre.

Até que, por fim, alguém disse: 'Mas neste caso, as pessoas inocentes são vítimas de uma actrocidade sem nome financiada pelo seu governo, e uma entre muitas. Se o Congresso conceder mais dinheiro aos Contras, haverá mais atrociodades deste género Não é assim? Não ficará o seu governo com a culpa de apoiar crimes de morte e destruição de cidadãos de um estado soberano?'

Seitz imperturbável. ' Não creio que os factos referidos demonstrem a vossa asserção,' disse.

Ao sairmos da Embaixada, um conselheiro americano disse-me que ele apreciava o meu teatro. Não respondi.

Devo lembrar-vos que nessa altura o Presidente Reagan afirmou o seguinte: 'Os Contras são o equivalente moral dos nossos Pais Fundadores.'

Os EU apoiaram a brutal ditadura de Somoza na Nicarágua por mais de 40 anos. O povo da Nicarágua, liderado pelos Sandinistas, fez cair este regime em 1979, uma arrebatadora revolução popular.

Os Sandinistas não eram perfeitos. Tinham a sua parte de arrogância e a sua filosofia política continha inúmeras contradições. Mas eram inteligentes, racionais e civilizados. Queriam instaurar uma sociedade decente, pluralista, estável. Aboliram a pena de morte. Centenas de milhares de camponeses marginalizados pela miséria viram renascer a esperança. Mais de 100.000 familias tiveram direito a terra. Foram construídas 2.000 escolas. Uma brilhante campanha de alfabetização reduziu a iliteracia até menos de 7%. Foi criada a educação gratuita e o serviço de saúde gratuito. A mortalidade infantil foi reduzida de um terço. A poliomilite foi erradicada.

Os EU acusaram estes feitos de subversão marxista-leninista. De acordo com o governo dos EU, a Nicarágua estava a dar um exemplo perigoso. Se continuasse a estabelecer normas elementares de justiça social e económica, se continuasse a elevar o grau dos cuidados de saúde e educação, se conseguisse atingir uma união social e um auto-respeito nacional, os países limítrofes haveriam de levantar as mesmas perguntas e fazer as mesmas coisas. Em El Salvador, havia, simultaneamente, uma bizarra resistência ao statuo quo.

Falei já de uma "tapeçaria de mentiras" que nos envolve a todos. O Presidente Reagan qualificava a Nicarágua como 'uma masmorra totalitária'. Isto acabou por ser aceite pelos média - e certamente pelo governo britânico - como um comentário adequado. Não havia, no entanto, traça de esquadrões da morte no governo sandinista. Não havia traça de torturas. Não havia traça de brutalidade militar, sistemática e oficial. Nenhum padre foi assassinado na Nicarágua. Havia mesmo três padres no governo, dois Jesuitas e um missionário Maryknoll. As masmorras totalitárias estavam mesmo ao lado, em El Salvador e na Guatemala. Os EU tinham feito cair o governo democraticamente eleiito da Guatemala em 1954 e estima-se em mais de 200.000 o número de vitimas das sucessivas ditaduras militares.

Seis dos mais eminentes jesuitas do mundo foram traiçoeiramente assassinados na Univesidade de San Salvador em 1989 por um batalhão do regimento Alcatl treinado em Fort Benning, Georgia, EU. Aquele homem particularmente corajoso, o Arcebispo Romero foi assassinado ao dizer missa. Estima-se em 75,000 o número de mortos.. Porque é que foram mortos? Foram mortos porque acreditaram que era possível uma vida melhor e que se devia lutar por ela. Essa convicção fez com que fossem acusados de ser comunistas. Morreram porque ousaram questionar o status quo, o interminável horizonte de pobreza, doença, decadência e opressão que foi o que tiveram como direitos ao nascer.

Os Estados Unidos acabaram por fazer cair o governo Sandinista . Demorou uns anos, encontrou uma resistência considerável mas a perseguição económica sem tréguas e os 30.000 mortos acabaram por fazer quebrar a determinação do povo da Nicarágua. Estavam exaustos e a miséria regressara. Os casinos voltaram. A educação e a saúde gratuitas acabaram. As grandes empresas voltaram, vingativas. A "democracia" venceu-

Mas esta "política" não diz apenas respeito ao que se passa na América Central. Foi levada a cabo em todo o mundo. Não tem fim. E é como se nunca tivesse acontecido.

Os Estados Unidos apoiaram e em muitos casos estiveram na origem de todas as ditaduras militares da direita nmo mundo desde o final da II Guerra Mundial. Estou a falar da Indonésia, Grécia, Uruguay, Brazil, Paraguay, Haiti, Turquia, Fiilipinas, Guatemala, El Salvador, e, é claro, do Chile. O horror que os EU fizeram abater sobre o Chile em 1973 não poderá nunca ser expiado nem esquecido.

Ocorreram centenas de milhares de mortes nestes países. Mas ocorreram? E podem ser atribuídas à política externa dos EU? A resposta é sim e que elas são da responsabilidade da política extrena dos EU. Mas nunca o saberíamos.

Nunca nada aconteceu. Nada aconteceu. Mesmo quando estava a acontecer, não aconteceu. Não tinha importância, Não tinha interesse. Os crimes dos EU são sistemáticos, regulares, viciosos, sem remorso mas poucos são os que falam deles. E a responsabilidade é da America. Exerceu uma manipulação de poder mundial a um nivel quase cirurgico ao mesmo tempo que se disfarçava em força do bem universal. É uma hipnose brilhante, esperta, altamente conseguida.

Afirmo-vos que os EU são sem sombra de dúvida quem, neste momento, tem em cena o maior espectáculo do mundo. Poderá parecer brutal, indiferente, desdenhoso e impiedoso mas é inegavelmente muito esperto. Tal como um caixeiro viajante, trabalha por conta própria e a mercadoria com mais saída é a auto-estima. É um vencedor. Ouçam como os presidentes dos EU dizem na televisão " o povo americano", como na frase " Digo ao povo americano que é tempo de rezar e de defender os direitos do povo americano e peço ao povo americano que confie no seu presidente na acção que vai iniciar em defesa do povo americano.

O estratagema é brilhante. A linguagem é realmente usada para obscurecer o pensamento. A expressão "o povo americano" comporta em si uma voluptuosa almofada que nos dá confiança. Não é preciso pensar. Basta aconchegarmo-nos sobre a almofada. Pode ser que a almofada esteja a sufocar a inteligencia e as faculdades críticas mas é tão confortável. Isto, é claro, não se aplica aos 40 milhões de pessoas que vivem abaixo do limiar da pobreza e dos 2 milhões de homens e mulheres que estão presos no vasto gulag de prisões que se extende ao longo dos EU.

Os EU já não se preocupamm com os confitos de baixa intensidade. Já não vêm qualquer interesse em dar provas de reserva ou sequer de manhas. Atiram para cima da mesa as cartas sem medo. Estão-se realmente nas tintas para as Nações Unidas, a lei internacional ou as críticas, que consideram não ter qualquer poder ou importância. E ainda levam atrás de si, à trela, o pequeno cordeirinho que é a patética e submetida Gra Bretanha.

O que aconteceu com a nossa sensibilidade moral ? Alguma vez a tivemos? O que quer dizer esta expressão? Refere-se a um termo pouco usado nestes dias - consciência? Uma consciência de agir não apenas com os nossos próprios actos mas com a responsabilidade partilhada nas acções dos outros? Já tudo isto morreu? Olhe-se para a Baía de Guantanamo. Estão lá centenas de pessoas presas sem acusação, há mais de três anos, sem representantes legais, tecnicamente em prisão perpétua. Esta estrutura totalmente ilegítima é mantida à revelia da Convenção de Genebra. E é tolerada ou vista como se não existisse por aquilo a que se chama "a comunidade internacional". Este crime escandaloso está a ser perpetrado por um país que se intitula " defensor do mundo livre". Pensamos nos prisioneiros de Guantanamo? O que dizem os média acerca deles? De vez em quando espreitam, dá uma pequena nota na página 6. Foram confinados a uma terra de ninguém de onde provavelmente nunca regressarão. Neste momento, há alguns que estão em greve da fome, alimentados à força, e alguns são britânicos. Não há delicadeza nesta alimentação forçada. Nem sedativos nem anestésicos. Só um tubo enfiado pelo nariz e que vai atè à garganta. Vomita-se sangue. Isto é uma tortura. O que dizem os Negócios Estrangeiros britânicos acerca disto? Nada. O que diz o primeiro ministro britãnico? Nada. E porque não? Porque os EU disseram: criticar a nossa acção em Guantanamo é um acto hostil. Ou estão connosco ou contra nós. E, portanto, Blair cala-se.

A invasão do Iraque foi um acto de banditismo, um acto de terrorismo de estado, demonstrando um total desprezo pela noção de lei internacional. A invasão foi uma acção militar sustentada por uma série de mentiras, enorme manipulação dos media e por conseguinte do público; um acto que deveria consolidar o domínio militar e económico da América no Médio Oriente disfarçado em ultima instância de libertação - uma vez que todas as outras justificações ruiram. Uma formidável asserção de força militar responsável pela morte e mutilação de milhares e milhares de inocentes.

Levámos tortura, bombas de fragmentação, urânio empobrecido, matanças cometidas ao acaso, miséria, humilhação e morte e chamamos a isso "levar ao Médio Oriente a liberdade e a democracia".

Quantas pessoas é preciso matar até se ser qualificado como um assasino de massas e um criminoso de guerra? Uma centena de milhar? Mais do que o necessário, julgaria eu. Por isso creio que é justo que Bush e Blair sejam levados ao Tribunal Internacional de Justiça Mas Bush foi esperto. Nunca ratificou o Tribunal Internacional. Por isso, se alguma vez um soldado americano ou melhor ainda um político alguma vez estiver no banco dos réus, Bush disse que enviaria os marine. Mas Tony Blair ratificou o Tribunal e está assim sujeito a um processo. Podemos dar a sua morada ao Tribunal, no caso de estarem interessados. É o número 10 da Downing Street, London.

Neste contexto, a morte não tem qualquer importância. Quer Bush quer Blair conseguem muito bem passar ao seu lado. Já pelo menos 100.000 Iraquianos foram mortos por bombas e mísseis americanos - e antes de ter começado a revolta iraquiana. Essas pessoas não são de tempo nenhum. As suas mortes não existem. Nada são. Nem sequer são lembradas como mortas. " Não fazemos contagem de corpos", disse o general americano Tommy Franks.

Mal começou a invasão, surgiu na primeira página dos jornais briânicos uma fotografia de Tony Blair dando um beijo a um menino iraquiano. "Uma criança agradecida", dizia a legenda. Dias depois havia uma história e uma fotografia, numa página interiror, de um outro menino de 4 anos sem braços. A família fora dizimada por um míssil. Ele é o único sobrevivente. "Quando é que volto a ter braços?", perguntava. E a história foi esquecida. È que Tony Blair não estava com ele ao colo nem tinha ao colo nenhuma outra criança mutilada, nem nenhum cadáver ensanguentado. O sangue é sujo. Suja a camisa e a gravata e é preciso um discurso sincero na televisão.

Os 2.000 mortos americanos são um embaraço. São transportados para os seus túmulos durante a noite. Os funerais fazem-se na maior discrição, em lugares seguros.

Os mutilados apodrecem nas camas, alguns para o resto das suas vidas. E assim mutilados e mortos apodrecem todos, em diferentes espécies de túmulos.

Eis uma passagem de um poema de Pablo Neruda:

E uma manhã tudo o que ardia
Uma manhá as queimadas
Levantaram-se da terra
Devorando os seres humanos
E deste então foi o fogo
A pólvora desde então
Foi o sangue.
Bandidos com aviõe e mouros
Bansdicos de aliança e duquesas
Bandidos com monjes negros que os benziam
Vieram pelos céus para matar crianças
E o sangue das crianãs correu pelas ruas
Simplesmento, como o sangue das crianças.

Chacais que os chacais desprezariam
Pedras em que até os cardos secos cuspirim
Viboras que as viboras abominariam

Cara a cara contigo tenho visto o sangue
De Espanha levantar-se como uma maré
Que te arrasta numa vaga
De orgulho e facas.

Traiçoeiros
generais:
vede a minha casa morta,
vede a Espanha quebrada:
de cada casa corrre metal fundente
em vez de flores
de cada fenda de Espanha
surge a Espanha
mas de cada criança morta levanta-se uma espingarda com olhos
mas de cada crime nascem balas
que um dia hão-de encontrar
o lugar dos vossos corações.
E perguntam; porque não fala a sua poesia
De sonhos e plantas
E dos grandes vulcões da sua terra natal.

Venham ver o sangue nas ruas.
Venham ver
O sangue nas ruas
Venham ver o sangue
Nas ruas! *

Que fique bem claro que ao citar este Neruda, não estou de modo algum a comparar a Espanha Republicana ao Iraque de Saddam Hussein. Cito Neruda porque em mais nenhuma poesia contemporânea consegui eu ler uma tão poderosa e visceral descrição do que é um bombardeamento de civis.

Disse antes que agora os EU já são totalmente francos ao atirarem as cartas para a mesa. É assim mesmo. A sua política oficial define-se como um "'full spectrum dominance'. ( domínio total em todas as frentes). Os termos não são meus, são deles. E 'full spectrum dominance' significa domínio da terra, mar, ar e espaço e de todos os bens neles existentes.

Os EU ocupam hoje 702 instalações militares espalhada pelo mundo em 132 paises, com a honrosa excepção da Suécia, claro. Não sabemos como conseguiram chegar lá, mas que lá estão, lá isso estão.

Os EU possuem 8.000 ogivas nucleares activas e operacionais. 2.000 estão em alerta máximo, prontas a serem lançadas em 15 minutos. Estão a desenvolver novos sistemas nucleares chamados "bunker busters" ( destruidores de bunkers). Os britânicos, sempre cooperantes, tencionam substituir o seu próprio missil nuclear, o Trident. Quem, pergunto-me eu, querem eles atingir? Osama bin Laden? Tu? Eu? O Zé da esquina? China? Paris? Quem sabe? O que sabemos é que esta insânia infantil - a posse e a ameaça ao recurso de armas nucleares está no próprio coração da actual filosofia política americana. Temos de nos lembrar que os EU estão em permanente pé de guerra e não se vê sinais de que isso abrande.

Muitos milhares, se é que não milhões de pessoas nos próprios EU, estão manifestamente cheios de vergonha e irados contra as acções do seu governo mas de momento ainda não são uma força política coerente - de momento. Mas a incerteza, a ansiedade, o medo que vemos diariamente crescer nos EU não parece ir diminuir tão cedo.

Sei que o Presidente Bush tem muitos autores dos seus discursos extremamente competentes. Mas eu gostava de me candidatar também a esse lugar. E proponho esta breve alocução que ele pode fazer à Nação através da Televisão. Vejo-o com um ar grave, cabelo muito penteado, sério, combativo, sincero, às vezes encantador, com um sorrisinho forçado, com certo poder de sedução, homem comum entre os homens comuns.

' Deus é bom. Deus é grande . Deus é bom. O meu Deus é bom. O Deus de Bin Laden é mau. É um mau Deus. O Deus de Saddam era mau, só que ele não tinha nenhum.. Era um bárbaro. Nós não somos bárbaros. Não cortamos a cabela das pessoas. Acreditamos na liberdade. E Deus também acredita. Eu não sou um bárbaro. Sou o chefe democraticamente eleito de uma democracia amante da liberdade. Somos uma sociedade tolerante. Damos electrocução tolerante e injecções letais tolerantes. Somos uma grande nação. Não sou um ditador. Ele é. Não sou um bárbaro. Ele é. E ele. Eles todos. Eu tenho autoridade moral. Vês este punho fechado? É esta a minha autoridade moral. E não se esqueçam disso."

A vida de um escritor é uma actividade muito vulnerável, quase nua. Não vamos ter pena dela. O escritor escolheu isso e mantém-se aí. Mas é verdade dizermos que fica exposto a todos os ventos, e alguns são glaciais. Está-se realmente sozinho. Sem amparo. Sem protecção - a menos que se minta, e terás com isso construído a tua protecção, e poderíamos passar a dizer, tornaste-te político.

Já esta noite me referi várias vezes à morte. Vou então ler-vos um poema meu chamado

Morte

Onde foi o corpo morto encontrado?
Quem encontrou o corpo morto?
Estava morto o corpo morto quando foi encontrado?
Como foi o corpo morto encontrado?

Quem era o corpo morto?

Quem era o pai ou filha ou irmão
Ou tio ou irmã ou mãe ou filho
Do corpo morto e abandonado?

Estava morto o corpo quando foi abandonado?
O corpo foi abandonado?
Por quem foi ele abandonado?

Estava o corpo morto nu ou vestido para viagem?

O que te fez declarar morto o corpo morto?
Declaraste morto o corpo morto?
Conhecias bem o corpo morto?
Como soubeste que o corpo morto estava morto?

Será que lavaste o corpo morto
Será que lhe fechaste ambos os olhos
Será que enterraste o corpo
Será que o deixaste abandonado
Será que beijaste o corpo morto

Quando olhamos um espelho, pensamos que a imagem à nossa frente é exacta. Mas basta movermo-nos um milímetro e a imagem altera-se. Aquilo que estamos realmente a ver é uma série infindável de reflexos. Mas às vezes o escritor tem de quebrar o espelho - porque é do outro lado do espelho que a verdade nos espera de frente.

Estou convicto de que, a pesar dos inúmeros obstáculos que existem, nós, cidadãos, com uma feroz determinação intelectual, inquebrável, sem desviar, conseguiremos definir a verdade real das nossas vidas e das nossas sociedades - e essa é uma obrigação crucial que nos diz respeito. É de facto obrigatória.

Se essa vontade não estiver incorporada na nossa visão política, não tenhamos esperança de restaurar aquilo que já quase se perdeu para nós - a dignidade do homem.

Harold Pinter


Tradução de Jorge Silva Melo

Wednesday, December 14, 2005

A VERDADE

Teodora Cardoso, hoje, no "Jornal de Negócios" acerta, em cheio, no alvo.

Cavaco Silva tem agora razão quando diz que, sem crescimento económico, não se resolverão os problemas do emprego ou do orçamento. É, contudo, à miopia com que dirigiu uma fase ímpar de crescimento que devemos as dificuldades actuais.

Na entrevista que concedeu à RTP1, Cavaco Silva deixou entrever, com uma inesperada candura, o modo como encara as reformas estruturais. À interpelação quanto ao facto de não ter concretizado a reforma da administração pública, respondeu afirmando que levou a cabo a «parte mais importante» dessa reforma, relativa à adopção do Novo Sistema Retributivo (NSR).

A isso acrescentou a habitual mantra, segundo a qual os problemas que o sistema suscitou apenas se deveram ao aumento do número de funcionários públicos que teve lugar sob a gestão Guterres.

A reconhecida escassez e má qualidade das estatísticas em matéria de função pública tem permitido manter essa tese, tão válida quanto o total de 550 mil funcionários que existiriam quando Cavaco deixou o poder. Um estudo da OCDE de 1997, dedicado ao tema das dificuldades de medição dessa variável nos diferentes países, aponta para Portugal em 1993 - segundo fontes oficiais - um número total de funcionários que variava entre os 632 mil e os 765 mil. Esta última versão, que era a mais actualizada na altura, indicava a existência de 772 mil funcionários em 1995. Na prática, há uma única lição a tirar destes números: a da urgência em compilar e divulgar estatísticas fiáveis sobre a matéria.

Quanto aos mitos que subsistem há, porém que reconhecer que, se eles se mantêm, é porque contêm algo de verdade. Os aspectos verdadeiros são fáceis de identificar e consistem no custo exagerado da função pública e na percepção generalizada de que os recursos humanos ao serviço do sector público estão mal atribuídos, tanto em quantidade, como em qualidade. Essa é precisamente a herança que ficámos a dever a Cavaco Silva e à sua não reforma da administração pública.

Em 1989, quando o NSR foi aprovado, várias coisas se tinham tornado evidentes relativamente à economia e à administração pública em Portugal:

A primeira era o aumento do rendimento disponível do país graças, por ordem cronológica, (i) à forte competitividade da economia legada pela estabilização levada a cabo pelo governo anterior, sob a égide de Mário Soares e de Ernâni Lopes, (ii) à descida do preço do petróleo em 1986 e (iii) às entradas crescentes de fundos comunitários.

A segunda era a implosão do império soviético e a crescente globalização e tecnicização da economia mundial, exigindo a reconversão urgente do modelo competitivo da economia portuguesa. A resposta que lhe foi dada consistiu no desperdício dos fundos para a formação profissional e, em matéria de educação, na fuga para um modelo apenas preocupado em melhorar as remunerações dos professores e os indicadores quantitativos. Em conjunto, estes constituíram seguramente o mais grave erro estratégico da política portuguesa pós-adesão.

A terceira evidência resultava directamente das anteriores e dizia respeito à necessidade de uma profunda reforma da administração pública, indispensável para lhe permitir acompanhar - e mesmo liderar - as reformas da economia. Um novo sistema retributivo era, por várias razões, uma parte indispensável dessa reforma. Os funcionários públicos eram tradicionalmente mal pagos em Portugal e isso era especialmente verdade no respeitante aos quadros técnicos e às chefias. Para contornar o problema, tinham-se criado múltiplos esquemas «especiais» destinados a complementar as remunerações dos grupos com maior poder negocial, em particular aqueles de quem dependia a cobrança das receitas do Estado. Para além disso, a capacidade do sector público para recrutar pessoal qualificado e inovador reduzia-se praticamente ao atractivo de proporcionar a entrada numa carreira política. Ao mesmo tempo era muito elevado o peso dos funcionários com muito baixa preparação escolar, incorporados em quadros donde tinham sido excluídas todas as formas de mobilidade.

Finalmente resta sublinhar que todo o sistema português de administração pública se subordinava a um modelo estritamente hierárquico, baseado em procedimentos que excluíam qualquer forma de autonomia de gestão, de inovação e de selecção de chefias por critérios de qualificação e capacidade de gestão. Tudo isto coincidia com a explosão das técnicas de informação, num período em que os nossos parceiros da OCDE, mais atentos ao evoluir das economias e das tecnologias, discutiam e punham em prática soluções inovadoras e flexíveis.

Não é difícil perceber que a introdução de um NSR, aproveitando uma folga financeira irrepetível, seria a contrapartida ideal para permitir levar por diante as reformas indispensáveis, mesmo que impopulares. O que Cavaco Silva nos legou reduziu-se, porém, à expansão dos regimes especiais, ao reforço da rigidez e da incapacidade de gestão e inovação e sobretudo a um aumento dos encargos com a função pública que se cifrou em 90,4 % no triénio 1989/91, 50 pontos percentuais acima da subida da taxa de inflação no mesmo período, estrategicamente centrado no ano em que obteve a sua segunda maioria absoluta. É certo que os governos Guterres, embora com um menor contributo quantitativo, não fizeram melhor. Mas pelo menos devemos a António Guterres não vir apresentar-se-nos como o detentor da verdade nas áreas em que errou.

Cavaco Silva tem agora razão quando diz que, sem crescimento económico, não se resolverão os problemas do emprego ou do orçamento. É, contudo, à miopia com que dirigiu uma fase ímpar de crescimento que devemos as dificuldades actuais. Que a solução destas em período de crise exige maiores sacrifícios, durante mais tempo, também não oferece dúvidas. Que Cavaco detenha agora a verdade que tão completamente lhe escapou enquanto primeiro-ministro, isso sim oferece as maiores dúvidas.

Teodora Cardoso
In "Jornal de Negócios" , 14 de Dezembro de 2005

Tuesday, December 13, 2005

Harol Pinter - Nobel da Literatura (Dirscurso em português)

Em seu discurso exibido em uma gravação em vídeo, o dramaturgo chama o presidente Bush e o primeiro-ministro britânico Tony Blair de terroristas.

(Estado de S. Paulo)

Cerimônia na Real Academia Sueca, em Estocolmo

São Paulo - Harold Pinter, o dramaturgo britânico que renovou a linguagem teatral no século 20, está impedido de receber o prêmio na entrega oficial do Prêmio Nobel de Literatura que será realizada neste sábado - o editor de Pinter é o encarregado de recebê-lo em seu nome. Um câncer no esôfago o mantém hospitalizado e proibido de viajar por seus médicos. Impedido também de fazer o discurso de praxe de aceitação do prêmio em Estocolmo, na última quarta-feira, enviou uma gravação em vídeo exibida para convidados do reino da Suécia e representantes da imprensa.

Conhecido como um dos maiores ativistas pelo desarmamento nuclear e radicalmente anti-Bush, fez, como se esperava desde o anúncio de seu nome, em outubro, duras críticas à Guerra no Iraque e à política externa do governo norte-americano, chamando o presidente Bush e o primeiro-ministro britânico Tony Blair de terroristas e pedindo que fossem julgados por seus atos.


Leia a íntegra de seu discurso:

Em 1958, escrevi o seguinte: "Não há distinções explícitas entre o que é real e o que é irreal, tampouco entre o que é verdadeiro e o que é falso. Uma coisa não é necessariamente verdadeira ou falsa; ela pode ser tanto falsa quanto verdadeira." Creio que essas afirmações ainda fazem sentido e certamente se aplicam à exploração da realidade por meio da arte. Portanto, como escritor, eu as defendo; todavia, como cidadão, não posso fazê-lo. Como cidadão devo perguntar: O que é verdadeiro? O que é falso?

A verdade, no teatro, é sempre enganosa. Jamais conseguimos encontrá-la totalmente, mas a perseguimos de forma compulsiva. Essa busca é, sem dúvida alguma, o que motiva tal esforço. A busca é tarefa nossa. Com muita freqüência, tropeçamos na verdade em meio às trevas, topamos com ela ou vislumbramos apenas uma imagem ou um vulto que parece corresponder à verdade, sem nos dar conta, tantas vezes, do que se passou. Contudo, a verdade real é que não há nunca, em tempo algum, na arte dramática, isto a que chamamos de verdade única. As verdades são muitas. Elas desafiam umas às outras, esquivam-se umas das outras, refletem-se, ignoram umas às outras, importunam umas às outras, são cegas umas para as outras.

Com freqüência, sentimos que temos nas mãos a verdade de um momento, para em seguida vê-la escorrer por entre os dedos e se perder. Perguntam-me muitas vezes como concebo minhas peças. Não sei. Também não posso resumi-las, digo apenas o que se passou. Foi isto o que disseram; isto o que fizeram. A maior parte delas brota de uma fala, de uma palavra ou de uma imagem. A palavra dada é, não raro, seguida logo depois da imagem.

Darei dois exemplos de duas falas que me vieram à mente de forma inesperada seguidas de uma imagem, seguidas então por mim. As peças são A Volta ao Lar (The Homecoming) e Antigamente (Old Times). A primeira fala de A Volta ao Lar é "O que você fez com a tesoura?" E a primeira fala de Antigamente é "Escuro". Em ambos os casos, eu não dispunha de nenhuma outra informação. No primeiro exemplo, alguém estava obviamente procurando uma tesoura e indagava do paradeiro dela a uma pessoa que, segundo suspeitas do autor da pergunta, a teria roubado. De algum modo, porém, eu sabia que a pessoa a quem a pergunta havia sido dirigida não dava a mínima para a tesoura e tampouco para a pessoa que lhe fizera a pergunta.

Com "escuro" eu fazia referência ao cabelo de alguém, o cabelo de uma mulher, e era a resposta a uma pergunta. Nos dois casos, senti-me obrigado a insistir no que tinha. Foi uma ocorrência visual, de um desbotado que passou muito lentamente das sombras para a luz. Sempre começo minhas peças chamando os personagens de A, B e C.

Na peça que se tornou A Volta ao Lar, vi um homem entrar em uma sala sóbria e dirigir sua pergunta a outro homem mais jovem, sentado em um sofá ordinário e que se entretinha com a leitura de um jornal sobre corridas. Não sei por que, mas eu suspeitava que A fosse o pai e, B, seu filho, mas não tinha provas disso.

Minha impressão se confirmou, porém, pouco tempo depois, quando B (posteriormente batizado de Lenny) diz a A (ou Max, como eu o chamaria mais adiante), "Pai, você se importa se eu mudar de assunto? Queria lhe perguntar uma coisa. Aquele prato que comemos antes, como se chama? Qual o nome dele? Por que você não compra um cachorro? Você daria um bom cozinheiro de comida para cachorro. Verdade. Quando você cozinha, parece que está cozinhando para uma porção de cachorros." Portanto, uma vez que B chama A de "Pai", pareceu-me lógico supor que se tratava de pai e filho. A, naturalmente, era o cozinheiro, e sua comida não parecia ter uma reputação muito boa. Será que isso quer dizer que não havia uma mãe? Eu não sabia. Contudo, como dizia para mim mesmo na época, nossos começos não conhecem jamais nossos fins.

"Escuro". Uma janela grande. Céu crepuscular. Um homem. A (mais tarde Deeley), e uma mulher (mais tarde Kate), estão sentados com seus respectivos drinks. "Gorda ou magra?", o homem pergunta. De quem falam? Vejo então, à janela, uma mulher, C (futura Anna), banhada por uma luz diferente, de costas para os dois, de cabelo escuro.

É um momento estranho, o momento da criação dos personagens que, até aquele momento, não existiam. O que se segue é fragmentário, incerto, alucinante mesmo, embora às vezes possa se tornar uma avalanche incontrolável. É curiosa a condição do autor. Em certo sentido, ele não goza da simpatia dos personagens. Eles o enfrentam, dificultam a convivência, não se deixam definir. É impossível dar-lhes ordens. Em certo sentido, jogamos com eles um jogo que nunca termina, gato e rato, cabra-cega, esconde-esconde.

No fim das contas, porém, percebemos que temos pessoas de carne e osso nas mãos, gente dotada de vontade e de sensibilidade própria, feita de partes que não podemos alterar, manipular ou distorcer. Portanto, a linguagem na arte constitui uma transação extremamente ambígua, é areia movediça, uma cama elástica, um lago congelado que a qualquer momento poderá ceder sob os pés do autor. Contudo, como já disse, a busca pela verdade nunca termina. Ela não pode ser interrompida, não pode ser adiada. Deve-se encará-la, ali mesmo, de frente.

O teatro político apresenta um conjunto de problemas totalmente distinto. É preciso evitar a todo custo os sermões. A objetividade é essencial. Os personagens precisam respirar por si. O autor não pode confiná-los e obrigá-los a satisfazer seu gosto pessoal, sua vontade, seus preconceitos. Ele deve estar preparado para se aproximar deles de diversos ângulos diferentes, de perspectivas totalmente despojadas, pegá-los de surpresa, talvez, de vez em quando, sem contudo privá-los da liberdade de ir aonde queiram. Nem sempre isso funciona. E a sátira política, é claro, não obedece a nenhum desses preceitos. Na verdade, ela faz exatamente o oposto, que é para isso que serve.

Na minha peça Festa de Aniversário (The Birthday Party), creio que deixo uma série de opções operar em uma densa floresta de possibilidades antes de me concentrar finalmente em um ato de subjugação. Língua da Montanha (Mountain Language) não tem a mesma aspiração. Ela é brutal, breve e incômoda, porém os soldados que nela aparecem conseguem se divertir um pouco. Às vezes nos esquecemos de que os torturadores se entediam facilmente. Eles precisam rir um pouquinho para se animar. Isto foi confirmado, naturalmente, pelos acontecimentos de Abu Ghraib, em Bagdá. Língua da Montanha tem apenas 20 minutos, mas poderia se estender por horas a fio repisando sempre o mesmo tema, indefinidamente, durante horas e horas.

Cinzas às Cinzas (Ashes to Ashes), por outro lado, parece-me se desenrolar debaixo da água. Uma mulher está se afogando, ela ergue a mão em meio às ondas, afunda, desaparece, procura por outros, mas não encontra ninguém, nem acima, nem abaixo da água, exceto sombras e reflexos que bóiam; a mulher é uma figura perdida em uma paisagem que afunda, uma mulher incapaz de escapar à sina que parecia pertencer unicamente aos outros. Contudo, à medida que morrem, também ela deve morrer.

A linguagem política, conforme o emprego que fazem dela os políticos, não se aventura por nenhum desses territórios, uma vez que a maioria dos políticos, pelas evidências de que dispomos, não estão interessados na verdade, e sim no poder e na manutenção do poder. Para manter o poder é imprescindível que as pessoas permaneçam na ignorância, que vivam em estado de ignorância em relação à verdade, até mesmo a verdade que diz respeito à sua própria vida. Estamos, portanto, rodeados por uma vasta rede de mentiras, das quais nos alimentamos.

Como é de conhecimento geral, a justificativa para a invasão do Iraque era de que Saddam Hussein possuía um arsenal extremamente perigoso de armas de destruição em massa, algumas das quais poderiam ser disparadas em 45 minutos, ocasionando uma destruição pavorosa. Garantiram-nos que era verdade. Não era verdade. Nos disseram que o Iraque mantinha relações com a Al-Qaeda, e que era co-responsável pela atrocidade que se abateu sobre Nova York em 11 de Setembro de 2001. Garantiram-nos que era verdade. Não era. Nos disseram que o Iraque era uma ameaça à segurança do mundo. Garantiram-nos que era verdade. Não era.

A verdade é algo completamente diferente. A verdade diz respeito à forma como os Estados Unidos entendem seu papel no mundo e ao modo que escolheram para protagonizá-lo.

Antes, porém, de voltar ao presente, gostaria de examinar o passado recente, e com isso quero me referir à política externa dos Estados Unidos desde o fim da 2.ª Guerra Mundial. Creio que é nossa obrigação submeter esse período a algum tipo de escrutínio, ainda que limitado, já que o tempo de que dispomos não nos permitiria mais do que isso. Todo o mundo sabe o que aconteceu na União Soviética e em todo o Leste europeu no período que se seguiu ao pós-guerra: uma brutalidade sistemática, atrocidades generalizadas, a supressão impiedosa do pensamento independente. Tudo isso se acha fartamente documentado e comprovado. Contudo, minha opinião neste caso é de que os crimes dos Estados Unidos no mesmo período foram registrados de modo apenas superficial, não houve de forma alguma preocupação em documentá-los, muito menos em reconhecê-los ou admiti-los como crimes. Creio que é preciso tocar nesse ponto.

A verdade tem um peso considerável sobre a situação atual do mundo. Embora restritas até certo ponto pela existência da União Soviética, as ações dos Estados Unidos pelo mundo afora deixavam claro que eles haviam chegado à conclusão de que tinham carta branca para fazer o que bem entendessem. A invasão pura e simples de um Estado soberano nunca foi o método favorito dos Estados Unidos. De modo geral, eles sempre preferiram o que chamam de "conflito de baixa intensidade". Isto significa que milhares de pessoas morrem, porém mais lentamente do que se jogássemos uma bomba sobre elas. Significa que o coração de um país é infectado, que plantamos nele um crescimento maligno e observamos a gangrena se espalhar. Depois de subjugar o populacho - ou de violentá-lo até a morte, o que dá no mesmo -, você e seus amigos, os militares e as grandes empresas instalam-se confortavelmente no poder. Em seguida, você diz diante das câmeras que a democracia prevaleceu. Isso era comum na política externa dos Estados Unidos nos anos a que me referi.

A tragédia da Nicarágua é emblemática nesse sentido. Decidi apresentá-la aqui como exemplo categórico de como os Estados Unidos entendem seu papel no mundo, tanto naquela época quanto nos dias de hoje. Eu estive presente a uma reunião na embaixada americana em Londres em fins dos anos 1980. O Congresso dos EUA devia decidir se concedia ou não mais verbas para os Contras em sua campanha de oposição ao Estado da Nicarágua. Eu era membro de uma delegação que representava a Nicarágua, porém o membro mais importante da delegação era o padre John Metcalf. O chefe do corpo diplomático americano era Raymond Seitz (na época, o número dois da embaixada; mais tarde ele se tornaria embaixador).

O padre Metcalf disse: "Senhor, sou responsável por uma paróquia no norte da Nicarágua. Meus paroquianos construíram uma escola, um centro de saúde e um centro cultural. Sempre vivemos em paz. Faz alguns meses, um grupo dos Contras atacou a paróquia. Eles destruíram tudo: a escola, o centro de saúde, o centro cultural. Violentaram freiras e professoras, assassinaram médicos da maneira mais brutal possível. Comportaram-se como selvagens. Por favor, exija que o governo dos Estados Unidos retire seu apoio a essas atividades terroristas revoltantes."

Raymond Seitz tinha uma reputação excelente de sujeito racional, responsável e muito sofisticado. Ele era bastante respeitado nos círculos diplomáticos. Ele ouviu, fez uma pausa e disse então com uma certa gravidade: "Padre", disse ele, "deixe-me dizer-lhe uma coisa. Na guerra, os inocentes sempre sofrem". Houve um silêncio glacial. Nós o fitamos. Ele não se abalou.

Inocentes, de fato, sempre sofrem. Por fim, alguém disse: "Neste caso, porém, os inocentes foram vítimas de uma atrocidade hedionda patrocinada pelo seu governo, uma das muitas. Se o Congresso der mais dinheiro aos Contras, outras atrocidades do mesmo tipo se seguirão, não é verdade? Portanto, devemos responsabilizar seu governo por apoiar a destruição e o assassinato de cidadãos de um Estado soberano?" Seitz continuava impassível. "Não creio que os fatos, conforme apresentados, justifiquem suas afirmações", disse ele. Quando saíamos da embaixada, um adido americano me disse que gostava das minhas peças. Não respondi. Vale lembrar que, na época, o presidente Reagan deu a seguinte declaração: "Os Contras são o equivalente moral dos nossos Pais Fundadores."

Os Estados Unidos apoiaram a ditadura brutal de Somoza na Nicarágua durante mais de 40 anos. O povo nicaragüense, liderado pelos sandinistas, derrubou o regime em 1979 numa revolução popular magnífica. Os sandinistas não eram perfeitos. Tinham sua cota de arrogância e sua filosofia política continha uma série de elementos contraditórios. Contudo, eram inteligentes, racionais e civilizados. Eles estavam determinados a estabelecer uma sociedade estável, decente e pluralista. A pena de morte foi abolida. Centenas de milhares de camponeses fustigados pela pobreza foram resgatados da morte. Mais de 100.000 famílias foram assentadas em terra própria. Foram construídos dois milhões de escolas. Uma campanha de alfabetização extraordinária reduziu o analfabetismo no país para menos de um sétimo. Escolas e serviços de saúde agora eram gratuitos. A mortalidade infantil foi reduzida em um terço. A pólio foi erradicada.

Os Estados Unidos denunciaram essas realizações atribuindo-as à subversão marxista-leninista. Na opinião do governo americano, criava-se assim um exemplo perigoso. Se deixassem que a Nicarágua estabelecesse padrões elementares de justiça social e econômica, se permitissem que o país elevasse os padrões de saúde e de educação, conquistando a unidade social e o auto-respeito nacional, os países vizinhos começariam a fazer as mesmas perguntas e a agir do mesmo modo. Havia na época, evidentemente, uma forte resistência à situação de El Salvador. Referi-me anteriormente à "rede de mentiras" que nos envolve. O presidente Reagan costumava-se referir freqüentemente à Nicarágua como "masmorra totalitária". A mídia, de modo geral, e certamente o governo britânico, achavam que a observação era precisa e bem aplicada.

Não havia, porém, registro algum de esquadrões da morte no governo sandinista. Não havia registros de tortura. Não havia nenhum registro de brutalidade sistemática ou de brutalidade praticada por militares. Nenhum padre foi morto na Nicarágua. Na verdade, havia três sacerdotes no governo, dois jesuítas e um missionário de Maryknoll. As masmorras totalitárias ficavam nos países vizinhos, El Salvador e Guatemala.

Os Estados Unidos depuseram o governo guatemalteco, eleito democraticamente, em 1954. Estima-se que mais de 200.000 pessoas tenham sido vítimas de sucessivas ditaduras militares. Seis dos mais renomados jesuítas do mundo foram cruelmente assassinados na Universidade Centro-Americana em San Salvador, em 1989, por um batalhão do regimento de Alcatl treinado em Fort Benning, no estado americano da Geórgia. O arcebispo Romero, um homem de coragem extraordinária, foi assassinado quando rezava missa. Calcula-se que 75.000 pessoas tenham morrido. E por que elas foram mortas? Porque acreditavam na possibilidade de uma vida melhor, e queriam conquistá-la. Essa fé as qualificava imediatamente como comunistas. Elas morreram porque ousaram questionar o status quo, um platô onde não se divisava o fim da pobreza, das doenças, da degradação e da opressão herdadas desde o berço.

Os Estados Unidos derrubaram por fim o governo sandinista. Foram necessários alguns anos e uma resistência considerável, contudo, depois de uma perseguição econômica implacável e 30.000 mortos, o espírito do povo nicaragüense estava alquebrado. O desânimo e a pobreza triunfaram novamente. Os cassinos voltaram ao país. As escolas e os serviços de saúde deixaram de ser gratuitos. Os grandes negócios voltaram com força total. A "democracia" tinha prevalecido.

Todavia, essa "política" não se restringia de modo algum à América Central. Ela foi aplicada no mundo todo. Não acabava nunca. E era como se jamais tivesse acontecido. Os Estados Unidos apoiaram e, em muitos casos, produziram todas as ditaduras militares de direita do mundo depois da 2.ª Guerra Mundial. Refiro-me à Indonésia, Grécia, Uruguai, Brasil, Paraguai, Haiti, Turquia, Filipinas, Guatemala, El Salvador e, é claro, o Chile.

O horror que os Estados Unidos impuseram ao Chile, em 1973, não se apagará e não se perdoará jamais. Centenas de milhares de mortes foram contabilizadas nesses países. Elas aconteceram de fato? Deve-se atribuí-las em todos os casos à política externa dos EUA? A resposta é sim, elas aconteceram, e são de responsabilidade da política externa dos EUA. Mas ninguém sabe disso. Nada jamais aconteceu. Mesmo quando acontecia não estava acontecendo. Não importava. Não tinha interesse.

Os crimes praticados pelos Estados Unidos são sistemáticos, constantes, cruéis, impiedosos, mas muito pouca gente toca no assunto. É por obra dos Estados Unidos que é assim. Eles manipulam o poder com extrema frieza no mundo todo fazendo-se passar por força universal do bem. Trata-se de uma sessão de hipnose brilhante, engenhosa mesmo, e muito bem-sucedida.
Digo a vocês que os Estados Unidos nos oferecem, sem dúvida alguma, o maior espetáculo da terra. Brutal, indiferente, escarnecedor e cruel, mas também muito inteligente. Como todo vendedor, está sempre só, e seu campeão de vendas é o amor próprio. É um vencedor.

Perceba como todos os presidentes americanos quando vão à televisão dizem "o povo americano", como na seguinte frase: "Digo ao povo americano que é hora de orar e de defender os direitos do povo americano. Peço ao povo americano que confie no seu presidente naquilo que ele em breve fará a favor do povo americano." É um estratagema brilhante. Emprega-se a linguagem para manter o pensamento em xeque. As palavras "o povo americano" funcionam como uma espécie de almofada extremamente confortável e tranqüilizante. Não é necessário pensar. Bastar recostar na almofada. Ela talvez sufoque sua inteligência e suas faculdades críticas, mas é muito confortável.

Isto, é claro, não se aplica aos 40 milhões de pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza e aos 2 milhões de prisioneiros do imenso gulag de prisões espalhadas por todo o país. Os Estados Unidos não se importam mais com o conflito de baixa intensidade. Eles não vêem mais vantagem alguma em se manter reticentes ou mesmo distantes. Eles agora põem as cartas sobre a mesa sem nenhum tipo de escrúpulo. Não dão a menor bola para as Nações Unidas, para a lei internacional ou para a dissidência crítica, as quais considera impotentes e irrelevantes. Têm também seu próprio carneirinho, que os segue balindo pela coleira, o patético e inerte Reino Unido.

O que foi que aconteceu com nossa sensibilidade moral? Ou será que nunca tivemos tal coisa? O que significam essas palavras? Seriam uma referência a um termo raramente empregado hoje em dia - consciência? Uma consciência que diga respeito não apenas aos nossos próprios atos, mas também à responsabilidade compartilhada nos atos dos outros? Não existe mais nada disso?

Tome-se o caso da base de Guantánamo. Centenas de pessoas detidas sem nenhuma acusação durante mais de três anos, sem direito à representação legal ou a processo legal justo, tecnicamente detidas para sempre. Essa estrutura completamente ilegítima é mantida em desrespeito à Convenção de Genebra. Ela não é apenas tolerada, como também raras vezes é alvo de alguma reflexão por parte daquela entidade que se convencionou chamar de "comunidade internacional".

Essa afronta criminosa é perpetrada por um país que se declara "líder do mundo livre". Alguma vez já paramos para pensar na população da base de Guantánamo? O que os meios de comunicação dizem a esse respeito? Volta e meia o tema vem à tona - um texto bem curto na página seis. Aquelas pessoas foram despachadas para uma terra de ninguém, da qual talvez nunca retornem. Atualmente, muitos estão em greve de fome, e são alimentados à força, inclusive britânicos. Não faltam a essa alimentação forçada lances de barbarismo. Não se administram sedativos ou anestésicos. Enfia-se um tubo pelo nariz da pessoa até a garganta. Ela vomita sangue.

Isso é tortura. O que tem a dizer a esse respeito o secretário de Relações Exteriores britânico? Nada. O que tem a dizer a esse respeito o primeiro-ministro britânico? Nada. Por que não? Porque os Estados Unidos disseram: criticar nossa conduta na base de Guantánamo é atitude hostil. Ou vocês estão conosco ou estão contra nós. Blair fechou a boca.

A invasão do Iraque foi coisa de bandoleiros, um ato ostensivo de terrorismo de Estado, uma demonstração cabal de desprezo pelo conceito de lei internacional. A invasão foi uma ação militar arbitrária inspirada por uma série de mentiras em cima de mentiras e grosseira manipulação da mídia e, portanto, do público. Foi um ato que teve como propósito consolidar o controle militar e econômico dos Estados Unidos no Oriente Médio travestindo-o - como último recurso - de libertação, já que todas as demais justificativas haviam falhado em justificar a si mesmas. Essa demonstração de força militar fabulosa foi responsável pela morte e mutilação de milhares de pessoas inocentes. Levamos ao povo iraquiano a tortura, bombas de fragmentação, urânio empobrecido, incontáveis assassinatos praticados aleatoriamente, infelicidade, degradação e morte e a isso chamamos de "levar a liberdade e a democracia ao Oriente Médio".

Quantas pessoas temos de matar para que sejamos considerados assassinos de multidões e criminosos de guerra? Cem mil? Isso seria mais do que suficiente, creio. Portanto, é justo que Bush e Blair sejam denunciados ao Tribunal Internacional de Justiça. Bush, porém, é mais esperto. Ele não ratificou o protocolo que criou o Tribunal Internacional de Justiça. Portanto, se qualquer soldado americano, ou um político qualquer, for levado ao banco dos réus, Bush já avisou que enviará os fuzileiros navais em seu socorro. Tony Blair, porém, ratificou o Tribunal e pode, portanto, ser processado. Podemos dar seu endereço ao Tribunal, se este demonstrar interesse pelo assunto. Basta que procurem no n.º 10 da rua Downing, em Londres.

A morte neste contexto é irrelevante. Tanto Bush quanto Blair colocam a morte no último lugar da sua lista de preocupações. Pelo menos 100.000 iraquianos foram mortos por bombas e mísseis americanos antes do início da revolta popular. Essas pessoas não têm importância alguma. A morte delas não conta. Elas não existem. Não há sequer registro de sua morte. "Não contamos corpos", disse o general americano Tommy Franks.

Logo no início da invasão os jornais britânicos publicaram na primeira página uma foto de Tony Blair dando um beijo no rosto de um menino iraquiano. "Uma criança agradecida", dizia a legenda. Poucos dias depois os jornais publicaram nas páginas centrais a história de outro garotinho de quatro anos sem braços. Sua família havia sido atingida por um míssil. Ele foi o único sobrevivente. "Quando vou ter meus braços de volta?", queria saber. A história não teve continuidade.

Bem, Tony Blair não o estava segurando nos baços, tampouco segurava o corpo de outra criança mutilada, muito menos um cadáver ensangüentado. Sangue é coisa suja. Ele suja a camisa e a gravata de quem tem um discurso sincero a fazer pela televisão. Os 2.000 americanos mortos são motivo de constrangimento. Eles são transportados para suas sepulturas no escuro. Os funerais são discretos, realizados em local seguro. Os mutilados apodrecem em seus leitos, alguns permanecem nesse estado até a morte. Portanto, tanto os mortos quanto os mutilados apodrecem em tipos diferentes de sepulturas.

Em um poema intitulado Explico Algumas Coisas (Explico Algunas Cosas), Pablo Neruda diz a certa altura:

"E numa certa manhã tudo ardia,
numa manhã o fogo
saltava da terra
devorando os seres,
e ardia,
havia pólvora,
e sangue.
Bandidos com aviões e mouros,
bandidos com anéis nos dedos e duquesas,
bandidos com frades negros e suas bendições
vinham pelo céu matar crianças,
e o sangue delas escorria pelas ruas
sem ruído algum, corria como sangue de criança.

Chacais que seriam alvo de desprezo de outros chacais,

pedras que o cardo seco morderia
e cuspiria, víboras que as próprias víboras abominariam!

Face a face com vocês vi o sangue

da Espanha erguer-se
para afogá-los em uma onda
de orgulho e de facas!

Generais

traidores:
vejam minha casa morta,
vejam a Espanha alquebrada:
de todas as casas sai um metal
que arde,
em vez de flores,
mas de cada oco da Espanha
a Espanha emerge
e de cada criança morta sai um rifle
com olhos,
e de cada crime nascem balas
que um dia encontrarão o caminho
do coração de vocês.

E vocês me perguntarão:

por que os poemas dele
não falam de sonhos, e de folhas
e dos grandes vulcões de sua terra natal.

Venham e vejam o sangue nas ruas,

venham e vejamo sangue nas ruas,
venham e vejam o sanguenas ruas!"

Quero deixar claro que, ao citar o poema de Neruda, não estou de forma alguma comparando a Espanha Republicana com o Iraque de Saddam Hussein. Cito Neruda porque em parte alguma da poesia contemporânea li uma descrição tão veemente e tão visceral sobre o bombardeamento de civis. Disse anteriormente que os Estados Unidos colocam hoje abertamente as cartas sobre a mesa. É a isso que me refiro. Sua política oficial explícita é definida agora como "dominância total do espectro". A expressão não é minha, é deles. "Dominância total do espectro" implica o controle da terra, do mar, ar e espaço, bem como de todos os recursos correspondentes.

Os Estados Unidos ocupam atualmente 702 instalações militares no mundo em 132 países, com a honrosa exceção da Suécia, é claro. Não sabemos exatamente como foi que eles foram parar lá, mas eles estão lá. Os Estados Unidos possuem 8.000 ogivas nucleares ativas e operacionais.

Duas mil dessas ogivas podem ser disparadas 15 minutos depois de dada a autorização. Eles estão desenvolvendo novos sistemas de força nuclear, conhecidas como arromba-bunkers.

Os britânicos, sempre tão cooperativos, pretendem substituir seu míssil nuclear, o Trident. Eu gostaria muito de saber em quem eles estão mirando. Em Osama bin Laden? Em você? Em mim? Em ninguém em especial? Na China? Em Paris? Quem sabe? O que sabemos de fato é que essa insanidade infantil - a posse de armas nucleares e a ameaça de usá-las - está no âmago da filosofia política americana atual. Não podemos nos esquecer de que os Estados Unidos estão em permanente pé de guerra, e não há sinal de que pretendam relaxar nem um pouco. Muitos milhares, se não milhões, de pessoas nos Estados Unidos estão enojadas, envergonhadas e iradas com as atitudes do governo do seu país, mas na atual situação elas não formam uma força política coerente - por enquanto.

Contudo, a ansiedade, a incerteza e o temor que vemos crescer nos Estados Unidos não devem diminuir. Sei que o presidente Bush tem muita gente talentosa para escrever os seus discursos, mas eu gostaria de me apresentar voluntariamente para o serviço.

Proponho a transmissão pela TV da seguinte alocução à nação: vejo-o com ar grave, o cabelo cuidadosamente penteado, a expressão séria, vencedora, sincera, sedutora, por vezes com um sorriso torto no rosto, atraente, embora excêntrico. "Deus é bom. Deus é grande. Deus é bom. Meu Deus é bom. O Deus de bin Laden é mau. Ele é um Deus malvado. O Deus de Saddam era mau, embora ele não tivesse Deus algum. Ele era um bárbaro. Nós não somos bárbaros. Não cortamos a cabeça das pessoas. Acreditamos na liberdade. Deus também. Não sou bárbaro. Sou um líder eleito democraticamente de uma democracia amante da liberdade. Somos uma sociedade compassiva. Eletrocutamos e administramos injeções letais de forma compassiva. Somos uma grande nação. Não sou um ditador. Ele é. Não sou bárbaro. Ele é. Todos eles são. Eu tenho autoridade moral. Estão vendo este pulso? Esta é minha autoridade moral. Não se esqueçam disso."

A vida de um escritor é uma atividade muito vulnerável e praticamente desnuda. Não temos de chorar por causa disso. O escritor faz sua escolha e se aferra a ela. Mas é verdade que estamos abertos a todos os ventos, alguns deles bem gelados. Estamos sós, numa posição vulnerável. Não encontramos abrigo que nos proteja - a menos que nos tornemos mentirosos - e nesse caso, é claro, a mentira se torna nossa proteção.

Poderíamos também nos tornar políticos. Falei da morte algumas vezes esta noite. Citarei agora um poema meu intitulado Morte:

Onde foi encontrado o corpo sem vida?
Quem o encontrou?
Ele estava morto quando foi encontrado?
Como foi encontrado?
Quem era ele?
Quem era o pai ou a filha ou o irmão
ou o tio ou a irmã ou a mãe ou o filho do morto,
e que abandonou o corpo?
O corpo estava morto quando foi abandonado?
O corpo foi abandonado?
Por quem foi ele abandonado?
O corpo morto estava nuou vestido para uma viagem?
O que o levou a concluirque o corpo morto estava morto?
Você disse que o corpo morto estava morto?
Você conhecia bem o corpo morto?
Como você soube que o corpo morto estava morto?
Você o lavou?
Você fechou seus olhos?
Você enterrou o corpo?
Você o abandonou?
Você enterrou o corpo?
Você o beijou?

Quando olhamos no espelho, achamos que a imagem que nos confronta é precisa. Se, porém, nos movermos um milímetro que seja, veremos que a imagem muda. Estamos, na verdade, olhando para um conjunto infinito de reflexos. Às vezes, porém, o escritor tem de quebrar o espelho - porque é do outro lado que a verdade nos observa.

Creio que apesar das enormes desvantagens com que nos deparamos, a determinação intelectual firme e inabalável, como cidadãos, que nos permite definir a verdade real de nossas vidas e de nossas sociedades é uma tarefa crucial que cabe a todos nós. É, na realidade, imprescindível que assim seja. Se nossa visão política prescinde de tal determinação, não nos resta esperança alguma de restaurar aquilo que, por pouco, não perdemos - a dignidade do homem.

Tradução Antivan Mendes

Monday, December 12, 2005

Harold Pinter - Conférence Nobel

Art, vérité & politique

En 1958 j’ai écrit la chose suivante :

« Il n’y a pas de distinctions tranchées entre ce qui est réel et ce qui est irréel, entre ce qui est vrai et ce qui est faux. Une chose n’est pas nécessairement vraie ou fausse ; elle peut être tout à la fois vraie et fausse. »

Je crois que ces affirmations ont toujours un sens et s’appliquent toujours à l’exploration de la réalité à travers l’art. Donc, en tant qu’auteur, j’y souscris encore, mais en tant que citoyen je ne peux pas. En tant que citoyen, je dois demander : Qu’est-ce qui est vrai ? Qu’est-ce qui est faux ?

La vérité au théâtre est à jamais insaisissable. Vous ne la trouvez jamais tout à fait, mais sa quête a quelque chose de compulsif.Cette quête est précisément ce qui commande votre effort. Cette quête est votre tâche. La plupart du temps vous tombez sur la vérité par hasard dans le noir, en entrant en collision avec elle, ou en entrevoyant simplement une image ou une forme qui semble correspondre à la vérité, souvent sans vous rendre compte que vous l’avez fait. Mais la réelle vérité, c’est qu’il n’y a jamais, en art dramatique, une et une seule vérité à découvrir. Il y en a beaucoup. Ces vérités se défient l’une l’autre, se dérobent l’une à l’autre, se reflètent, s’ignorent, se narguent, sont aveugles l’une à l’autre. Vous avez parfois le sentiment d’avoir trouvé dans votre main la vérité d’un moment, puis elle vous glisse entre les doigts et la voilà perdue.

On m’a souvent demandé comment mes pièces voyaient le jour. Je ne saurais le dire. Pas plus que je ne saurais résumer mes pièces, si ce n’est pour dire voilà ce qui s’est passé. Voilà ce qu’ils ont dit. Voilà ce qu’ils ont fait.

La plupart des pièces naissent d’une réplique, d’un mot ou d’une image. Le mot s’offre le premier, l’image le suivant souvent de près. Je vais vous donner deux exemples de répliques qui me sont venues à l’esprit de façon totalement inattendue, suivies par une image, que j’ai moi-même suivie.

Les pièces en question sont Le Retour et C’était hier. La première réplique du Retour est « Qu’est-ce que tu as fait des ciseaux ? » La première réplique de C’était hier est « Bruns ».
Dans un cas comme dans l’autre je n’avais pas d’autres indications.

Dans le premier cas, quelqu’un, à l’évidence, cherchait une paire de ciseaux et demandait où ils étaient passés à quelqu’un d’autre dont il soupçonnait qu’il les avait probablement volés. Mais d’une manière ou d’une autre je savais que la personne à qui on s’adressait se fichait éperdument des ciseaux, comme de celui qui posait la question, d’ailleurs.

« Bruns » : je présumais qu’il s’agissait de la description des cheveux de quelqu’un, les cheveux d’une femme, et que cela répondait à une question. Dans l’un et l’autre cas, je me suis trouvé contraint de poursuivre la chose. Tout se passait visuellement, un très lent fondu, passant de l’ombre à la lumière.

Je commence toujours une pièce en appelant les personnages A, B et C.

Dans la pièce qui est devenue Le Retour je voyais un homme entrer dans une pièce austère et poser sa question àun homme plus jeune, assis sur un affreux canapé, le nez dans un journal des courses. Je soupçonnais vaguement que A était un père et que B était son fils, mais je n’en avais aucune preuve. Cela s’est néanmoins confirmé un peu plus tard quand B (qui par la suite deviendrait Lenny) dit à A (qui par la suite deviendrait Max), « Papa, tu permets que je change de sujet ? Je voudrais te demander quelque chose. Ce qu’on a mangé au dîner tout à l’heure, ça s’appelait comment ? Tu appelles ça comment ? Pourquoi tu n’achètes pas un chien ? Tu es un cuisinier pour chiens. Franchement. Tu crois donc que tu fais la cuisine pour une bande de chiens. 1 » Donc, dès lors que B appelait A « Papa », il me semblait raisonnable d’admettre qu’ils étaient père et fils. A, manifestement, était aussi le cuisinier et sa cuisine ne semblait pas être tenue en bien haute estime. Cela voulait-il dire qu’il n’y avait pas de mère ? Je n’en savais rien. Mais, comme je me le répétais à l’époque, nos débuts ne savent jamais de quoi nos fins seront faites.

« Bruns. » Une grande fenêtre. Ciel du soir. Un homme, A (qui par la suite deviendrait Deeley), et une femme, B (qui par la suite deviendrait Kate), assis avec des verres. « Grosse ou mince ? » demande l’homme. De qui parlent-ils ? C’est alors que je vois, se tenant à la fenêtre, une femme, C (qui par la suite deviendrait Anna), dans une autre qualité de lumière, leur tournant le dos, les cheveux bruns.

C’est un étrange moment, le moment où l’on crée des personnages qui n’avaient jusque-là aucune existence. Ce qui suit est capricieux, incertain, voire hallucinatoire, même si cela peut parfois prendre la forme d’une avalanche que rien ne peut arrêter. La position de l’auteur est une position bizarre. En un sens, les personnages ne lui font pas bon accueil. Les personnages lui résistent, ils ne sont pas faciles à vivre, ils sont impossibles à définir. Vous ne pouvez certainement pas leur donner d’ordres. Dans une certaine mesure vous vous livrez avec eux à un jeu interminable, vous jouez au chat et à la souris, à colin-maillard, à cache-cache. Mais vous découvrez finalement que vous avez sur les bras des êtres de chair et de sang, des êtres possédant une volonté et une sensibilité individuelle bien à eux, faits de composantes que vous n’êtes pas en mesure de changer, manipuler ou dénaturer.

Le langage, en art, demeure donc une affaire extrêmement ambiguë, des sables mouvants, un trampoline, une mare gelée qui pourrait bien céder sous vos pieds, à vous l’auteur, d’un instant à l’autre.

Mais, comme je le disais, la quête de la vérité ne peut jamais s’arrêter. Elle ne saurait être ajournée, elle ne saurait être différée. Il faut l’affronter là, tout de suite.

Le théâtre politique présente un ensemble de problèmes totalement différents. Les sermons doivent être évités à tout prix. L’objectivité est essentielle. Il doit être permis aux personnages de respirer un air qui leur appartient. L’auteur ne peut les enfermer ni les entraver pour satisfaire le goût, l’inclination ou les préjugés qui sont les siens. Il doit être prêt à les aborder sous des angles variés, dans des perspectives très diverses, ne connaissant ni frein ni limite, les prendre par surprise, peut-être, de temps en temps, tout en leur laissant la liberté de suivre le chemin qui leur plaît. Ça ne fonctionne pas toujours. Et la satire politique, bien évidemment, n’obéit à aucun de ces préceptes, elle fait même précisément l’inverse, ce qui est d’ailleurs sa fonction première.

Dans ma pièce L’Anniversaire il me semble que je lance des pistes d’interprétation très diverses, les laissant opérer dans une épaisse forêt de possibles avant de me concentrer, au final, sur un acte de soumission.

Langue de la montagne ne prétend pas opérer de manière aussi ouverte. Tout y est brutal, bref et laid. Les soldats de la pièce trouvent pourtant le moyen de s’amuser de la situation. On oublie parfois que les tortionnaires s’ennuient très facilement. Ils ont besoin de rire un peu pour garder le moral. Comme l’ont bien évidemment confirmé les événements d’Abu Ghraib à Bagdad. Langue de la montagne ne dure que vingt minutes, mais elle pourrait se prolonger pendant des heures et des heures, inlassablement, répétant le même schéma encore et encore, pendant des heures et des heures.

Ashes to Ashes, pour sa part, me semble se dérouler sous l’eau. Une femme qui se noie, sa main se tendant vers la surface à travers les vagues, retombant hors de vue, se tendant vers d’autres mains, mais ne trouvant là personne, ni au-dessus ni au-dessous de l’eau, ne trouvant que des ombres, des reflets, flottant ; la femme, une silhouette perdue dans un paysage qui se noie, une femme incapable d’échapper au destin tragique qui semblait n’appartenir qu’aux autres.
Mais comme les autres sont morts, elle doit mourir aussi.

Le langage politique, tel que l’emploient les hommes politiques, ne s’aventure jamais sur ce genre de terrain, puisque la majorité des hommes politiques, à en croire les éléments dont nous disposons, ne s’intéressent pas à la vérité mais au pouvoir et au maintien de ce pouvoir. Pour maintenir ce pouvoir il est essentiel que les gens demeurent dans l’ignorance, qu’ils vivent dans l’ignorance de la vérité, jusqu’à la vérité de leur propre vie. Ce qui nous entoure est donc un vaste tissu de mensonges, dont nous nous nourrissons.

Comme le sait ici tout un chacun, l’argument avancé pour justifier l’invasion de l’Irak était que Saddam Hussein détenait un arsenal extrêmement dangereux d’armes de destruction massive, dont certaines pouvaient être déchargées en 45 minutes, provoquant un effroyable carnage. On nous assurait que c’était vrai. Ce n’était pas vrai. On nous disait que l’Irak entretenait des relations avec Al Qaïda et avait donc sa part de responsabilitédans l’atrocité du 11 septembre 2001 à New York. On nous assurait que c’était vrai. Ce n’était pas vrai. On nous disait que l’Irak menaçait la sécurité du monde. On nous assurait que c’était vrai. Ce n’était pas vrai.

La vérité est totalement différente. La vérité est liée à la façon dont les États-Unis comprennent leur rôle dans le monde et la façon dont ils choisissent de l’incarner.

Mais avant de revenirau temps présent, j’aimerais considérer l’histoire récente, j’entends par là la politique étrangère des États-Unis depuis la fin de la Seconde Guerre mondiale. Je crois qu’il est pour nous impératif de soumettre cette période à un examen rigoureux, quoique limité, forcément, par le temps dont nous disposons ici.

Tout le monde sait ce qui s’est passé en Union Soviétique et dans toute l’Europe de l’Est durant l’après-guerre : la brutalité systématique, les atrocités largement répandues,la répression impitoyable de toute pensée indépendante. Tout cela a été pleinement documenté et attesté.
Mais je soutiens que les crimes commis par les États-Unis durant cette même période n’ont été que superficiellement rapportés, encore moins documentés, encore moins reconnus, encore moins identifiés àdes crimes tout court. Je crois que la question doit être abordée et que la vérité a un rapport évident avec l’état actuel du monde. Bien que limitées, dans une certaine mesure, par l’existence de l’Union Soviétique, les actions menées dans le monde entier par les États-Unis donnaient clairement à entendre qu’ils avaient décrété avoir carte blanche pour faire ce qu’ils voulaient.

L’invasion directe d’un état souverain n’a jamais été, de fait, la méthode privilégiée de l’Amérique. Dans l’ensemble, elle préférait ce qu’elle a qualifié de « conflit de faible intensité ».« Conflit de faible intensité », cela veut dire que des milliers de gens meurent, mais plus lentement que si vous lâchiez une bombe sur eux d’un seul coup.Cela veut dire que vous contaminez le cœur du pays, que vous y implantez une tumeur maligne et que vous observez s’étendre la gangrène. Une fois que le peuple a été soumis – ou battu à mort – ça revient au même – et que vos amis, les militaires et les grandes sociétés commerciales, sont confortablement installés au pouvoir, vous allez devant les caméras et vous déclarez que la démocratie l’a emporté. C’était monnaie courante dans la politique étrangère américaine dans les années auxquelles je fais allusion.

La tragédie du Nicaragua s’est avérée être un cas extrêmement révélateur. Si je décide de l’évoquer ici, c’est qu’il illustre de façon convaincante la façon dont l’Amérique envisage son rôle dans le monde, aussi bien à l’époque qu’aujourd’hui.

J’ai assisté à une réunion qui s’est tenue à l’Ambassade des États-Unis à Londres à la fin des années 80.

Le Congrès américain était sur le point de décider s’il fallait ou non donner davantage d’argent aux Contras dans la campagne qu’ils menaient contre l’État du Nicaragua. J’étais là en tant que membre d’une délégation parlant au nom du Nicaragua, mais le membre le plus important de cette délégation était un certain Père John Metcalf. Le chef de file du camp américain était Raymond Seitz (alors bras droit de l’ambassadeur, lui-même nommé ambassadeur par la suite).

Père Metcalf a dit : « Monsieur, j’ai la charge d’une paroisse au nord du Nicaragua. Mes paroissiens ont construit une école, un centre médico-social, un centre culturel. Nous avons vécu en paix. Il y a quelques mois une force de la Contra a attaqué la paroisse. Ils ont tout détruit : l’école, le centre médico-social, le centre culturel. Ils ont violé les infirmières et les institutrices, massacré les médecins, de la manière la plus brutale. Ils se sont comportés comme des sauvages. Je vous en supplie, exigez du gouvernement américain qu’il retire son soutien à cette odieuse activité terroriste. »

Raymond Seitz avait très bonne réputation, celle d’un homme rationnel, responsable et très bien informé. Il était grandement respecté dans les cercles diplomatiques. Il a écouté, marqué une pause, puis parlé avec une certaine gravité. « Père, dit-il, laissez-moi vous dire une chose. En temps de guerre, les innocents souffrent toujours. » Il y eut un silence glacial. Nous l’avons regardé d’un œil fixe. Il n’a pas bronché.

Les innocents, certes, souffrent toujours.

Finalement quelqu’un a dit : « Mais dans le cas qui nous occupe, des « innocents » ont été les victimes d’une atrocité innommable financée par votre gouvernement, une parmi tant d’autres. Si le Congrès accorde davantage d’argent aux Contras, d’autres atrocités de cette espèce seront perpétrées. N’est-ce pas le cas ? Votre gouvernement n’est-il pas par là même coupable de soutenir des actes meurtriers et destructeurs commis sur les citoyens d’un état souverain ? »

Seitz était imperturbable. « Je ne suis pas d’accord que les faits, tels qu’ils nous ont été exposés, appuient ce que vous affirmez là », dit-il.

Alors que nous quittions l’ambassade, un conseiller américain m’a dit qu’il aimait beaucoup mes pièces. Je n’ai pas répondu.

Je dois vous rappeler qu’à l’époque le Président Reagan avait fait la déclaration suivante : « Les Contras sont l’équivalent moral de nos Pères fondateurs. »

Les États-Unis ont pendant plus de quarante ans soutenu la dictature brutale de Somoza au Nicaragua. Le peuple nicaraguayen, sous la conduite des Sandinistes, a renversé ce régime en 1979, une révolution populaire et poignante.

Les Sandinistes n’étaient pas parfaits. Ils avaient leur part d’arrogance et leur philosophie politique comportait un certain nombre d’éléments contradictoires. Mais ils étaient intelligents, rationnels et civilisés. Leur but était d’instaurer une société stable, digne, et pluraliste. La peine de mort a été abolie. Des centaines de milliers de paysans frappés par la misère ont été ramenés d’entre les morts. Plus de 100 000 familles se sont vues attribuer un droit à la terre. Deux mille écoles ont été construites. Une campagne d’alphabétisation tout à fait remarquable a fait tomber le taux d’analphabétisme dans le pays sous la barre des 15%. L’éducation gratuite a été instaurée ainsi que la gratuité des services de santé. La mortalité infantile a diminué d’un tiers. La polio a été éradiquée.

Les États-Unis accusèrent ces franches réussites d’être de la subversion marxiste-léniniste. Aux yeux du gouvernement américain, le Nicaragua donnait là un dangereux exemple. Si on lui permettait d’établir les normes élémentaires de la justice économique et sociale, si on lui permettait d’élever le niveau des soins médicaux et de l’éducation et d’accéder à une unité sociale et une dignité nationale, les pays voisins se poseraient les mêmes questions et apporteraient les mêmes réponses. Il y avait bien sûr à l’époque, au Salvador, une résistance farouche au statu quo.

J’ai parlé tout à l’heure du « tissu de mensonges » qui nous entoure. Le Président Reagan qualifiait couramment le Nicaragua de « donjon totalitaire ». Ce que les médias, et assurément le gouvernement britannique, tenaient généralement pour une observation juste et méritée. Il n’y avait pourtant pas trace d’escadrons de la mort sous le gouvernement sandiniste. Il n’y avait pas trace de tortures. Il n’y avait pas trace de brutalité militaire, systématique ou officielle. Aucun prêtre n’a jamais été assassiné au Nicaragua. Il y avait même trois prêtres dans le gouvernement sandiniste, deux jésuites et un missionnaire de la Société de Maryknoll. Les « donjons totalitaires » se trouvaient en fait tout à côté, au Salvador et au Guatemala. Les États-Unis avaient, en 1954, fait tomber le gouvernement démocratiquement élu du Guatemala et on estime que plus de 200 000 personnes avaient été victimes des dictatures militaires qui s’y étaient succédé.

En 1989, six des plus éminents jésuites du monde ont été violemment abattus à l’Université Centraméricaine de San Salvador par un bataillon du régiment Alcatl entraîné à Fort Benning, Géorgie, USA. L’archevêque Romero, cet homme au courage exemplaire, a été assassiné alors qu’il célébrait la messe. On estime que 75 000 personnes sont mortes. Pourquoi a-t-on tué ces gens-là ? On les a tués parce qu’ils étaient convaincus qu’une vie meilleure était possible et devait advenir. Cette conviction les a immédiatement catalogués comme communistes. Ils sont morts parce qu’ils osaient contester le statu quo, l’horizon infini de pauvreté, de maladies, d’humiliation et d’oppression, le seul droit qu’ils avaient acquis à la naissance.

Les États-Unis ont fini par faire tomber le gouvernement sandiniste. Cela leur prit plusieurs années et ils durent faire preuve d’une ténacité considérable,mais une persécution économique acharnée et 30 000 morts ont fini par ébranler le courage des Nicaraguayens. Ils étaient épuisés et de nouveau misérables. L’économie « casino » s’est réinstallée dans le pays. C’en était fini de la santé gratuite et de l’éducation gratuite. Les affaires ont fait un retour en force. La « Démocratie » l’avait emporté.

Mais cette « politique » ne se limitait en rien à l’Amérique Centrale. Elle était menée partout dans le monde. Elle était sans fin. Et c’est comme si ça n’était jamais arrivé.

Les États-Unis ont soutenu, et dans bien des cas engendré, toutes les dictatures militaires droitières apparues dans le monde à l’issue de la Seconde Guerre mondiale. Je veux parler de l’Indonésie, de la Grèce, de l’Uruguay, du Brésil, du Paraguay, d’Haïti, de la Turquie, des Philippines, du Guatemala, du Salvador, et, bien sûr, du Chili. L’horreur que les États-Unis ont infligée au Chili en 1973 ne pourra jamais être expiée et ne pourra jamais être oubliée.
Des centaines de milliers de morts ont eu lieu dans tous ces pays. Ont-elles eu lieu? Et sont-elles dans tous les cas imputables à la politique étrangère des États-Unis? La réponse est oui, elles ont eu lieu et elles sont imputables à la politique étrangère américaine. Mais vous n’en savez rien.

Ça ne s’est jamais passé. Rien ne s’est jamais passé. Même pendant que cela se passait, ça ne se passait pas. Ça n’avait aucune importance. Ça n’avait aucun intérêt. Les crimes commis par les États-Unis ont été systématiques, constants, violents, impitoyables, mais très peu de gens en ont réellement parlé. Rendons cette justice à l’Amérique : elle s’est livrée, partout dans le monde, à une manipulation tout à fait clinique du pouvoir tout en se faisant passer pour une force qui agissait dans l’intérêt du bien universel. Un cas d’hypnose génial, pour ne pas dire spirituel, et terriblement efficace.

Les États-Unis, je vous le dis, offrent sans aucun doute le plus grand spectacle du moment. Pays brutal, indifférent, méprisant et sans pitié, peut-être bien, mais c’est aussi un pays très malin. À l’image d’un commis voyageur, il œuvre tout seul et l’article qu’il vend le mieux est l’amour de soi. Succès garanti. Écoutez tous les présidents américains à la télévision prononcer les mots « peuple américain », comme dans la phrase : « Je dis au peuple américain qu’il est temps de prier et de défendre les droits du peuple américain et je demande au peuple américain de faire confiance à son Président pour les actions qu’il s’apprête à mener au nom du peuple américain. »

Le stratagème est brillant. Le langage est en fait employé pour tenir la pensée en échec. Les mots « peuple américain » fournissent un coussin franchement voluptueux destiné à vous rassurer. Vous n’avez pas besoin de penser. Vous n’avez qu’à vous allonger sur le coussin. Il se peut que ce coussin étouffe votre intelligence et votre sens critique mais il est très confortable. Ce qui bien sûr ne vaut pas pour les 40 millions de gens qui vivent en dessous du seuil de pauvreté ni aux 2 millions d’hommes et de femmes incarcérés dans le vaste goulag de prisons qui s’étend d’un bout à l’autre des États-Unis.

Les États-Unis ne se préoccupent plus des conflits de faible intensité. Ils ne voient plus l’intérêt qu’il y aurait à faire preuve de réserve, ni même de sournoiserie. Ils jouent cartes sur table, sans distinction. C’est bien simple, ils se fichent éperdument des Nations Unies, du droit international ou des voix dissidentes, dont ils pensent qu’ils n’ont aucun pouvoir ni aucune pertinence. Et puis ils ont leur petit agneau bêlant qui les suit partout au bout d’une laisse, la Grande-Bretagne, pathétique et soumise.

Où est donc passée notre sensibilité morale ? En avons-nous jamais eu une ? Que signifient ces mots ? Renvoient-ils à un terme très rarement employé ces temps-ci – la conscience ? Une conscience qui soit non seulement liée à nos propres actes mais qui soit également liée à la part de responsabilité qui est la nôtre dans les actes d’autrui ? Tout cela est-il mort ? Regardez Guantanamo. Des centaines de gens détenus sans chef d’accusation depuis plus de trois ans, sans représentation légale ni procès équitable, théoriquement détenus pour toujours. Cette structure totalement illégitime est maintenue au mépris de la Convention de Genève. Non seulement on la tolère mais c’est à peine si la soi-disant « communauté internationale » en fait le moindre cas. Ce crime scandaleux est commis en ce moment même par un pays qui fait profession d’être « le leader du monde libre ». Est-ce que nous pensons aux locataires de Guantanamo ? Qu’en disent les médias ? Ils se réveillent de temps en temps pour nous pondre un petit article en page six. Ces hommes ont été relégués dans un no man’s land dont ils pourraient fort bien ne jamais revenir. À présent beaucoup d’entre euxfont la grève de la faim, ils sont nourris de force, y compris des résidents britanniques. Pas de raffinements dans ces méthodes d’alimentation forcée. Pas de sédatifs ni d’anesthésiques. Juste un tube qu’on vous enfonce dans le nez et qu’on vous fait descendre dans la gorge. Vous vomissez du sang. C’est de la torture. Qu’en a dit le ministre des Affaires étrangères britannique ? Rien. Qu’en a dit le Premier Ministre britannique ? Rien. Et pourquoi ? Parce que les États-Unis ont déclaré : critiquer notre conduite à Guantanamo constitue un acte hostile. Soit vous êtes avec nous, soit vous êtes contre nous. Résultat, Blair se tait.

L’invasion de l’Irak était un acte de banditisme, un acte de terrorisme d’État patenté, témoignant d’un absolu mépris pour la notion de droit international. Cette invasion était un engagement militaire arbitraire inspiré par une série de mensonges répétés sans fin et une manipulation flagrante des médias et, partant, du public ; une intervention visant à renforcer le contrôle militaire et économique de l’Amérique sur le Moyen-Orient et se faisant passer – en dernier ressort – toutes les autres justifications n’ayant pas réussi à prouver leur bien-fondé – pour une libération. Une red outable affirmation de la force militaire responsable de la mort et de la mutilation de milliers et de milliers d’innocents.

Nous avons apporté au peuple irakien la torture, les bombes à fragmentation, l’uranium appauvri, d’innombrables tueries commises au hasard, la misère, l’humiliation et la mort et nous appelons cela « apporter la liberté et la démocratie au Moyen-Orient ».

Combien de gens vous faut-il tuer avant d’avoir droit au titre de meurtrier de masse et de criminel de guerre ? Cent mille ? Plus qu’assez, serais-je tenté de croire. Il serait donc juste que Bush et Blair soient appelés à comparaître devant la Cour internationale de justice. Mais Bush a été malin. Il n’a pas ratifié la Cour internationale de justice. Donc, si un soldat américain ou, à plus forte raison, un homme politique américain, devait se retrouver au banc des accusés, Bush a prévenu qu’il enverrait les marines. Mais Tony Blair, lui, a ratifié la Cour et peut donc faire l’objet de poursuites.Nous pouvons communiquer son adresse à la Cour si ça l’intéresse. Il habite au 10 Downing Street, Londres.

La mort dans ce contexte devient tout à fait accessoire. Bush et Blair prennent tous deux bien soin de la mettre de côté. Au moins 100 000 Irakiens ont péri sous les bombes et les missiles américains avant que ne commence l’insurrection irakienne. Ces gens-là sont quantité négligeable. Leur mort n’existe pas. Un néant. Ils ne sont même pas recensés comme étant morts. « Nous ne comptons pas les cadavres » a déclaré le général américain Tommy Franks.
Aux premiers jours de l’invasion une photo a été publiée à la une des journaux britanniques ; on y voit Tony Blair embrassant sur la joue un petit garçon irakien. « Un enfant reconnaissant
» disait la légende. Quelques jours plus tard on pouvait trouver, en pages intérieures, l’histoire et la photo d’un autre petit garçon de quatre ans qui n’avait plus de bras. Sa famille avait été pulvérisée par un missile. C’était le seul survivant. « Quand est-ce que je retrouverai mes bras ? » demandait-il. L’histoire est passée à la trappe. Eh bien oui, Tony Blair ne le serrait pas contre lui, pas plus qu’il ne serrait dans ses bras le corps d’un autre enfant mutilé, ou le corps d’un cadavre ensanglanté. Le sang, c’est sale. Ça salit votre chemise et votre cravate quand vous parlez avec sincérité devant les caméras de télévision.

Les 2000 morts américains sont embarrassants. On les transporte vers leurs tombes dans le noir. Les funérailles se font discrètement, en lieu sûr. Les mutilés pourrissent dans leurs lits, certains pour le restant de leurs jours. Ainsi les morts et les mutilés pourrissent-ils, dans différentes catégories de tombes.

Voici un extrait de « J’explique certaines choses », un poème de Pablo Neruda :

Et un matin tout était en feu,
et un matin les bûchers
sortaient de la terre
dévorant les êtres vivants,
et dès lors ce fut le feu,
ce fut la poudre,et ce fut le sang.
Des bandits avec des avions, avec des Maures,
des bandits avec des bagues et des duchesses,
des bandits avec des moines noirs pour bénir
tombaient du ciel pour tuer des enfants,
et à travers les rues le sang des enfants
coulait simplement, comme du sang d’enfants.

Chacals que le chacal repousserait,
pierres que le dur chardon mordrait en crachant,
vipères que les vipères détesteraient !

Face à vous j’ai vu le sang
de l’Espagne se lever
pour vous noyer dans une seule vague
d’orgueil et de couteaux !

Générauxde trahison :
regardez ma maison morte,
regardez l’Espagne brisée :

mais de chaque maison morte surgit un métal ardent

au lieu de fleurs,
mais de chaque brèche d’Espagne
surgit l’Espagne,
mais de chaque enfant mort surgit un fusil avec des yeux,
mais de chaque crime naissent des balles
qui trouveront un jour l’endroitde votre cœur.

Vous allez demander pourquoi sa poésie

ne parle-t-elle pas du rêve, des feuilles,
des grands volcans de son pays natal ?

Venez voir le sang dans les rues,
venez voirle sang dans les rues,
venez voirle sang dans les rues ! 2

Laissez-moi préciser qu’en citant ce poème de Neruda je ne suis en aucune façon en train de comparer l’Espagne républicaine à l’Irak de Saddam Hussein. Si je cite Neruda c’est parce que je n’ai jamais lu ailleurs dans la poésie contemporaine de description aussi puissante et viscérale d’un bombardement de civils.

J’ai dit tout à l’heure que les États-Unis étaient désormais d’une franchise totale et jouaient cartes sur table. C’est bien le cas. Leur politique officielle déclarée est désormais définie comme une « full spectrum dominance » (une domination totale sur tous les fronts). L’expression n’est pas de moi, elle est d’eux. « Full spectrum dominance », cela veut dire contrôle des terres, des mers, des airs et de l’espace et de toutes les ressources qui vont avec.

Les États-Unis occupent aujourd’hui 702 installations militaires dans 132 pays du monde entier, à l’honorable exception de la Suède, bien sûr. On ne sait pas trop comment ils en sont arrivés là, mais une chose est sûre, c’est qu’ils y sont.

Les États-Unis détiennent 8000 ogives nucléaires actives et opérationnelles. 2000 sont en état d’alerte maximale, prêtes à être lancées avec un délai d’avertissement de 15 minutes. Ils développent de nouveaux systèmes de force nucléaire, connus sous le nom de « bunker busters » (briseurs de blockhaus). Les Britanniques, toujours coopératifs, ont l’intention de remplacer leur missile nucléaire, le Trident. Qui, je me le demande, visent-ils ? Oussama Ben Laden ? Vous ? Moi ? Tartempion ? La Chine ? Paris ? Qui sait ? Ce que nous savons c’est que cette folie infantile – détenir des armes nucléaires et menacer de s’en servir – est au cœur de la philosophie politique américaine actuelle. Nous devons nous rappeler que les États-Unis sont en permanence sur le pied de guerre et ne laissent entrevoir en la matière aucun signe de détente.

Des milliers, sinon des millions, de gens aux États-Unis sont pleins de honte et de colère, visiblement écœurés par les actions de leur gouvernement, mais en l’état actuel des choses, ils ne constituent pas une force politique cohérente – pas encore. Cela dit, l’angoisse, l’incertitude et la peur que nous voyons grandir de jour en jour aux États-Unis ne sont pas près de s’atténuer.
Je sais que le Président Bush emploie déjà pour écrire ses discours de nombreuses personnes extrêmement compétentes, mais j’aimerais me porter volontaire pour le poste. Je propose la courte allocution suivante, qu’il pourrait faire à la télévision et adresser à la nation. Je l’imagine grave, les cheveux soigneusement peignés, sérieux, avenant, sincère, souvent enjôleur, y allant parfois d’un petit sourire forcé, curieusement séduisant, un homme plus à son aise avec les hommes.

« Dieu est bon. Dieu est grand. Dieu est bon. Mon Dieu est bon. Le Dieu de Ben Laden est mauvais. Le sien est un mauvais Dieu. Le Dieu de Saddam était mauvais, sauf que Saddam n’en avait pas. C’était un barbare. Nous ne sommes pas des barbares. Nous ne tranchons pas la tête des gens. Nous croyons à la liberté. Dieu aussi. Je ne suis pas un barbare. Je suis le leader démocratiquement élu d’une démocratie éprise de liberté. Nous sommes une société pleine de compassion. Nous administrons des électrocutions pleines de compassion et des injections létales pleines de compassion. Nous sommes une grande nation. Je ne suis pas un dictateur. Lui, oui. Je ne suis pas un barbare. Lui, oui. Et lui aussi. Ils le sont tous. Moi, je détiens l’autorité morale. Vous voyez ce poing ? C’est ça, mon autorité morale. Tâchez de ne pas l’oublier. »

La vie d’un écrivain est une activité infiniment vulnérable, presque nue. Inutile de pleurer là-dessus. L’écrivain fait un choix, un choix qui lui colle à la peau. Mais il est juste de dire que vous êtes exposé à tous les vents, dont certains sont glacés bien sûr. Vous œuvrez tout seul, isolé de tout. Vous ne trouvez aucun refuge, aucune protection – sauf si vous mentez – auquel cas bien sûr vous avez construit et assuré vous-même votre protection et, on pourrait vous le rétorquer, vous êtes devenu un homme politique.

J’ai parlé de la mort pas mal de fois ce soir.Je vais maintenant vous lire un de mes poèmes, intitulé « Mort ».

Où a-t-on trouvé le cadavre ?
Qui a trouvé le cadavre ?
Le cadavre était-il mort quand on l’a trouvé ?
Comment a-t-on trouvé le cadavre ?

Qui était le cadavre ?

Qui était le père ou la fille ou le frère

Ou l’oncle ou la sœur ou la mère ou le fils
Du cadavre abandonné ?

Le corps était-il mort quand on l’a abandonné ?

Le corps était-il abandonné ?
Par qui avait-il été abandonné ?

Le cadavre était-il nu ou en costume de voyage ?
Qu’est-ce qui a fait que ce cadavre, vous l’avez déclaré mort ?

Le cadavre, vous l’avez déclaré mort ?
Vous le connaissiez bien, le cadavre ?
Comment saviez-vous que le cadavre était mort ?

Avez-vous lavé le cadavre

Avez-vous fermé ses deux yeux
Avez-vous enterré le corps
L’avez-vous laissé à l’abandon
Avez-vous embrassé le cadavre

Quand nous nous regardons dans un miroir nous pensons que l’image qui nous fait face est fidèle. Mais bougez d’un millimètre et l’image change. Nous sommes en fait en train de regarder une gamme infinie de reflets.Mais un écrivain doit parfois fracasser le miroir – car c’est de l’autre côté de ce miroir que la vérité nous fixe des yeux.

Je crois que malgré les énormes obstacles qui existent, être intellectuellement résolus, avec une détermination farouche, stoïque et inébranlable, à définir, en tant que citoyens, la réelle vérité de nos vies et de nos sociétés est une obligation cruciale qui nous incombe à tous. Elle est même impérative.

Si une telle détermination ne s’incarne pas dans notre vision politique, nous n’avons aucun espoir de restaurer ce que nous sommes si près de perdre – notre dignité d’homme.

1. Harold Pinter : Le Retour. Traduction Éric Kahane. Gallimard, 1969.
2. Pablo Neruda : « J’explique certaines choses », dans Résidence sur la terre, III. Traduction Guy Suarès. Gallimard, 1972.

Traduction Séverine Magois

(Retirado daqui)