Thursday, September 18, 2008

MES – O DOCUMENTO DA RUPTURA DO GRUPO DE JORGE SAMPAIO NO I CONGRESSO (III)

Pretendia abordar, tão só, a temática dos dirigentes fundadores do MES, neste caso os que foram eleitos no I Congresso, realizado nos dias 21 e 22 de Dezembro de 1974, na Aula Magna da Cidade Universitária, de Lisboa. Mas, neste caso, terei que ser um pouco mais extenso já que o I Congresso, como é do conhecimento geral, foi marcado pela cisão protagonizada pelo grupo que viria a dar origem ao GIS (“Grupo de Intervenção Socialista”).

Esse conjunto de activistas do MES apresentaram ao Congresso um longo, e muito bem estruturado, documento intitulado: “O MES E A ACTUAL FASE DA LUTA REVOLUCIONÁRIA – AS TAREFAS IMEDIATAS DO MOVIMENTO”, datado de 30 Novembro de 1974, subscrito por Armando Trigo e Abreu, César Oliveira, Francisco Soares, Joaquim Mestre, João Benard da Costa, João Cravinho, Jorge Sampaio, José Manuel Galvão Teles e Nuno Brederode Santos.

Reli, quase 34 anos depois, com os olhos de hoje, as 39 páginas (3 delas quase ilegíveis) do documento em apreço e senti uma inesperada sensação de espanto e perplexidade acerca das razões dessa ruptura protagonizada por algumas das personalidades mais proeminentes da esquerda portuguesa.

Serei o mais breve possível, atendendo, em particular, à natureza deste meio, tomando como base desta reflexão o reencontro tardio com um documento que pairava na minha memória e que logo na apresentação toma todos os cuidados sendo apresentado, pelos seus autores, como base de uma iniciativa destinada a “contribuir para o debate interno com vista à preparação do Congresso”.

Há neste documento, pelo menos, dois aspectos a sublinhar:

1) Desde logo o seu título: “O M.E.S E A ACTUAL FASE DA LUTA REVOLUCIONÁRIA – AS TAREFAS IMEDIATAS DO MOVIMENTO” que parece denotar uma verdadeira, e autêntica, intenção de participação. No documento é apresentada uma proposta de metodologia e são avançados os temas destinados a alimentar a discussão no qual avultam dois pontos genéricos: “Análise da situação actual e as tarefas imediatas” e as “Linhas Programáticas Sectoriais”. No entanto, atentas as datas e a memória que guardo, a discussão, anterior ao Congresso, foi bastante irrelevante o que demonstra que a iniciativa deste grupo de personalidades, tendo sido precedida de um confronto prático aceso acerca do papel de um Partido de “esquerda socialista” naquele concreto “processo revolucionário”, deve ter sido encarada como uma espécie de anúncio e explicação de uma ruptura inevitável.

2) O documento surge, em qualquer caso, como uma tentativa notável, no contexto da época, de encontrar os temas e o tom para um debate sério em torno de “soluções políticas”, ou seja, das diversas alternativas de regime político que se poderiam perfilar como saída possível para a designada “actual fase da luta revolucionária”. É notório, ao longo do texto, que os autores não escaparam à utilização dos estereótipos da linguagem revolucionária nem à adopção de propostas cujo teor – à luz dos condicionalismos da época - poderiam ter sido, caso tivesse havido vontade e capacidade negocial de ambas as partes, uma boa base para a criação de um partido que teria, certamente, relevância política e eleitoral após aquele Congresso inaugural. Assim não aconteceu e, pela parte que me toca, muito me penalizo por isso.

Poder-se-á questionar, então, quais as diferenças políticas entre as duas posições que se confrontaram no I Congresso do MES e as verdadeiras razões da ruptura que se produziu para além dos aspectos meramente pessoais que, tendo existido, terão sido irrelevantes. Não vou tentar construir uma teoria acerca do assunto. Mas é de todo evidente que no período que decorreu desde as vésperas do 25 de Abril de 1974 até ao final do mês de Dezembro desse ano, data de realização do I Congresso, (os meses de uma verdadeira, e rara, “fusão” revolucionária”) se delapidou o capital de confiança, pessoal e política, que permitiria conciliar um modelo de “esquerda socialista”, inspirado no PSU, de Rocard, e um outro de “esquerda revolucionária”, influenciado pela ideologia da “democracia directa”, designada por “Poder Popular”, na linha da tradição anarco-sindicalista e dos movimentos revolucionários da América latina (Chile de Allende incluído), que pensava encontrar legitimidade no próprio curso dos acontecimentos que se viviam, freneticamente, em Portugal, sob o olhar atónito do mundo.

É claro que as propostas levadas ao debate por Jorge Sampaio, e seus companheiros, não deixavam de fazer referência ao “poder popular”, mas preocupavam-se, numa leitura mais distanciada e atenta, em atenuar a deriva revolucionária como, por exemplo, quando se escrevia no final do ponto 3), intitulado, significativamente, “As soluções políticas”:

A eventualidade da revolução socialista em Portugal e mau grado certo desenvolvimento das forças produtivas parece afastada, pelas razões seguintes:

a) A posição que Portugal ocupa no contexto capitalista europeu e internacional, faz cair o país na órbita da esfera da influência americana e torna-o peça essencial no sistema da NATO e do imperialismo donde sairia com extrema dificuldade e necessariamente a médio ou longo prazo;

b) A ausência de memória colectiva das classes trabalhadoras e, por conseguinte, de uma consciência de classe e de organização autónomas dado, por um lado, a repressão fascista das lutas de classe e, por outro, o facto de toda a mobilização popular e luta politica se haver feito em torno da luta anti-fascista e democrática que conjugavam classes e sectores sociais com interesses objectivos diversos, o que implicou a confusão sistemática entre objectivos de luta proletária e objectivos de luta democrática.”

E este capítulo que escolhi como paradigma das dificuldades de afirmação de uma ideia de “reforma da revolução” remata com uma cautelosa, e surpreendente, solução que busca, em qualquer caso, atentos os condicionalismos da época, conciliar o inconciliável:

“Neste quadro restará questionar a viabilidade de uma solução que evitando o autoritarismo burguês e o militarismo progressista avance formas transitórias no sentido da instauração a médio ou longo prazo de um futuro regime socialista que se reconhece impossível de instituir a breve trecho.

Este projecto será revolucionário na medida em que se proporá a alteração das relações de produção substituindo a propriedade colectiva à propriedade privada mas terá de saber inserir-se no contexto específico da sociedade portuguesa actual evitando a transposição mecânica de estratégias ou modelos exteriores e a repetição verbalista de fórmulas vazias de conteúdo prático”.

O ponto 4), intitulado “A crise do reformismo e do esquerdismo”, elabora, por outro lado, uma crítica radical às orientações políticas do PS e do PCP que culmina com a rejeição da chamada “democracia burguesa”:

O reformismo, ao defender a democracia burguesa, apoia, no fundo, a única forma possível dessa democracia: o autoritarismo burguês de fachada democrática”; critica, depois, de forma não menos radical o “esquerdismo”, ou seja, a própria essência da orientação com a qual se confrontava no seio do MES: “O esquerdismo tem a vantagem da simplicidade e os inconvenientes da abstracção”; “O esquerdismo é incapaz de propor etapas, estádios, e objectivos intermédios susceptíveis de mobilizar as massas. O esquerdismo é, assim, uma teoria apocalíptica da tomada do poder”; “O esquerdismo esquece que todo o projecto político exige uma alternativa concreta e também uma aliança de forças políticas capazes de o apoiar e levar a cabo.

E depois de escalpelizar o reformismo e o esquerdismo conclui: “ Saber ligar a mobilização de base à luta política, a luta no local de trabalho à luta global, ou seja, encontrar a tradução na instância política das lutas de massa, é tarefa revolucionária principal das organizações políticas verdadeiramente de esquerda.

Mas é no ponto 6) do documento, sob o título “O M.E.S. e as tarefas actuais” que, deverá ter estado o busílis da questão da ruptura política deste I Congresso. Nunca abandonando a defesa da autonomia política do M.E.S., nem o jargão revolucionário próprio da época, os autores avançam com uma proposta de um “pacto” que permitisse “agrupar um conjunto de forças políticas e organizações partidárias capazes de veicular, ao nível das instâncias políticas, a luta de massas e de traduzir politicamente essa alternativa apoiada nas massas” (…) “a constituição de um bloco de forças de esquerda não terá impacto político nem credibilidade se não for capaz de aliar as forças socialistas não dogmáticas com forças reformistas (P.C. e P. S) numa unidade de tipo popular” salvaguardando, no entanto, que “esta unidade pode não revestir a natureza de uma frente política limitando-se a um acordo sobre uma base de realizações mínimas aceitáveis pelo MFA”.

O “pacto” político a que se faz apelo, fosse qual fosse a fórmula adoptada, e a sua viabilidade prática, teria uma repercussão significativa no posicionamento do MES face às eleições que estavam no horizonte: “Julga-se que a participação eleitoral do M.E.S. se deveria fazer no âmbito do pacto político explicitado acima, agrupando um conjunto significativo de forças da esquerda, incluindo as reformistas, cujo apoio popular é inegável.

Este pacto político seria, no tocante à generalidade das forças agrupadas, um acordo de princípio salvaguardando a total autonomia política do M.E.S. e a possibilidade de explicitação da sua perspectiva revolucionária, alternativa ao reformismo e expressão da autonomia de classe do proletariado
.”

Vista com o distanciamento que só a passagem do tempo permite, apesar de todas as salvaguardas, que este último parágrafo ilustra, as teses contidas nesta proposta apresentada ao I Congresso, na verdade, pouco discutida, estavam condenadas à derrota por uma maioria radicalizada sendo apelidadas de “posições oportunistas quase sempre encobertas na ambiguidade da fazer o “máximo de revolução possível”, o que sempre veio a dar em não “fazer “revolução nenhuma” [2] … originando a ruptura que designei, noutro texto, como “a primeira morte do MES”.

[1] A Joana Lopes teve a amabilidade de me enviar uma cópia em papel desse documento pois, na verdade, não o tinha na minha posse.

[2] In “Relatório da Comissão Política ao II Congresso – 13, 14 e 15 de Fevereiro de 1976.

Wednesday, September 03, 2008

Sócrates visita escolas em obras e fica com sensação de que chegou "tarde"

O programa de modernização do secundário foi lançado há um ano. Sócrates visitou estabelecimentos de ensino onde os trabalhos estão finalmente a começar

Há operários de capacete a trabalhar, muitos móveis e mesas foram empilhados, salas de paredes bolorentas estão vazias. O ano lectivo está prestes a arrancar, mas nas escolas secundárias Filipa de Lencastre, Passos Manuel e Pedro Nunes, em Lisboa, nunca começou assim. Nos pátios e recreios foram colocados contentores onde algumas aulas vão acontecer à medida que as obras de remodelação que por estes dias estão a começar forem avançado nos edifícios.

A sensação de estaleiro tem uma explicação: "Queremos construir escolas do nosso tempo", disse Sócrates que, já no final, admitiria que "a sensação que temos é que já vamos tarde". O primeiro-ministro visitou ontem os três antigos liceus. E ficou "espantado" com o estado "deprimente" a que o parque escolar chegou. Com o périplo pelos estabelecimentos de Lisboa, assinalou o início da primeira fase do Programa de Modernização das Escolas com Ensino Secundário que foi lançado há mais de um ano com um objectivo: "Requalificar e modernizar", até 2015, 330 escolas. "Esta é talvez a melhor forma de começar o ano lectivo", diria, a certa altura, o primeiro-ministro, durante uma visita em que toda a comitiva se deslocou de escola para escola em autocarros fretados.

Logo pela manhã, a ministra da educação, Maria de Lurdes Rodrigues, antecipava o discurso optimista: "[Este] é um ano em que teremos mais cursos profissionais, mais investimento nas escolas, mais apoio para as famílias...", declarava à TSF

Na primeira fase do Programa de Modernização são 26 os estabelecimentos alvo de intervenção, 11 dos quais em Lisboa e Vale do Tejo. O que implica um investimento de 209 milhões. Mas implica também alguma paciência de alunos e professores. "Não vai ser fácil", dizia Manuela Sena, presidente da comissão instaladora da Filipa de Lencastre. É que as aulas não serão interrompidas, apesar de muitas das obras serem profundas, eventualmente ruidosas, e poderem prolongar-se por 16 meses.

Chove "como na rua"Para já, o investimento é de 209 milhões de euros e beneficiará 32 mil alunos. Sócrates diz que a comunidade escolar está mobilizada. Até porque trabalhou, nos últimos meses, com os arquitectos, na definição dos projectos de intervenção. "Demorou mais tempo" do que era suposto, reconheceu. "Mas ficou melhor."Na Secundária com Ensino Básico Pedro Nunes, Sócrates viveu a primeira surpresa do dia. Perante um recreio cheio de contentores brancos, Sintra Nunes, director da Parque Escolar EPE (a entidade que tem por missão concretizar o Programa de Modernização), explicou ao primeiro-ministro que nas 26 escolas há 240 contentores assim: "São os monovolumes onde vai haver aulas à medida que a intervenção vai sendo feita".

Sócrates supreendeu--se: "Pensava que fossem contentores para as obras." Engano. Não só não são meros "contentores para as obras", como, explicou-lhe Maria de Lurdes Rodrigues, são salas de aula "do melhor" e muito apreciadas. De resto, já houve quatro escolas que, a título de fase experimental do Programa de Modernização, foram sujeitas a intervenções e estão prestes a abrir portas quando a 15 de Setembro as aulas começarem.

A saber: Escola Secundária Rodrigues de Freitas e Escola Soares dos Reis, no Porto, e Secundária D. Dinis e Pólo de Educação D. João de Castro, em Lisboa.Seja como for, todos os eventuais incómodos que resultem das obras valem a pena, acredita o Governo. E o presidente da Câmara Municipal de Lisboa, António Costa, que dizia, enquanto olhava para uma grande mancha de humidade no tecto de uma sala de aula, que "o estado do parque escolar é catastrófico".

Nas salas da Filipa de Lencastre, por exemplo, chove durante o Inverno "como na rua" (expressão de uma professora), a humidade tomou conta das paredes, os fios eléctricos estão à vista. E no Passos Manuel e no Pedro Nunes, que abriram as portas em 1911, ainda há equipamentos que nunca foram substituídos."Educação é a prioridade""Queremos fazer uma escola que represente um orgulho para os portugueses", afirmou depois da apresentação dos objectivos do Programa de Modernização: melhorar as condições, o conforto, os laboratórios, as oficinas, garantir a eficiência energética dos edifícios. "A Educação é a prioridade das prioridades ao nível das políticas públicas", frisou. Até ao ano passado só 26 por cento dos fundos comunitários estavam dedicados à Educação "e, neste momento, são 37 por cento".

"Todas as escolas do país que precisem de obras de requalificação vão tê-las", disse. Para o ano, arrancam outros projectos, em mais 75 escolas, que envolverão mais de 536 milhões de euros. "Não estamos a tapar buracos", garantiu o primeiro-ministro. "O desafio é requalificar", mantendo a identidade destas escolas. No Pedro Nunes, por exemplo, haverá um novo polidesportivo coberto e um novo edifício central com cinco laboratórios e salas para tecnologias de informação e comunicação.

Na Filipa de Lencastre as obras estendem-se às duas escolas de 1.º ciclo das redondezas, com o financiamento da câmara municipal, e duplicam a sua área. Um exemplo que Maria de Lurdes Rodrigues gostaria de ver disseminado porque "o ministério preocupa-se com todos os alunos", independentemente de serem de escolas que estão sob a alçada das câmaras ou da administração central.

Público - 03.09.2008, Andreia Sanches