Wednesday, April 13, 2011

Robert M. Fishman - acerca do "resgate"

PORTUGAL’S plea for help with its debts from the International Monetary Fund and the European Union last week should be a warning to democracies everywhere.
The crisis that began with the bailouts of Greece and Ireland last year has taken an ugly turn. However, this third national request for a bailout is not really about debt. Portugal had strong economic performance in the 1990s and was managing its recovery from the global recession better than several other countries in Europe, but it has come under unfair and arbitrary pressure from bond traders, speculators and credit rating analysts who, for short-sighted or ideological reasons, have now managed to drive out one democratically elected administration and potentially tie the hands of the next one.
If left unregulated, these market forces threaten to eclipse the capacity of democratic governments — perhaps even America’s — to make their own choices about taxes and spending.
Portugal’s difficulties admittedly resemble those of Greece and Ireland: for all three countries, adoption of the euro a decade ago meant they had to cede control over their monetary policy, and a sudden increase in the risk premiums that bond markets assigned to their sovereign debt was the immediate trigger for the bailout requests.
But in Greece and Ireland the verdict of the markets reflected deep and easily identifiable economic problems. Portugal’s crisis is thoroughly different; there was not a genuine underlying crisis. The economic institutions and policies in Portugal that some financial analysts see as hopelessly flawed had achieved notable successes before this Iberian nation of 10 million was subjected to successive waves of attack by bond traders.
Market contagion and rating downgrades, starting when the magnitude of Greece’s difficulties surfaced in early 2010, have become a self-fulfilling prophecy: by raising Portugal’s borrowing costs to unsustainable levels, the rating agencies forced it to seek a bailout. The bailout has empowered those “rescuing” Portugal to push for unpopular austerity policies affecting recipients of student loans, retirement pensions, poverty relief and public salaries of all kinds.
The crisis is not of Portugal’s doing. Its accumulated debt is well below the level of nations like Italy that have not been subject to such devastating assessments. Its budget deficit is lower than that of several other European countries and has been falling quickly as a result of government efforts.
And what of the country’s growth prospects, which analysts conventionally assume to be dismal? In the first quarter of 2010, before markets pushed the interest rates on Portuguese bonds upward, the country had one of the best rates of economic recovery in the European Union. On a number of measures — industrial orders, entrepreneurial innovation, high-school achievement and export growth — Portugal has matched or even outpaced its neighbors in Southern and even Western Europe.
Why, then, has Portugal’s debt been downgraded and its economy pushed to the brink? There are two possible explanations. One is ideological skepticism of Portugal’s mixed-economy model, with its publicly supported loans to small businesses, alongside a few big state-owned companies and a robust welfare state. Market fundamentalists detest the Keynesian-style interventions in areas from Portugal’s housing policy — which averted a bubble and preserved the availability of low-cost urban rentals — to its income assistance for the poor.
A lack of historical perspective is another explanation. Portuguese living standards increased greatly in the 25 years after the democratic revolution of April 1974. In the 1990s labor productivity increased rapidly, private enterprises deepened capital investment with help from the government, and parties from both the center-right and center-left supported increases in social spending. By the century’s end the country had one of Europe’s lowest unemployment rates.
In fairness, the optimism of the 1990s gave rise to economic imbalances and excessive spending; skeptics of Portugal’s economic health point to its relative stagnation from 2000 to 2006. Even so, by the onset of the global financial crisis in 2007, the economy was again growing and joblessness was falling. The recession ended that recovery, but growth resumed in the second quarter of 2009, earlier than in other countries.

Domestic politics are not to blame. Prime Minister José Sócrates and the governing Socialists moved to cut the deficit while promoting competitiveness and maintaining social spending; the opposition insisted it could do better and forced out Mr. Sócrates this month, setting the stage for new elections in June. This is the stuff of normal politics, not a sign of disarray or incompetence as some critics of Portugal have portrayed it.

Could Europe have averted this bailout? The European Central Bank could have bought Portuguese bonds aggressively and headed off the latest panic. Regulation by the European Union and the United States of the process used by credit rating agencies to assess the creditworthiness of a country’s debt is also essential. By distorting market perceptions of Portugal’s stability, the rating agencies — whose role in fostering the subprime mortgage crisis in the United States has been amply documented — have undermined both its economic recovery and its political freedom.

In Portugal’s fate there lies a clear warning for other countries, the United States included. Portugal’s 1974 revolution inaugurated a wave of democratization that swept the globe. It is quite possible that 2011 will mark the start of a wave of encroachment on democracy by unregulated markets, with Spain, Italy or Belgium as the next potential victims.

Americans wouldn’t much like it if international institutions tried to tell New York City, or any other American municipality, to jettison rent-control laws. But that is precisely the sort of interference now befalling Portugal — just as it has Ireland and Greece, though they bore more responsibility for their fate.

Only elected governments and their leaders can ensure that this crisis does not end up undermining democratic processes. So far they seem to have left everything up to the vagaries of bond markets and rating agencies.

By ROBERT M. FISHMAN

Sunday, April 10, 2011

EDUARDO FERRO RODRIGUES - Intervenção no Congresso do PS - 9 de Abril de 2011

Caro Presidente, meu querido António Almeida Santos
Caro Secretário Geral José Socrates
Caras e Caros Amigos e Camaradas

É com grande emoção que volto a falar num congresso do Partido Socialista, quase 7 anos depois.
Emoção acrescida devido às palavras do nosso Secretario Geral José Sócrates.
Palavras sinceras, palavras sentidas, palavras amigas.
Grande emoção, mas também grande responsabilidade.
Respondi positivamente ao desafio de José Sócrates e voltarei a curtíssimo prazo para Portugal para participar nesta batalha histórica, em momento tão difícil para o nosso país.
Para mim este não é um tempo de abandono, é um tempo de regresso.
Este não é um tempo de calculismo, é um tempo de combate, um tempo de afirmação das nossas respostas, dos nossos valores, dos nossos princípios.
Com a aprovação das listas de candidatos pelos órgãos responsáveis do PS, desencadearei as diligências administrativas para solicitar a exoneração do cargo de Chefe da Missão de Portugal junto da OCDE, para estar liberto destas funções antes da entrega das listas de candidatos, como a lei impõe. Entretanto, a transição na nossa Delegação e na OCDE será realizada com a responsabilidade que a minha missão obriga.
Servir Portugal, durante mais de 5 anos, neste importante posto foi uma honra inesquecível.
Amigas, Amigos, Camaradas
Portugal vive uma situação muito difícil. A nossa economia de há muito que tem problemas de crescimento, sobretudo depois da presença na zona euro.
As debilidades do nosso modelo de crescimento, conjugadas na zona euro com o aumento da nossa dívida externa, privada e pública, tornaram a economia portuguesa num elo frágil face à dureza da crise internacional.
Os esforços que foram feitos para aumentar o nosso potencial de crescimento - com investimentos na educação e formação, nas infraestruturas, na simplificação e modernização administrativa, nas energias renováveis, apesar de muito significativos, revelaram-se insuficientes para travar a tormenta financeira que nos atingiu. Tormenta financeira que, é bom que se sublinhe, nenhuma grande organização internacional, do FMI à OCDE, passando pela União Europeia, conseguiu prever. Nenhuma Organização previu nem a eclosão dessa tormenta financeira, nem as suas consequências económicas e sociais.
Tormenta financeira causada pelos mesmos que, à escala mundial, agora mais beneficiam dela - fundos especulativos, agências de notação, gestores financeiros sem escrúpulos, mas com muitos prémios.
Em 2009, as palavras de ordem um pouco por todo o lado eram de incentivar os Estados para o gasto público, para evitar que a grande recessão se transformasse em grande depressão.
Mas, o que se passou, foi uma autêntica socialização das perdas de muitas instituições financeiras, e se é verdade que a depressão foi evitada, a realidade é que o desemprego explodiu em muitos países e os défices e dividas publicas bateram recordes em algumas das maiores economias (como os Estados Unidos, o Japão ou Reino Unido) e das economias médias mais vulneráveis (Grécia, Irlanda, Portugal, Espanha).
E entretanto o que fez a Europa? Quando se começou a perceber que os países da periferia do Euro eram um alvo, houve alguma resposta rápida, eficaz e dissuasora? Não, o que se passou foi exactamente o contrário. A União Europeia deu corda à especulação, gerou autênticos ciclos viciosos de défice, recessão e desconfiança nos países ameaçados. Só muito tarde na União Europeia se começou a discutir como transformar o Fundo Europeu de Estabilidade Financeira num mecanismo preventivo e não num simples mecanismo de apoio concebido para intervir tardiamente, quando o destino económico e social de muitos países já estava traçado.
Fazem falta na Europa, nos grandes países do Euro, estadistas cuja visão nacional seja enformada pela perspectiva Europeia. Como disse recentemente Mário Soares “quando se fizer a história desta tão apagada fase politica da União Europeia perceberemos melhor as responsabilidades e a tacanhez de vistas dos respectivos protagonistas”.
Em suma, é verdade que as raízes da nossa crise são portuguesas, mas quem escamoteia o papel da crise internacional e da paralisia europeia no agravamento dos nossos problemas está a distorcer a realidade dos factos.
Em resumo, quem assim procede, falta à verdade. Mais por ódio político do que por desconhecimento do que se passou.
Amigas, Amigos, Camaradas,
Quando, embora com regras de jogo ainda míopes e insuficientes, estivemos a caminho de alcançar um patamar de maior estabilidade financeira, apoiados pela Comissão Europeia e pelo Banco Central Europeu, desencadeou-se a crise politica com a rejeição do PEC, a queda do Governo e a convocação de eleições antecipadas.
Como outros antigos Secretários Gerais do PS, apelei até ao fim para a negociação, para que se evitasse uma crise política no pior momento para o País.
A verdade é que só o Governo se mostrou disponível para o dialogo e não vi apelos de outros quadrantes políticos - senão muito tímidos e quase envergonhados.
Como é sabido, já em Agosto de 2009 defendi a existência de um governo de maioria parlamentar perante a gravidade da crise internacional que nos ameaçava.
Governos com maioria parlamentar de apoio são a situação normal nas democracias, mesmo quando as negociações são demoradas e difíceis.
Tal não foi possível e por isso a aventura e a irresponsabilidade podiam revelar-se em qualquer momento. E revelaram-se no pior momento possível para Portugal.
A irresponsabilidade política de nem sequer querer negociar, a ambição partidária de assalto ao poder, o aventureirismo sectário triunfaram e com isso sofreu o nosso País.
O que tinha que acontecer, aconteceu. Em pouco tempo, os mercados financeiros, estimulados pelas agências de notação, agindo como vampiros pró-ciclicos, atingiram duramente a capacidade de financiamento da República Portuguesa, das empresas públicas e do sistema financeiro.
Sei que em situação tão melindrosa, as decisões de há três dias do governo do PS de solicitar a assistência europeia foram decisões sofridas, determinadas pelo primado do interesse nacional. Não posso no entanto deixar de manifestar a minha estranheza por aqueles que derrubaram o Governo atacando o PEC, hoje comemorarem a negociação de um PEC mais gravoso, só para verem em tempo pré eleitoral o país nas mãos da ajuda internacional do FEEF e do FMI, situação que José Sócrates e o governo do PS tentavam evitar por imperativo patriótico
Amigas, Amigos, Camaradas
Infelizmente, os dias, meses e anos que aí vêm serão de dificuldades e sacrifícios. É fundamental não apenas que eles sejam distribuídos de forma socialmente justa como também que não ponham em causa as bases do nosso tardio mas importante modelo social. Mais importante que as dificuldades conjunturais dos serviços e de eventuais restrições nos valores das prestações sociais, é a sua própria existência, a defesa da sua permanência como base para desenvolvimentos sustentáveis futuros.
A responsabilidade social do Estado no combate à pobreza, na educação e formação dos jovens, no apoio aos idosos, no serviço nacional de saúde, é absolutamente fundamental. E muito disto vai estar em causa em 5 de Junho.
As portuguesas e os portugueses não podem permitir que as reivindicações históricas da direita portuguesa, sem coragem para as impor, quando teve frequentemente maiorias absolutas, sejam levadas à prática a coberto e em cumplicidade com exigências internacionais, que alguns não só aceitam como desejam.
Amigas, Amigos e Camaradas
Posso testemunhar a estupefacção com que a crise política portuguesa foi recebida à escala internacional.
Posso testemunhar o apreço com que em muitas capitais e Organizações Internacionais foi visto o esforço reformista do Governos nos últimos 5 anos.
Posso testemunhar o reconhecimento que existe pela coragem do Primeiro Ministro José Sócrates, tão frequentemente vilipendiado aqui.
Meu Caro José Sócrates,
Falo-te com a autoridade de quem te criticou em algumas das poucas intervenções públicas que fiz nestes últimos anos.
Por vezes achei que faltava humildade quando se pediam sacrifícios aos portugueses; que a crise internacional esteve demasiado ausente no teu discurso político em 2008 e 2009; que ao enfatizares o lado bom da nossa evolução, das exportações, da inovação - das energias renováveis, dos resultados mais próximos da média da OCDE dos nossos alunos - devias relembrar sempre o Portugal que sofre e se sacrifica: os desempregados, jovens e menos jovens, os que passam subitamente da classe média para a quase exclusão.
Estou de acordo contigo quando dizes que por vezes a falsa humildade é a pior das arrogâncias e que um Primeiro Ministro deve ser optimista e remar contra a maré.
As nossas posições não são pois contraditórias, são complementares.
Reconhecendo os teus esforços, a tua coragem e determinação, é sem hesitação que estou a teu lado, neste momento tão difícil e tão decisivo para Portugal.
Estou convencido de que a História te vai dar razão. Nas tuas preocupações reformistas pelo desenvolvimento do país.
A história mostrará que a razão não está nos corporativismos e populismos que querem capturar o Pais.
E a história começa em Junho.
Aqui no PS, nos momentos de dificuldade, respondemos sempre presente!
Hoje, mais do que nunca temos de afirmar as nossas posições. Portugal tem os olhos postos no nosso Congresso.
Depois das eleições, e de acordo com os resultados, mais uma vez deveremos manifestar a nossa disponibilidade para o diálogo, com sentido de Estado e pondo acima de tudo o interesse de Portugal.
Estou certo que assim será.
Mas agora é tempo de avançar com determinação e coragem para a vitória!
Viva o PS!
Viva Portugal!


Wednesday, April 06, 2011

"Decisão mais premente é reestruturar dívida externa"

O economista Ricardo Cabral, professor do Departamento de Economia e Gestão e do Centro de Competência em Ciências Sociais da Universidade da Madeira e doutorado em Economia pela Universidade da Carolina do Sul, Estados Unidos, insiste em que a reestruturação da dívida externa é a questão essencial na atual crise de risco de default que o país atravessa. Além do mais, esta opção deveria estar em carteira, face aos próprios resultados da aplicação dos programas de resgate na Grécia e na Irlanda.

Ainda hoje, o "Financial Times Deutschland" referia que "vários ministros das Finanças" europeus se começam a inclinar para a necessidade dessa opção no caso grego. Recorde-se que o Ecofin (conselho dos ministros das Finanças e da Economia da União Europeia) se reúne em Budapeste na próxima sexta-feira informalmente.

A última vez que Portugal procedeu a uma reestruturação da dívida foi em 1892, tendo o processo de negociação demorado dez anos.

Multiplicam-se as opiniões pedindo que o Governo português recorra a auxílio externo, desde a ideia de pedidos diretos ao Fundo Monetário Internacional (como teria sido alvitrado no Conselho de Estado), de "empréstimo intercalar" da Comissão Europeia (apesar de tal figura não existir por ora), de resgate puro e simples no estilo do realizado pela Irlanda, até mesmo empréstimo de emergência do BCE. Continua a achar que o caminho, no curto prazo, é o uso de outros instrumentos financeiros e não o recurso ao FEEF (Fundo Europeu de Estabilização Financeira)?

Embora nos encontremos atualmente numa situação bem mais dramática e premente, pelas razões conhecidas, é um erro recorrer à ajuda externa neste momento e espero que o governo tenha a força para perseverar neste momento difícil do país, apesar dos sucessivos obstáculos de agências de ratings e instituições europeias (BCE) que quase parecem concertados. Não pretendo aqui entrar na discussão politico-partidária em que esta questão económica infelizmente se tornou, mas é minha firme convicção que recorrer ao atual pacote de ajuda externa do FEEF/FMI é contra o interesse nacional.

Porque razão?

Por três razões: implica que o país deixa de ter a opção de reestruturar unilateralmente a sua dívida soberana e de definir o tempo, a forma e o montante dessa re-estruturação de dívida. Essa reestruturação de dívida é, na prática, inevitável; a taxa de juro exigida pelo FEEF/FMI é demasiado elevada e deve ser renegociada em baixa; ao aceitar essa ajuda perdemos muita da soberania sobre a política económica. O FMI, o BCE, e a Comissão Europeia não têm conhecimento suficientemente detalhado sobre as causas da crise nacional. O programa de resposta que desenharam é desajustado da realidade portuguesa e não irá resultar, à semelhança do que está a ocorrer, aliás, com a Grécia e com a Irlanda.

Em que sentido é desajustado?

As condições atuais da ajuda FEEF/FMI, determinadas em grau significativo pelos países credores, enfraquecem a posição negocial de Portugal face aos nossos parceiros europeus, alguns dos quais são simultaneamente os nossos principais credores. Ao aceitar essa "ajuda" prejudicam-se as negociações que irão ocorrer ao longo dos próximos meses e anos para definir os detalhes da reestruturação de dívida. A reestruturação de dívida externa nacional é a decisão económica mais premente e mais importante de uma geração. É do interesse nacional reestruturar a sua dívida externa. Na minha perspetiva, Portugal só será capaz de voltar a ter crescimento sustentável se optar, o mais rapidamente possível, por reestruturar a sua dívida de forma substancial, à imagem do que a Islândia fez e dos sinais que são dados pela nova liderança na Irlanda em relação à dívida do setor bancário. É porque não gostaria de ver o país a retroceder nas próximas décadas, que defendo essa tese.

Mas como pode Portugal atravessar este período pré-eleitoral com a enorme pressão sobre os juros que se faz sentir no mercado secundário da dívida?

No curto prazo o país deveria utilizar outros instrumentos financeiros que não a FEEF/FMI. Existem ainda algumas opções importantes a que se pode recorrer para responder às dificuldades de financiamento que o país enfrenta e cumprir com as obrigações financeiras nacionais no curto prazo. Essas opções não resolvem o problema do sobre-endividamento externo nacional no médio e longo prazos. Mas permitiriam ganhar algum tempo para definir a estratégia nacional de resposta à crise, negociar com os nossos parceiros europeus e com os credores e, posteriormente, implementar a legislação necessária.

No caso da Grécia tem-se referido cada vez mais insistentemente que o país terá de proceder a uma reestruturação da sua dívida. Os juros no mercado secundário da dívida grega continuam a bater recordes mundiais e as medidas de austeridade parecem não conseguir surtir os efeitos pretendidos. No final da linha, a reestruturação é inevitável?

Sim. A reestruturação é inevitável. As lideranças dos governos da França e da Alemanha sabem que a re-estruturação é inevitável. O Mecanismo de Estabilização Europeu (MEE, European Stabilization Mechanism), a aplicar a partir de meados de 2013, já contempla uma série de instrumentos que irão facilitar a reestruturação da dívida. Contudo, com o MEE, a re-estruturação da dívida será ditada por Berlim e Paris. Além disso, receio que seja demasiado pequena, prejudicando o futuro desenvolvimento do país, por limitar o capital de que necessita para se desenvolver. Com o FEEF/FMI e a MEE, os mais importantes ativos gregos irão passar para as mãos de não residentes. Alguns dos mais importantes grupos nacionais irão perder muito dos seus ativos, que passarão para grupos estrangeiros.

No caso da Irlanda, a situação do sistema financeiro continua a ser a maior dor de cabeça, apesar do risco de default ter diminuído nestes últimos dias (estando mesmo já abaixo do risco português). Paradoxalmente, o ex-tigre Celta vê-se obrigado a quase nacionalizar todo o setor bancário e a concentrá-lo via mão do Estado. Que lições poderemos tirar do que está a ocorrer na Irlanda?

Em relação ao sistema bancário deveríamos adotar uma metodologia similar à da Irlanda, embora evitando os erros cometidos pelo anterior Governo Irlandês - esses erros foram garantir toda a dívida do sistema bancário, comprar ativos tóxicos do sistema bancário e realizar aumentos de capital com dinheiros públicos. O lado positivo da resposta adotada por esse governo é que a Irlanda está a beneficiar de um subsídio elevado do Banco Central Europeu (BCE), através do financiamento que este faz ao sistema bancário irlandês. Este subsídio do sistema bancário e da economia Irlandesa é equivalente a cerca de 6% do PIB português por ano (uma percentagem maior em relação ao PIB irlandês), se assumirmos taxas de juro médias para novo financiamento de 7% ao ano. A Grécia beneficia de um subsídio um pouco menor (4,7% do PIB português, uma percentagem menor em relação ao PIB da Grécia). Comparativamente, o subsídio que o sistema bancário português - e em resultado a economia portuguesa - recebe do BCE através do sistema financeiro é somente de 1,4% do PIB.

O que concretamente sugeriu quando referiu, recentemente, que Portugal tem de criar uma lei de resolução bancária como o fez a Inglaterra?

O país deve criar com urgência uma lei de resolução bancária (ou saneamento bancário), em colaboração com os nossos parceiros europeus. Uma lei de resolução bancária é um processo de saneamento e falência controlada de bancos que reconhece o papel fundamental desempenhado pelos bancos numa economia e as características específicas de um banco. Com uma lei de resolução bancária é possível assegurar o normal funcionamento dos bancos mesmo em situação de crise bancária. Essa lei é fundamental para permitir que os bancos continuem a desempenhar a sua função crucial na economia, que é a de canalizar poupança para investimento, concedendo crédito. O sistema bancário nacional está com problemas graves devido à sua enorme dependência do exterior. O endividamento externo líquido do sistema bancário no final de 2009 era de cerca de 50% do PIB. Sem essa lei, mesmo empresas exportadoras com lucros e competitivas internacionalmente, enfrentarão restrições de financiamento agravando a já de si difícil situação económica do país. É provável que vários bancos nacionais tenham de ser sujeitos a essa lei de resolução bancária e - arrisco - eventualmente nacionalizados.

A reestruturação da dívida soberana portuguesa é também inevitável? Como pode isso ser feito, conhecida que é a oposição de quem manda realmente na zona euro, que pretende impor os mecanismos financeiros do FEEF?

Argumentei em entrevistas anteriores que a reestruturação da dívida portuguesa é, na prática, inevitável - inevitável é uma palavra forte dado que existe eventualmente uma pequena probabilidade de outra solução no âmbito da União Europeia. Pelas propostas que têm sido apresentadas pelos mais altos representantes do governo da Alemanha, parece-me que o governo alemão tem uma estratégia definida para responder à crise de dívida soberana. O governo francês também aparenta ter uma estratégia bem preparada. Dadas as intervenções da Chanceler Alemã Angela Merkel e do Ministro das Finanças Wolfgang Schäuble, parece-me claro que irá ocorrer uma reestruturação de dívida a partir de 2013. Só que nos moldes definidos por Berlim e Paris, como já referi.

E esses "moldes" terão, em muito, o dedo, o estilo alemão?

Tem de se compreender que a estratégia típica de resposta a crises na Alemanha é a de procurar penalizar quem errou e de salvaguardar o interesse público. Por exemplo, o governo alemão exige uma taxa de juro de 9% em parte de um pacote de ajuda de cerca de €18,2 mil milhões que concedeu ao banco privado alemão Commerzbank. Se o governo alemão exige taxas destas a empresas alemãs, é provável que haja quem possa pensar que a taxa de juro exigida pelo EFSF/FMI aos países periféricos é razoável.