Friday, November 05, 2004

O IRS para os pobres

Apraz-me, como qualquer pessoa de bom senso, alinhar nas críticas de Cavaco Silva à proposta de Orçamento de Estado para 2005. Esta convergência é uma ironia da história. Mas a realidade tem mais força do que a ideologia.

Em síntese a crítica encerra-se na constatação de que a política económica, ao serviço da deriva eleitoralista do governo, coloca Portugal numa situação ainda mais difícil, quer pelo agravamento das dificuldades no cumprimento dos critérios de convergência, quer pelos efeitos negativos que uma política económica “pró-cíclica” induzirá, a prazo, no crescimento sustentado e saudável da economia nacional.

Como dizia Nicolau Santos, numa crónica no “Expresso”,”já estamos todos a rezar com o professor Cavaco” quando este dá sinais claros e explícitos de que não gosta do OE de 2005.

Tomando um caso concreto mais próximo do terreno onde a política económica entronca com a política “pura e dura” – o IRS e o seu calendário – confesso, desde já, que pertenço àquela minoria de “ricos do PS” que não são representados pelo partido dos pobres dos Drs. Paulo Portas e Bagão Félix.

Mas, como se sabe, os pobres são mal agradecidos como ficou provado pelos recentes resultados eleitorais nos Açores e na Madeira. Pode acontecer que os pobres, na expectativa de ficarem ricos com as benesses anunciadas, em sede de orçamento de estado, comecem a preparar-se para votar no partido dos ricos. Antecipam, simplesmente, uma expectativa. Vem nos livros. O Eng.º. Sócrates rejubila.

A minha experiência diz-me que os pobres são uns ingratos. Dá-se-lhes uma sopa, daquelas suculentas, e começam logo a reclamar pelo bife e a encontrar defeitos na sopa… que está aguada, que está requentada, quente, azeda… Vejam o caso dos ex-combatentes. O Dr. Portas e o Dr. Bagão, com os seus anúncios de combate aos ricos e remediados, correm o sério risco de não satisfazer ninguém.

Hoje, preocupa-me, como contribuinte, a comezinha questão do calendário. Recebi, tempos atrás, a “nota de liquidação” do IRS referente a 2003. O dia 25 de Outubro passado era o último do prazo para o seu pagamento. Pelo sim pelo não paguei no dia 24. Tudo bem. Está pago.

Vejamos o que se vai passar a partir de 2005 deixando de lado esses outros detalhes menores, que preocupam os economistas e comentadores, tais como a coerência da política económica no decurso do tempo, a utilização repetida de receitas extraordinárias para cumprir o deficit, a criação da “polícia fiscal” ou os critérios para a formação da nova super estrutura dirigente da administração fiscal.

O IRS, referente a 2005, é apresentado como beneficiando todos os contribuintes com excepção de uma minoria, estimada em 165.000 contribuintes, os “dez por cento mais ricos” que o Dr. Paulo Portas diz que o PS defende. Não vou discutir os méritos ou deméritos da política fiscal, em sede de IRS, pois não conheço, no essencial, senão anúncios. Interessa-me, neste momento, a questão do calendário.

Ora o calendário das cobranças e notificações do IRS é concretizado pelo Governo. No caso do IRS, referente ao ano fiscal de 2005, essas notificações, obrigatoriamente, ocorrerão no ano de 2006. As “notas de liquidação” chegarão, pois, às mãos dos contribuintes no decurso de 2006. O segredo está na determinação do momento exacto mas essa decisão ficará nas mãos do governo. Calendário é calendário.

Mas sempre se poderá dizer, sem risco de errar, que, para além de outras medidas emblemáticas em "benefício dos pobres" que, a seu tempo, virão a lume, os contribuintes a reembolsar receberão o cheque no tempo oportuno e os que tiverem que pagar receberão a conta no tempo certo. É que as eleições legislativas, em calendário normal, terão lugar exactamente em Outubro de 2006.

Aqui está como uma política económica, neste caso, na sua vertente orçamental e fiscal, pode ser reduzida a uma mera operação de propaganda eleitoral. Tudo preparado com antecedência e requinte. Tudo ao contrário do programa anunciado pelo Dr. José Manuel Barroso, ex-presidente do PSD, em quem os portugueses, por uma maioria legítima, mas escassa, votaram para constituir governo. Ainda se lembram do “choque fiscal”? Ainda se lembram da Dra. Manuela Ferreira Leite, a “Dama de Ferro”? E a procissão ainda vai no adro.

(Artigo publicado na edição de hoje do "Semanário Económico")

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