Thursday, November 30, 2006

ESPANHA, DESENVOLVIMENTO E IMIGRAÇÃO

O tema da imigração está na ordem do dia sendo considerado, por muitos estudiosos, como o problema social mais importante da Europa do nosso tempo. Nele se entrecruzam a demografia e o emprego, a economia e a coesão social, a segurança e a globalização, a paz e a guerra, as migrações e os novos esclavagismos, a integração e a exclusão, a religião e a liberdade, enfim, as grandes questões que marcam as agendas dos governos e das organizações supra nacionais.

No passado dia 15 de Novembro, foi tornado público um relatório intitulado “Inmigración y Economia Española: 1996-2006”, de autoria de Miguel Sebastean, conselheiro para as questões económicas do primeiro-ministro de Espanha e futuro candidato, pelo PSOE, à Câmara Municipal de Madrid.

Sebastean confirma, neste estudo, diversas realidades que impressionam não tanto pela sua natureza como pela sua dimensão.

No espaço deste artigo cabem somente algumas considerações breves que assumem, voluntariamente, o estatuto de divulgação. O estudo completo pode ser encontrado no site da presidência do governo de Espanha [www.la-moncloa.es/default.htm].

Resumirei esta abordagem a dois aspectos com profundo significado político e importância ideológica no combate entre duas visões do mundo que, por muito que se afadiguem os mentores do “fim das ideologias”, continuam a existir assumindo sempre novas e variadas cambiantes.

O primeiro aspecto diz respeito à questão demográfica que muitos políticos e ideólogos de direita tendem a abordar sob uma lógica nacionalista como se fosse expectável que o declínio da população activa, no mundo ocidental, pudesse ser invertido pelo milagre de políticas de incentivo à natalidade, “moralização dos costumes”, agitação de panaceias securitárias ou construção de muros que ultrapassam, perigosamente, os limites da racionalidade humana.

Em Espanha, no período 2001/2005, o aumento anual da população foi de 1,5%, valor nunca antes observado na história do país, e a entrada de imigrantes representou 1,2% desse aumento. De facto a população imigrante, em Espanha, passou de 0,9 milhões, em 2000, para 4 milhões, em 2006, acrescendo que metade dos 2,6 milhões de novos empregos criados, nos últimos cinco anos, foram ocupados por imigrantes.

Ao contrário de todas as consequências perversas que qualquer mente conservadora poderá descortinar nesta evolução demográfica – sem escamotear as tensões sociais que se lhe encontram associadas – verifica-se que a economia espanhola cresceu, desde 1996, à média anual de 3,5 %, devendo atingir, em 2006, um crescimento de 3,8 %, sendo que 30% do crescimento do PIB, na última década, está associado ao processo de imigração alcançando mesmo a contribuição dos imigrantes para esse crescimento, nos últimos 5 anos, a extraordinária cifra de 50%.

É conveniente, no entanto, salientar que as elevadas taxas de crescimento da economia espanhola só foram possíveis devido a um “processo de ajustamento”, em tudo semelhante ao que ocorre no nosso país, que ganhou expressão após a recessão de 1993 e se acentuou com o processo de integração da Espanha na União Monetária. Levamos, pois, pelo menos, 13 anos de atraso!

O segundo aspecto diz respeito à relação entre a imigração e o desemprego. As abordagens da direita ao fenómeno da imigração costumam apontar um paralelismo entre o aumento do desemprego e a imigração, acrescentando umas fortes pitadas de “xenofobia social”. Grita-se, aos quatro ventos: “eles vêm tirar-nos o trabalho …”!

Este estudo confirma o que é apontado por outros indicadores, referentes à década de 90, ou seja, que são compatíveis taxas de desemprego reduzidas e fluxos de imigração elevados.

De facto, em Espanha, o elevado e consistente crescimento da economia, nos últimos 13 anos, foi acompanhado por um forte ritmo de criação de emprego, um notável crescimento da população activa e uma espectacular redução do desemprego.

Em Espanha, a percentagem de trabalhadores estrangeiros no total da força de trabalho passou de 1,2%, em 1996, para 12,1%, em 2005, enquanto o desemprego passou de uma taxa acima dos 20%, em 1996, para 8,1%, no terceiro trimestre de 2006 (previsão).

A realidade espanhola da imigração, que este estudo retrata com rigor e transparência, mostra, aos mais cépticos, que a imigração é, no essencial, uma realidade positiva e estruturante do desenvolvimento económico e social da União Europeia e de cada um dos países que a constituem.

Este estudo traz-nos, por outro lado, informações que nos permitem reflectir acerca de uma realidade que está debaixo do nosso nariz mas que os governos, em geral, tardam em tratar numa óptica prospectiva, mais como uma oportunidade do que como uma ameaça, dando a sensação que definem as suas políticas de imigração condicionados, mesmo quando são de esquerda, ou progressistas, por ideologias de matriz conservadora.

(Artigo publicado no "Semanário Económico" na sua edição de 30 de Novembro de 2006)

Friday, November 03, 2006

TRÊS REFLEXÕES DE OUTONO

Acerca do Orçamento do Estado para 2007 – Os portugueses são muitos fracos na disciplina da memória, em particular, no que se refere às questões da “coisa pública”. Deixam cair dela os seus heróis, como frutos podres, e apagam, com arrogos mesquinhos, tanto as boas como as más lembranças da governação passada.

No caso do Orçamento do Estado para 2007 é necessário lembrar, para não recuar aos tempos da austeridade, anteriores ao longo consulado de Cavaco, ou à “pesada herança” de Guterres, que o governo em funções herdou, em 2005, dos governos de direita (Barroso+Santana), um défice das contas públicas de 6,4% do PIB.

A direita que governou, com maioria absoluta, desde Março de 2002 até inícios de 2005, o dobro do tempo que o governo PS leva de governação, apesar do discurso social-cristão do humaníssimo Bagão Félix, não realizou quaisquer reformas de fundo, não promoveu o equilíbrio das contas públicas, nem mexeu uma palha para reformar o modelo de orçamento de estado herdado do passado.

A hipocrisia impera nos discursos e opiniões de alguns ex-membros dos governos da direita, acerca do orçamento para 2007, pois tendo tido nas mãos o poder de executar as reformas que prometeram, hoje se afadigam a denegrir o que, ontem, não tiveram a coragem de realizar. Não admira, por outro lado, que alguns sectores da esquerda deixem perpassar uma profunda saudade da governação de direita pois o alvo era mais alvo e a política do quanto pior melhor constituía um “seguro de vida” para as corporações nas quais se incluem a maioria dos sindicatos.

Toda a gente, de bom senso, entende o esforço gigantesco que representa fazer baixar, em três anos, o défice das contas públicas de 6,4% para menos de 3%. A eclosão das mais diversas formas de descontentamento a que temos assistido – de grupos sócio profissionais específicos – é a consequência da tomada de medidas, na sua grande parte, óbvias, que só pecam por tardias, destinadas a alcançar um objectivo, de interesse nacional, qual seja: alcançar défices de 4,3% em 2006, 3,7% em 2007 e abaixo dos 3%, em 2008.

É certo que as questões do orçamento, e do deficit, são só uma pequena parte dos problemas do país mas permitem revelar uma vontade firme de reformar o Estado Social, e não de o destruir, o que, convenhamos, logo deu azo, como seria de esperar, a greves e manifestações, acusações e implacáveis contraditórios que não passam de pungentes gemidos de impotência que a esquerda imobilista e a direita dos interesses sempre emitem à vista de qualquer verdadeira reforma do estado a cuja sombra sobrevivem ou prosperam.

Claro que 2009, em calendário normal, é ano de eleições. Os governos, e as maiorias que os suportam, não governam, certamente, para perder eleições. A este propósito não há outro caminho, se o PS quiser ganhar as próximas eleições legislativas, senão o seu governo alcançar, no fim do mandato, o equilíbrio das contas públicas de preferência acompanhado, para benefício da economia e da sociedade, de sinais consistentes de retoma e de medidas de reforço da coesão social.

Acerca da Justiça – Uma conversa menos batida, apesar de estar na ordem dia, é a da justiça que a todos toca com o seu imenso cortejo de consequências. Na Pátria que nos é dado habitar parecem ser mais os prejuízos que os benefícios dela. À laia de prédica filosófica, para não entrar em penosas matérias de facto, aqui deixo uma breve reflexão.

A praga mais assustadora da nossa vida de cidadãos é o ódio que se vislumbra nos gestos dos burocratas sem alma. O tema é antigo. A chamada defesa do interesse geral encobre todos os ressentimentos que podem ferir de morte o próprio interesse geral. Afinal o que é o interesse geral senão a miríade dos interesses da comunidade e de cada um dos seus membros?

Se a defesa do interesse legítimo de um cidadão implicar afrontar o interesse de um burocrata empossado na defesa formal do interesse geral o que fazer? Ceder à injustiça ou lutar pela reposição da dignidade do injustiçado mesmo enfrentando as sombras de uma justiça que nunca deixa de ser aplicada por homens comuns?

Acerca da Política – Não é hoje, certamente, menos interessante que ontem, nem menos imprescindível na vida da comunidade. Tudo leva a crer, no entanto, que pugnar pela defesa da democracia ameaça tornar-se num exercício de heroísmo.

O povo suporta e tolera a democracia representativa, como regime, mas despreza a maioria dos seus titulares. No fundo a defesa da democracia depende da qualidade daqueles que interpretam os seus desígnios: os políticos.

Para que tenhamos melhor estado, leis melhores, gestores, públicos e privados, mais competentes, mais justiça na aplicação da lei, menos corrupção e mais transparência na vida pública, mais solidariedade social, melhor educação, mais liberdade de escolha, mais riqueza e menos pobreza, precisamos que os que nos governam sejam os melhores de nós.

No fundo a questão é sempre a mesma: como estimular a revelação das elites? Como fazer com que a democracia seja capaz de apresentar os melhores à livre escolha dos cidadãos?

(Artigo publicado na edição de 3 de Novembro de 2006 do "Semanário Económico")