Thursday, February 24, 2005

CESÁRIO VERDE

O SENTIMENTO DE UM OCIDENTAL

I

AVE-MARIAS

Nas nossas ruas, ao anoitecer,
Há tal soturnidade, há tal melancolia,
Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia
Despertam-me um desejo absurdo de sofrer.

O céu parece baixo e de neblina,
O gás extravasado enjoa-me, perturba-me;
E os edifícios, com as chaminés, e a turba
Toldam-se duma cor monótona e londrina.

Batem os carros de aluguer, ao fundo,
Levando à via-férrea os que se vão. Felizes!
Ocorrem-me em revista, exposições, países:
Madrid, Paris, Berlim, Sampetersburgo, o mundo!

Semelham-se a gaiolas, com viveiros,
As edificações somente emadeiradas:
Como morcegos, ao cair das badaladas,
Saltam de viga em viga, os mestres carpinteiros.

Voltam os calafates, aos magotes,
De jaquetão ao ombro, enfarruscados, secos,
Embrenho-me a cismar, por boqueirões, por becos,
Ou erro pelos cais a que se atracam botes.

E evoco, então, as crónicas navais:
Mouros, baixéis, heróis, tudo ressuscitado
Luta Camões no Sul, salvando um livro a nado!
Singram soberbas naus que eu não verei jamais!

E o fim da tarde inspira-me; e incomoda!
De um couraçado inglês vogam os escaleres;
E em terra num tinido de louças e talheres
Flamejam, ao jantar, alguns hotéis da moda.

Num trem de praça arengam dois dentistas;
Um trôpego arlequim braceja numas andas;
Os querubins do lar flutuam nas varandas;
Às portas, em cabelo, enfadam-se os lojistas!

Vazam-se os arsenais e as oficinas;
Reluz, viscoso, o rio, apressam-se as obreiras;
E num cardume negro, hercúleas, galhofeiras,
Correndo com firmeza, assomam as varinas.

Vêm sacudindo as ancas opulentas!
Seus troncos varonis recordam-me pilastras;
E algumas, à cabeça, embalam nas canastras
Os filhos que depois naufragam nas tormentas.

Descalças! Nas descargas de carvão,
Desde manhã à noite, a bordo das fragatas;
E apinham-se num bairro aonde miam gatas,
E o peixe podre gera os focos de infecção!

II

NOITE FECHADA

Toca-se às grades, nas cadeias. Som
Que mortifica e deixa umas loucuras mansas!
O Aljube, em que hoje estão velhinhas e criancas,
Bem raramente encerra uma mulher de "dom"!

E eu desconfio, até, de um aneurisma
Tão mórbido me sinto, ao acender das luzes;
À vista das prisões, da velha Sé, das Cruzes,
Chora-me o coração que se enche e que se abisma.

A espaços, iluminam-se os andares,
E as tascas, os cafés, as tendas, os estancos
Alastram em lençol os seus reflexos brancos;
E a Lua lembra o circo e os jogos malabares.

Duas igrejas, num saudoso largo,
Lançam a nódoa negra e fúnebre do clero:
Nelas esfumo um ermo inquisidor severo,
Assim que pela História eu me aventuro e alargo.

Na parte que abateu no terremoto,
Muram-me as construções rectas, iguais, crescidas;
Afrontam-me, no resto, as íngremes subidas,
E os sinos dum tanger monástico e devoto.

Mas, num recinto público e vulgar,
Com bancos de namoro e exíguas pimenteiras,
Brônzeo, monumental, de proporções guerreiras,
Um épico doutrora ascende, num pilar!

E eu sonho o Cólera, imagino a Febre,
Nesta acumulação de corpos enfezados;
Sombrios e espectrais recolhem os soldados;
Inflama-se um palácio em face de um casebre.

Partem patrulhas de cavalaria
Dos arcos dos quartéis que foram já conventos;
Idade Média! A pé, outras, a passos lentos,
Derramam-se por toda a capital, que esfria.

Triste cidade! Eu temo que me avives
Uma paixão defunta! Aos lampiões distantes,
Enlutam-me, alvejando, as tuas elegantes,
Curvadas a sorrir às montras dos ourives.

E mais: as costureiras, as floristas
Descem dos magasins, causam-me sobressaltos;
Custa-lhes a elevar os seus pescoços altos
E muitas delas são comparsas ou coristas.

E eu, de luneta de uma lente só,
Eu acho sempre assunto a quadros revoltados:
Entro na brasserie; às mesas de emigrados,
Ao riso e à crua luz joga-se o dominó.

III

AO GÁS

E saio. A noite pesa, esmaga. Nos
Passeios de lajedo arrastam-se as impuras.
Ó moles hospitais! Sai das embocaduras
Um sopro que arrepia os ombros quase nus.

Cercam-me as lojas, tépidas. Eu penso
Ver círios laterais, ver filas de capelas,
Com santos e fiéis, andores, ramos, velas,
Em uma catedral de um comprimento imenso.

As burguesinhas do Catolicismo
Resvalam pelo chão minado pelos canos;
E lembram-me, ao chorar doente dos pianos,
As freiras que os jejuns matavam de histerismo.

Num cutileiro, de avental, ao torno,
Um forjador maneja um malho, rubramente;
E de uma padaria exala-se, inda quente,
Um cheiro salutar e honesto a pão no forno.

E eu que medito um livro que exacerbe,
Quisera que o real e a análise mo dessem;
Casas de confecções e modas resplandecem;
Pelas vitrines olha um ratoneiro imberbe.

Longas descidas! Não poder pintar
Com versos magistrais, salubres e sinceros,
A esguia difusão dos vossos reverberos,
E a vossa palidez romântica e lunar!

Que grande cobra, a lúbrica pessoa,
Que espartilhada escolhe uns xales com debuxo!
Sua excelência atrai, magnética, entre luxo,
Que ao longo dos balcões de mogno se amontoa.

E aquela velha, de bandós! Por vezes,
A sua traîne imita um leque antigo, aberto,
Nas barras verticais, a duas tintas. Perto,
Escarvam, à vitória, os seus mecklemburgueses.

Desdobram-se tecidos estrangeiros;
Plantas ornamentais secam nos mostradores;
Flocos de pós-de-arroz pairam sufocadores,
E em nuvens de cetins requebram-se os caixeiros.

Mas tudo cansa! Apagam-se nas frentes
Os candelabros, como estrelas, pouco a pouco;
Da solidão regouga um cauteleiro rouco;
Tornam-se mausoléus as armações fulgentes.

"Dó da miséria!... Compaixão de mim!..."
E, nas esquinas, calvo, eterno, sem repouso,
Pede-me sempre esmola um homenzinho idoso,
Meu velho professor nas aulas de Latim!

IV

HORAS MORTAS

O tecto fundo de oxigénio, de ar,
Estende-se ao comprido, ao meio das trapeiras;
Vêm lágrimas de luz dos astros com olheiras,
Enleva-me a quimera azul de transmigrar.

Por baixo, que portões! Que arruamentos!
Um parafuso cai nas lajes, às escuras:
Colocam-se taipais, rangem as fechaduras,
E os olhos dum caleche espantam-me, sangrentos.

E eu sigo, como as linhas de uma pauta
A dupla correnteza augusta das fachadas;
Pois sobem, no silêncio, infaustas e trinadas,
As notas pastoris de uma longínqua flauta.

Se eu não morresse, nunca! E eternamente
Buscasse e conseguisse a perfeição das cousas!
Esqueço-me a prever castíssimas esposas,
Que aninhem em mansões de vidro transparente!

Ó nossos filhos! Que de sonhos ágeis,
Pousando, vos trarão a nitidez às vidas!
Eu quero as vossas mães e irmãs estremecidas,
Numas habitações translúcidas e frágeis.

Ah! Como a raça ruiva do porvir,
E as frotas dos avós, e os nómadas ardentes,
Nós vamos explorar todos os continentes
E pelas vastidões aquáticas seguir!

Mas se vivemos, os emparedados,
Sem árvores, no vale escuro das muralhas!...
Julgo avistar, na treva, as folhas das navalhas
E os gritos de socorro ouvir, estrangulados.

E nestes nebulosos corredores
Nauseiam-me, surgindo, os ventres das tabernas;
Na volta, com saudade, e aos bordos sobre as pernas,
Cantam, de braço dado, uns tristes bebedores.

Eu não receio, todavia, os roubos;
Afastam-se, a distância, os dúbios caminhantes;
E sujos, sem ladrar, ósseos, febris, errantes,
Amareladamente, os cães parecem lobos.

E os guardas que revistam as escadas,
Caminham de lanterna e servem de chaveiros;
Por cima, as imorais, nos seus roupões ligeiros,
Tossem, fumando sobre a pedra das sacadas.

E, enorme, nesta massa irregular
De prédios sepulcrais, com dimensões de montes,
A Dor humana busca os amplos horizontes,
E tem marés, de fel, como um sinistro mar!

(Em Portugal a Camões, publicação extraordináriado
Jornal de Viagens do Porto, no dia 10 de Junho de 1880)

Saturday, February 19, 2005

Desemprego

Desemprego é uma palavra pesada. Na linguagem dos liberais já devia ter sido riscada do dicionário. Ela arrasta a ideia de emprego. Talvez tenha, para os liberais, a desprezível ressonância de “emprego para toda a vida”. A ideia de constância e não de temporalidade. A ideia de permanência e não de ocasião. O presságio de uma realidade que se afasta da ideia de trabalho temporário. O fantasma da rigidez dos custos e da não flexibilidade. A imagem da instalação fabril, associada a um espaço físico e comunitário, e a não-deslocalização. Quando, no fundo, o que interessa é o trabalho! Mas não existe a palavra destrabalho. Nunca se diz de alguém que “ficou no destrabalho”.

Existe, sim, o conceito de “não-trabalho”. Um conceito pouco celebrado mas cada vez mais importante. É a linha de reflexão que nos leva ao ócio ou, por outras palavras, ao tempo livre ou ao lazer. Mas esta é outra questão que fica para mais tarde até porque acerca dela já muito reflecti.

A realidade social do desemprego é pesada. Representa um grave sinal de desigualdade no acesso às oportunidades de participar na vida e construção do futuro da comunidade. O desemprego é, para a maioria dos que nele caem, um buraco negro, por vezes sem regresso.

É claro que muitos países, como a Espanha, sustentaram, durante anos, taxas de desemprego ainda mais elevadas que os 7,1%, recentemente apresentados pelo INE, que constitui uma taxa record do desemprego, em Portugal, nos últimos 6 anos. Mas as contrapartidas para uma elevada taxa de desemprego em países como a Espanha (aqui tão perto!) foram uma rápida transformação do tecido produtivo no sentido do crescimento económico e uma redução radical do deficit nas contas públicas.

Nos últimos 3 anos não foi isso que aconteceu em Portugal. O desemprego cresceu, a economia estagnou, ou regrediu, e o deficit real das contas publicas aumentou.

A situação é ainda mais desastrosa quando, desde as eleições de Março de 2002, se constituiu uma maioria política à qual foram dadas todas as condições para concretizar um programa que contrariasse essa tendência que se havia desenhada antes. Todos estavam avisados e por isso é inexplicável a desastrada ideia de José Manuel Barroso de repetir o “discurso da tanga” e da “pesada herança” durante todo o tempo. E é de pasmar a repetição do mesmo discurso, por Santana Lopes, nos debates da presente campanha eleitoral.

O deficit das contas públicas, em Espanha, rondará, actualmente, os 0%? Assim também será possível, em Portugal, nos anos próximos, caso haja um governo socialista estável? Será possível defender taxas elevadas de desemprego desde que seja aceitável pela opinião pública uma política de redefinição do padrão de especialização da nossa economia, estimulando o crescimento económico, com redução do deficit? A margem de credibilidade de uma resposta positiva a estas perguntas é estreita. O Estado teria de emagrecer e de se reorganizar, ganhando agilidade e eficácia e um acordo social amplo teria de ser celebrado.

Convenhamos que conduzir esse processo, em Portugal, é algo de loucos. Portugal, verdadeiramente, ainda não saiu do salazarismo. O discurso social dominante é: “Não fazer ondas”, “não dar nas vistas”, “olha que te queimas!”, “isso não foi nada comigo!”, “ele, ou ela, que explique”, “eles, ou elas, é que sabem”, “por nós tudo bem”, “venha amanhã que já cá estará o responsável”. É um discurso autoritário/burocrático, castrador da iniciativa, penalizador do risco, indulgente com a inércia e glorificador da “bufaria”, da inveja e da intriga. No plano político é um discurso de “passa culpas”, e de “desculpas”, no qual, aliás, Santana Lopes e o inefável José Manuel Barroso, ao seu estilo, são especialistas.

Numa primeira impressão todos vão estar contra uma verdadeira política de modernização do país que Sócrates tentou expressar na consigna do “choque tecnológico”, que bem compreendo. Quando se trocar por miúdos o “choque tecnológico”, caso venha a ser aplicado, o choque para os burocratas, e a maioria dos empresários, vai ser de arrepiar. Será necessário mudar quase tudo! É como se os portugueses, de forma imaginária, passassem a seguir à risca a palavra de ordem: “Trabalhe no Luxemburgo, cá dentro!”.

Todas as corporações vão defender os seus privilégios. Todos os cidadãos se vão considerar de primeira para obter os benefícios que vislumbrem nesse plano, e em cada um das suas medidas, e fingir-se desapercebidos para não contribuir em nada para que ele se torne possível.

Mas uma coisa é certa e foi adquirida ao longo desta campanha eleitoral: para mudar alguma coisa, não só no Estado, como na sociedade civil, com reflexos reais na vida quotidiana dos portugueses, é necessário um poder político forte. A tradução imediata desta necessidade é que saia destas eleições um governo de um só partido, ou seja, a maioria absoluta do PS. (Escrevo na quinta-feira anterior ao domingo eleitoral).

Um poder forte, em democracia, rege-se pelo princípio da aplicação do primado da atribuição a um partido do máximo de capacidade de persuasão da opinião pública com um mínimo de violação dos direitos adquiridos e das liberdades dos cidadãos. É talvez para cumprir este objectivo que, em alguns países do mundo democrático, predomina o modelo de "dois partidos", como nos EUA ou na Inglaterra. No fundo o que interessa, salvaguardadas as diferenças da tradição política, da história e da dimensão dos países, é conciliar a salvaguarda dos direitos adquiridos pelos cidadãos (as conquistas essenciais do "estado social"), as liberdades individuais, o estímulo à criação, o fomento da inovação, a defesa da informação livre e da liberdade de escolha.

Uma equação, está bem de ver, quase impossível de resolver, com sucesso, em Portugal. Essa é a razão de fundo pela qual os governantes competentes se retiram da gestão da "coisa pública", ou se cansam e abandonam “o barco a meio da travessia”.

Hoje pode-se, em campanha eleitoral, tornear os problema com respostas evasivas mas, amanhã, no governo, não será possível fugir à tomada das decisões e à sua execução. O desemprego é um flagelo social mas é perigoso, para quem quiser governar, no mínimo, a prazo de 4 (ou 8 anos), apresentar-se com a panaceia de se libertar dele a curto ou, mesmo, a médio prazo.

Quero dizer que a taxa de desemprego nos próximos anos, em Portugal, vai continuar a ser relativamente elevada. Dito de outra maneira: uma taxa de desemprego baixa pode ser, e será, muito provavelmente, incompatível com um modelo de política económica assente no crescimento, na qualificação dos recursos humanos e, paradoxalmente, na criação de emprego.

A qualificação dos recursos humanos, organizada e impulsionada em turbilhão, como terá de ser, tal o nosso atraso relativo face à média europeia, e a introdução acelerada das novas tecnologias de informação, ou seja, de tecnicidade, promove a “morte” de muitos postos de trabalho. Por isso só há uma solução para abordar, de forma séria, a questão do desemprego: admitir a sua realidade, conter os custos económicos e humanos da sua eclosão e promover políticas activas que estimulem o investimento (nacional e estrangeiro) e uma mudança do padrão de especialização da nossa economia e do paradigma do trabalho. (Mas atenção que esta questão é velha e tem sido abordada e equacionada vezes sem conta. Não é preciso "inventar" nada de novo para encontrar os caminhos para a saída da crise).

Mas o factor novo e determinante que constitui uma dificuldade e, porventura, a chave de uma estratégia de combate realista e eficaz ao desemprego está na questão do chamado "envelhecimento demográfico".

É no “envelhecimento demográfico” que está a verdadeira “bomba ao retardador” que poderá fazer implodir o princípio em que se fundamentou a criação do chamado “estado providência”: a solidariedade inter-geracional. Mas é aí que se encontram também as bases de partida para aquela mudança de paradigma.

É na abordagem do fenómeno do “envelhecimento demográfico” que se encontra o segredo do combate ao desemprego. Aqui têm lugar as políticas de envelhecimento activo, a inovação do próprio conceito de trabalho ( e de lazer), a flexibilização da idade de reforma, a penalização social e penal das reformas antecipadas, uma nova ética de responsabilidade social de empresários e trabalhadores, um novo papel dos sindicatos...

O PS deu alguns sinais que permitem antever uma abertura para a abordagem aprofundada destas questões decisivas para que a esquerda assuma, numa base moderna, a bandeira do combate ao desemprego. Não sei se o PCP e o BE estarão abertos a participar neste debate. Ao futuro governo PS compete provar que é capaz de abrir esse caminho com, ou sem, maioria absoluta.

Mas vai haver muita incompreensão, na base eleitoral do PS, acerca dos previsíveis resultados desse debate e da sua tradução em medidas políticas concretas. E este é um dos testes para verificar da capacidade da liderança socialista para sobreviver na difícil conciliação das exigências do tempo imediato (conservadorismo e satisfação de clientelas...) com as mudanças exigidas pelo tempo futuro (modernização e criação de riqueza...).

Wednesday, February 09, 2005

A Imigração nos programas eleitorais do PS e do CDS/PP - Legislativas de 2005

PS

“VII. Para uma política de imigração inclusiva (Capítulo Autónomo).

Portugal optou por uma política de abertura regulada à imigração, adoptando uma estratégia em torno de três eixos: regulação, fiscalização e integração. Esta estratégia foi inspirada na estratégia da União Europeia de criação de políticas comuns de estrangeiros e de asilo, a qual merece total adesão do Partido Socialista.

A partir da segunda metade dos anos noventa do século passado, assistiu-se a um notório acréscimo do número de imigrantes que procuraram o nosso País. Hoje o número de estrangeiros que vivem e trabalham em Portugal aproxima-se, ou talvez exceda, os 4% da população residente. Este acréscimo deveu-se a um período de prosperidade que pôs a descoberto as limitações de mão-de-obra em alguns sectores da actividade económica.

Ficou claro que um acentuado ritmo de crescimento – para já não falar da necessidade de inversão do défice demográfico – não prescinde do recurso a mão-de-obra estrangeira, podendo até suceder que no futuro esse recurso tenha de se acentuar, particularmente em áreas de mão de obra qualificada. Este surto recente de imigração diversificou dramaticamente as origens, as culturas, os graus de qualificação dos imigrantes.

Depois do ciclo de prosperidade veio a crise económica que atingiu os imigrantes tão duramente como os portugueses. Sabemos que muitos dos sem-abrigo mais recentes são cidadãos estrangeiros apanhados por uma crise que não conseguem enfrentar por falta de enquadramento social mínimo.

Esta situação faz com que a curto e médio prazo a vertente da integração assuma um cariz prioritário, sem esquecer as outras duas vertentes estratégicas da fiscalização e da integração.
Os imigrantes procuram-nos para melhorar a sua vida, mas cumprem um papel importante no nosso desenvolvimento. Por isso temos o dever de lhes proporcionar o acesso a condições mínimas de sustentação e de integração.

Este dever não se funda apenas em motivos de ordem ética e humanista, funda-se também em relevantes motivos de interesse nacional: imigrantes insuficientemente integrados, instáveis, com problemas sociais, são um factor de perturbação que contribui para sentimentos de insegurança dos cidadãos. A contrapartida deste dever da comunidade nacional para com os imigrantes é o dever destes aceitarem e praticarem as regras mínimas de convivência social consagradas na Constituição.

Assim, numa perspectiva de integração, enfrentamos um duplo desafio: reforçar os mecanismos de integração dos imigrantes, e estender-lhes um conjunto mínimo de mecanismos de protecção social idênticos àqueles de que desfrutam os portugueses.

Para cumprir tais objectivos, promoveremos:

• O reconhecimento de um estatuto de cidadania a quem tem fortes laços com Portugal, designadamente a indivíduos que nasceram em território nacional que são filhos de pai ou de mãe não nacionais nascidos em Portugal, ou filhos de quem já vive há alguns anos em Portugal, e se encontre integrado na sociedade, qualquer que seja a sua situação face à lei;

• A garantia da igualdade de tratamento, particularmente nos domínios social e laboral;
• A criação de mecanismos de protecção social mínima para imigrantes que tenham perdido o seu emprego;

• A participação dos imigrantes na vida política, designadamente através da participação nas eleições autárquicas, após um período de permanência no território nacional;

• A criação de mecanismos e programas de integração e de incentivo a quadros qualificados nas áreas em que o País mostra maiores carências, bem como a utilização adequada de recursos humanos qualificados já imigrados em Portugal;

• A multiplicação de oportunidades de aprendizagem do português por estrangeiros, bem como da formação para a cidadania;

• A facilitação dos processos de equivalência de diplomas e qualificações profissionais obtidas no estrangeiro;

• O desenvolvimento de programas específicos para a integração plena de segundas e terceiras gerações;

• O acesso dos filhos dos imigrantes e das minorias étnicas às creches, aos jardins-de-infância e ao pré-escolar;

• O lançamento de campanhas de educação sexual e planeamento familiar, particularmente destinados aos jovens imigrantes, tendo em conta a diversidade e os códigos culturais;

• A participação das associações de imigrantes no processo de integração;

• A frequência de cursos de formação profissional por parte de imigrantes que residam ou permaneçam legalmente em Portugal;

• O desenvolvimento de uma rede nacional de informação aos imigrantes e minorias étnicas, em colaboração com as autarquias locais;

• A criação de material didáctico do ensino básico e secundário que contribua para atingir níveis satisfatórios de sucesso escolar das crianças e jovens filhos de imigrantes;

• Programas de inserção social e ocupacionais da mulher migrante.

A aposta muito empenhada na integração será acompanhada por um reforço da regulação e da fiscalização.

A regulação procurará encorajar a imigração legal e desencorajar a imigração irregular. Para tanto, urge recuperar mecanismos de flexibilização da regulação dos fluxos, como as autorizações de permanência, desenvolver acordos com países de origem e criar mecanismos de resposta mais rápida e eficaz aos pedidos de imigração canalizados pelas vias legais.

A fiscalização centra-se na repressão das redes de recrutamento ilegal de mão de obra e de tráfico de seres humanos.

No plano institucional, será reforçada a figura do Alto Comissário para Imigração e as Minorias Étnicas.”

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CDS-PP

A Imigração é integrada no Capítulo: “Administração Interna e Segurança”

“Ponto de partida

No âmbito da Administração Interna e Segurança importa centrar a nossa atenção em cinco áreas principais: segurança, sinistralidade, prevenção e combate a incêndios, protecção civil e imigração”


“Por fim, no âmbito da imigração, foram dados passos decisivos e corajosos que nos permitem, agora, concentrar a nossa atenção em pontos relevantes, como as possibilidades reais do nosso país em relação ao acolhimento com humanidade dos imigrantes. De facto, o CDS contribuiu decisivamente para que a política de imigração deixasse, em definitivo, de ser socialmente fracturante. Essa é uma marca que não podemos deixar de salientar.

Na próxima legislatura, o CDS dará às Forças de Segurança, e às demais matérias deste capítulo, a prioridade que sempre o caracterizou. Dizemos mais: o CDS acha-se especialmente capaz de promover um ambiente de segurança, tal como foi capaz de devolver dignidade às Forças Armadas.”

No âmbito do capítulo em referência referem-se as metas respeitantes à imigração:

“As nossas metas são:


“Manutenção do princípio da imigração legal em conformidade com as possibilidades reais do país, visando o acolhimento, com humanidade, de imigrantes.”


“• Assegurar uma análise rigorosa das condições e possibilidades reais de acolhimento humano de imigrantes, pelas entidades competentes em matéria de imigração;

• Intensificar a cooperação internacional em matéria de combate às redes de tráfico de imigração ilegal, tanto no âmbito da União Europeia como nas relações com países terceiros;

• Colocação de mais elementos de ligação quer nos países de origem da imigração, quer em certos pontos mais sensíveis de trânsito dos imigrantes.”

Friday, February 04, 2005

Eleições, continuidade e mudança

Um debate recente na RTP-1 mostrou “senadores” maduros e lúcidos. Esse debate entre Mário Soares, Freitas do Amaral, Pinto Balsemão e Adriano Moreira, ao contrário do que alguns comentadores influentes disseram, não me parece ter mostrado “senadores” desfasados da realidade como poderia parecer à primeira vista.

O que acontece é que a credibilidade da política na sociedade portuguesa atingiu o grau zero. Ninguém parece estar disponível para debater as suas próprias ideias, quanto mais aceitar ser persuadido pelas ideias dos outros. Muito menos pelas ideias dos políticos no activo. “São todos iguais” é a frase que mais se ouve por todo o lado. Mas todos sabemos que, de facto, não são todos iguais.

A televisão é vista como um ringue onde o pugilato é o mínimo que se pode exigir no argumentário dos que aceitam lutar dentro das cordas. Pouco falta para que o “assassínio”, em directo, seja considerado aceitável. Nada que não esteja presente nas antecâmaras do poder onde se movem as eminências pardas que preparam os golpes políticos “hardcore” e os “números” mediáticos que se destinam a dar-lhes credibilidade.

As ideias tornaram-se “maçadoras” e a elegância no exercício da crítica uma melodia de meninos de coro, desprezíveis e lunáticos, sem futuro na gestão da “coisa pública” e não só. Ora os “senadores”, nesta situação difícil do país, tão bem analisado por José Gil no seu livro “Portugal, hoje – O medo de existir”, têm a enorme vantagem de, tendo passado valoroso, pelo menos, na aparência, não terem “futuro promissor”.

O que foi dito era o que tinha de ser dito. O país confronta-se com uma situação de crise grave. O pano de fundo em que se inscrevem os progressos, erros e ineficiências, dos últimos 30 anos carece de ser levado em conta para o enfrentamento dos problemas presentes. Mas o Portugal contemporâneo integra a UE, aderiu à moeda única, está exposto à concorrência internacional, não é mais a autarcia do passado.

Que ninguém esqueça, ao mesmo tempo, que os aspectos positivos da política de modernização do país, sob a gestão de governos dominados pelo PSD e pelo PS, foram, desde 2002, submersos pela retórica da “pesada herança”. O governo de coligação de direita, a que presidiu José Manuel Barroso, escarneceu e humilhou, até aos limites da abjecção, os governos socialistas que o antecederam lançando os portugueses na mais profunda descrença e descredibilizando o país no concerto das nações.

De Santana Lopes não vale a pena falar pois é um caso de estudo para a ciência política; trata-se, quanto muito, de um prelúdio de ameaça autocrática, de feição mediática, que merece atenção mas que não cabe neste espaço.

O advento de uma nova maioria política, necessária para assegurar a retoma de uma dinâmica modernizadora de Portugal, desde logo na área da economia, que só pode ser protagonizada pelo PS, exige rupturas, mas não pode prescindir de todos os “outros que não os nossos”.

Não se devem esbater as diferenças políticas, programáticas e pessoais, entre os diversos partidos que disputam as eleições, mas aconselha a inteligência que se evite a política da “terra queimada” em relação à herança.

É necessário assegurar a continuidade de iniciativas, programas e projectos, em suma, de políticas nas quais o compromisso nacional é imprescindível e inadiável para evitar o abismo do adiamento sucessivo das mudanças decisivas com as quais, na essência, afinal todos concordamos. (Exemplos comezinhos: a consolidação orçamental, o combate á evasão e fraude fiscais, a “lei das rendas”, o “código da estrada”, o “abandono escolar precoce”, ...).

O que os portugueses esperam é que as políticas sufragadas nas urnas, nas eleições de 20 de Fevereiro próximo, assegurando a continuidade desejável e assumindo as rupturas necessárias, sejam levadas à prática com coragem inscrevendo, na nossa vida colectiva, esperança no futuro e confiança nas instituições democráticas.

Quando falo em coragem quero dizer que a política portuguesa não pode mais comprazer-se com posturas auto flageladoras em que a falsa humildade e o excesso de prudência excluem o enfrentamento da mediania, do medo e da inveja nacionais.

Pois se é verdade que é pequena a margem pura onde cabem as promessas eleitorais e grande a desconfiança popular na palavra dos políticos é urgente acreditar que mesmo quando tudo parece estar perdido ainda tudo, ou quase tudo, pode ser possível alcançar.

(Artigo publicado no "Semanário Económico" na sua edição de 4 de Fevereiro de 2005)