Monday, September 20, 2004

Ministério do Turismo

A Revista "Turismhotel", publicou, sob o título "Ministério do Turismo num Contexto de Crise", acompanhado de uma amável nota, o artigo "Ministério do Turismo" originalmente publicado, em inícios de Agosto de 2004, pelo "Semanário Económico". Aproveito esta oportunidade para o disponibilizar, em permanência, neste espaço.

O governo, saído da recente crise política, criou o Ministério do Turismo. Esta decisão merece ser comentada no contexto de uma crise do sector turístico que ninguém esconde e que os números confirmam.

Na actividade turística as notícias são impiedosas. Em 2003 o total de viagens, realizadas por residentes, caiu 16,6%, face a ano anterior. Este é um indicador, entre muitos, que indiciam a crise do sector.

Os resultados da actividade turística nacional, em 2003, foram maus. Por diversas razões de natureza externa e, no essencial, pela “política da tanga”. Os de 2004 não deverão ser melhores. Todas as informações apontam, por exemplo, para uma situação desastrosa das taxas de ocupação da hotelaria no Algarve, o maior destino turístico nacional.

A crise na actividade turística não aproveita a ninguém? Certamente que perdem a maioria das empresas (fracos negócios) e os cidadãos (menos qualidade de vida). Mas os preços das viagens, incluindo hotelaria e restauração, subiram, sob os mais diversos pretextos, como se o país vivesse uma época do "ciclo alto" da economia.

Há quem queira ganhar muito em pouco tempo. Muitos esquecem que o turismo não é um negócio especulativo. O turismo é, pelo contrário, uma actividade complexa que suporta cada vez pior os tratos de polé de políticas irrealistas. São os casos, por exemplo, da “diplomacia económica” do anterior governo (quais os seus resultados?) e da falta de medidas, assumidas pelo Estado, que promovam a qualidade e penalizem os “mixordeiros”.

O mercado é uma realidade que, no caso da actividade turística, não carece de demonstração. O que está em falta, abarcando um vasto e múltiplo conjunto de segmentos da actividade turística, é a definição – e aplicação – da intervenção reguladora e fiscalizadora do Estado.

A criação o Ministério do Turismo devia ser uma oportunidade para desenvolver e aprofundar essas políticas desmentindo, assim, a ideia de que se tratou de um arranjo político de ocasião destinado a satisfazer o apetite de poder do PP e, já agora, uma velha aspiração da Confederação do Turismo.

Já sublinhei, noutros escritos, a importância estratégica do turismo para o desenvolvimento das economias e sociedades contemporâneas, em contexto de globalização, justificativas da sua valorização institucional.

O caso do nosso país é exemplar. Portugal ocupa um lugar de “potência intermédia” no ranking da actividade turística, cerca do 10 º lugar europeu e 16 º mundial, o que é notável atenta a dimensão física e demográfica do país.

Sustento que, sendo o turismo uma actividade transversal e multidisciplinar, muito relevante na dinâmica do desenvolvimento integrado da sociedade portuguesa, deveria, no governo, integrar um Ministério que exercesse a tutela dos transportes e do ordenamento do território. Aliás esta opinião coincide com a da maioria dos operadores turísticos portugueses e suas associações. A minha preferência é a do modelo francês (aliás a França é a primeira potência turística mundial) no qual o turismo está integrado, ao nível de secretaria de estado, no “Ministério do Equipamento, Transportes, Ordenamento do Território, Turismo e Mar”. (Que diferença em relação à estrutura do governo português actual!).

Aliás, além de Portugal, nos países da União Europeia, só em Malta existe um Ministério do Turismo, desde 2003, integrando também a cultura. Esse é o modelo adoptado nos países do Norte de África e nalguns outros do chamado “terceiro mundo”.

Não quer dizer que não possa ser uma originalidade bem sucedida no nosso país. Tudo depende do peso político que alcançar, da competência dos seus titulares e … do tempo que durar.

Sunday, September 19, 2004

Apresentação breve

IR AO FUNDO E VOLTAR foi criado para acolher textos de minha autoria, contemporâneos ou passados, que, pela sua extenção ou natureza, não se enquadram no formato dos blogs de intervenção quotidiana nos quais participo.

IMIGRAÇÃO - ESQUERDA E DIREITA

Texto publicado na última edição do "Acção Socialista" (10 a 17 de Outubro de 2004)

INTRODUÇÃO

A moção “Uma Esquerda com Raízes e com Futuro” e as intervenções dos seus subscritores têm colocado no debate do PS a questão da imigração, chamando a atenção para a sua importância.
Entretanto, as intervenções dos candidatos a secretário-geral (e as suas moções) ou ignoram o assunto ou apenas lhe fazem referências passageiras que de modo nenhum enfrentam o cerne da questão. É preciso tomarmos consciência de que as propostas dos socialistas têm de distinguir-se nitidamente da hipocrisia da direita nesta matéria.
No texto que se segue, Eduardo Graça, que tem uma intervenção pública regular sobre esta questão, junta-se a nós para sublinhar a necessidade dessa clareza por parte dos socialistas num ponto que marcará o nosso futuro como civilização.

As abordagens conservadoras do fenómeno da imigração costumam apontar um paralelismo entre o aumento do desemprego e a imigração, acrescentando uma pitada de “xenofobia social”. Há uma relação directa entre o aumento da imigração e o aumento do desemprego? Não está provado. Os indicadores da década de 90, em particular, na sua segunda metade, apontam para taxas de desemprego reduzidas e fluxos de imigração elevados.

O estudo recente “Contributos dos imigrantes na demografia portuguesa”, de Maria João Valente Rosa, aponta para a necessidade de Portugal “importar” 188.000 imigrantes por ano, durante 20 anos, para que em 2021 não se tenha degradado a relação estatística entre pessoas activas e pessoas idosas que o país detinha em 2001. Este dado, só por si, ilustra a dimensão do desafio político e social que a palavra “imigração” comporta para o futuro de Portugal.

A tese das correntes da direita ultra conservadora associa desemprego com imigração e imigração com insegurança. Mas a maior parte dos estudos sérios não confirmam, antes desmentem, essas teses. O que a realidade mostra, a quem quiser ver, é que o Ocidente precisa dos imigrantes, por duas ordens de razões. Pelo fenómeno do envelhecimento das populações, que não permite já promover a reposição das gerações: é a questão demográfica. Pela consequente incapacidade de dispor de uma massa crítica de mão-de-obra disponível capaz de assegurar o funcionamento da economia: é a questão económica.

O fenómeno da imigração comporta riscos para as regiões e países de acolhimento. É óbvio que sim. Contudo, o papel dos imigrantes na economia dos países do ocidente é necessário e útil. As vantagens da imigração superam largamente os riscos que lhe são inerentes, em particular, as dificuldades de integração social. E não podemos deixar de contar com o facto de que o povo português tem uma experiência histórica inigualável de demandar novos países e culturas em busca de melhores condições de trabalho e de vida: é a história da emigração. Tem, por outro lado, mostrado, ao longo da história, qualidades excepcionais no acolhimento de estrangeiros e capacidade em lidar com as diferenças culturais e étnicas que essas comunidades transportam consigo.

A abordagem da questão da imigração tem permitido à esquerda, em todos os países, introduzir nas políticas sociais uma forte marca distintiva em relação à direita. Espero que a deriva “pragmática” de algumas correntes socialistas não nos faça cair na tentação de adoptar e aplicar medidas legislativas “realistas” na política de imigração, abdicando dos princípios do humanismo e da tolerância.

Estas duas simples palavras – humanismo e tolerância – são, na prática concreta das políticas de imigração, a diferença entre a esquerda e a direita. A esquerda, reconhecendo a necessidade dos imigrantes nos planos demográfico e económico, estabelece programas estruturados de necessidades de mão-de-obra, pugna por políticas racionais de acolhimento e de plena inserção social.
A direita estabelece limites administrativos (fomentando, na prática, a imigração clandestina), abre as portas à exploração desenfreada da força de trabalho imigrante e deixa ao sabor das “boas vontades” as políticas de inserção social criando o fermento da xenofobia e do racismo.

Esta é uma questão sensível que exige a definição de políticas concretas por parte de cada um dos candidatos à liderança do PS. Vamos a isso?