Saturday, October 16, 2004

"A mais estúpida das medidas"

A Senhora Ministra das Finanças tem razão quando afirma que o chamado “congelamento” da contratação de pessoal na Administração Pública (AP) é a mais estúpida das medidas.

Sem entrar em detalhes acerca da complexidade das questões que se escondem por detrás da frase corajosa da Senhora Ministra diria que ela foi para além do limiar da sinceridade. É uma confissão de quem entendeu, desde o início, que aquele tipo de medida, sendo politicamente correcta na lógica da dramatização da “pesada herança socialista”, é irracional do ponto de vista do interesse público.

É uma medida que penaliza os organismos e dirigentes que se empenham em processos de modernização da AP e gratifica o imobilismo daqueles que vivem na lógica da “ocupação do lugar” e do “deixa andar”.

O resultado final de medidas estúpidas é invariavelmente o desperdício de recursos – no caso em apreço os investimentos em formação profissional e no rejuvenescimento dos quadros da AP – os dramas pessoais e profissionais resultantes do desemprego e da desmotivação de dirigentes e trabalhadores empreendedores que assumem os riscos da mudança.

A minha experiência de sete anos da gestão do INATEL é, neste domínio, interessante de conhecer. Em traços largos estamos a falar de uma organização de natureza pública, com autonomia administrativa e financeira, na qual está consagrado o estatuto do contrato individual de trabalho e que dispõe de capacidade para gerar receitas próprias que financiam cerca de 80% do seu orçamento.

O crescimento e a qualificação das actividades do INATEL, desde 1996 a finais de 2002, foram acompanhados por um decrescimento, em termos absolutos, do pessoal ao serviço que passou de 1262 trabalhadores, em 1995, para 1208 em 2002, considerando a média anual dos trabalhadores do quadro e em regime de contrato a termo certo.

Nesse período de sete anos entraram, no entanto, para os quadros do INATEL 183 novos trabalhadores (uma média de 26 trabalhadores por ano) sendo que entre 1996 e 1999 se verificou um quase “congelamento” da admissão de pessoal no quadro no qual ingressaram somente 32 trabalhadores.

O acréscimo de qualificação e tecnicidade do pessoal é evidenciado pelo número de técnicos superiores, ao serviço do INATEL, ter passado de 79 em 1995, para 152 em 2001, dos quais 81, com idade inferior a 39 anos, sendo 56 mulheres.

Por sua vez os custos globais com o pessoal sofreram uma forte e consolidada tendência de contenção, decrescendo mesmo 3,6% em 2002, face a 2001, que obviamente não reflecte o resultado da “mais estúpida das medidas” mas a consequência da aplicação de um longo e sustentado processo de racionalização encetado, nos últimos anos, em clima de paz social.

Estamos pois perante um caso exemplar no qual foi imposto, desnecessariamente, não só o “congelamento” da contratação de pessoal, como da renovação dos contratos a termo, apesar de ter sido, de forma explícita, reiterada e tecnicamente irrepreensível, solicitada, pelos canais próprios, a declaração de uma mais que justificada excepção que, ao que sabemos, até hoje, nunca foi concedida.

Os resultados da gestão de 2002 foram bons, porque acautelados por uma gestão profissional, dedicada, rigorosa e responsável, mas aquelas medidas, desajustadas à realidade do INATEL, podem deitar a perder muitas das aquisições positivas de um processo de modernização, em particular, na qualificação, tecnicidade e rejuvenescimento do pessoal afectando a qualidade de serviço adquirida nos últimos anos.

Foi esta situação absurda, entre outras, que abordei numa entrevista concedida ao Semanário Económico, publicada na edição de 31 de Janeiro de 2003. O despacho da minha exoneração das funções de Presidente da Direcção do INATEL tem a data de 4 de Fevereiro.

Mas as medidas estúpidas não deixam de o ser mesmo depois de assumidas por governantes inteligentes.

A mais estúpida das medidas, caso não seja emendada, com rigor e bom senso, sentido reformista e respeito pelas diferenças, continuará a originar perdas graves na segurança e qualidade dos serviços públicos, agravamento de custos onde se pretendem obter poupanças, abrindo o caminho a privatizações injustificadas de instituições públicas, económica e financeiramente viáveis, como é o caso do INATEL.

(Sem data mas escrito, certamente, em Fevereiro de 2003.)




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