Friday, April 21, 2006

COMO PARTICIPEI NA COLUNA DE SALGUEIRO MAIA NA MADRUGADA DO 25 DE ABRIL DE 1974

Transcrição de alguns posts de uma série publicada no Absorto em Março/Abril de 2004 com algumas pequenas precisões e um parêntese final.

A espera sem fim

Nessa espera sem fim da madrugada de 24 de Abril de 1974 a certa altura alguém me acordou com incontida emoção. Tinha passado a canção.

Era mesmo a sério. A noite ia alta. Saímos os três. Eu e o João Mário Anjos metemo-nos no carro do António Dias que, conduzido por ele, caminhou para a 2ª Circular a caminho do Campo Grande. O António Milhomens saiu para a baixa da cidade.

O nosso objectivo era tomar posição dentro do 2º GCAM (2º Grupo de Companhias de Administração Militar) o mais cedo possível. Mas, ao contrário do que aconselhava a prudência, não o fizemos logo. Antes fomos dar uma volta de carro pelas redondezas a ver o que se estaria a passar na EPAM.

Passamos defronte da EPAM (Escola Prática de Administração Militar) e conseguimos ver o Teixeirinha junto ao muro, equipado de arreios, preparado para integrar o grupo que ocuparia a RTP. Não observamos nenhum outro sinal da acção iminente.

Regressamos à 2ª Circular para reforçar a observação do movimento começando a desconfiar que ia ser um novo 16 de Março. Um fracasso. Encetamos, de novo, o caminho do quartel do Campo Grande. Ao entrar no Campo Grande surgiu, inesperadamente, diante de nós, uma coluna militar.

Finalmente sinais de acção

Retenho muito viva na memória a imagem do carro do combate que encabeçava a coluna a irromper diante de nós. Tinha surgido na escuridão da noite uma coluna militar que tomaria a direcção do centro da cidade. Vislumbramos um carro "nívea" da polícia na penumbra que não esboçou qualquer movimento.

O Campo Grande não era como hoje. Havia um desnível e o carro de combate que vinha na nossa direcção deu um salto rápido para tomar contacto de novo com o chão. Foi uma espécie de salto mágico que desde esse momento, com frequência, me assalta a memória. A comoção que sentimos é indescritível. Era um sonho que se tornara realidade. Fomos, certamente, os únicos que assistimos e registamos, ao vivo, esse momento. Esta é a primeira vez que ele é relatado.

Soubemos, mais tarde, que aquela era a coluna, oriunda de Santarém, comandada pelo Capitão Salgueiro Maia. Naquele momento colocava-se a opção de cumprir o nosso objectivo e entrar no quartel do Campo Grande ou seguir atrás daquela surpresa entusiasmante.

Na peugada da coluna de Salgueiro Maia

Perante o dilema de entrar, de imediato, no Quartel do Campo Grande ou seguir atrás da coluna militar tomamos a opção de perseguir a coluna. Mas antes deixamos o João Mário Anjos no quartel. Eu com o António Dias ao volante do Datsun 1200, matrícula HA-79-46, segui atrás da coluna de Salgueiro Maia.

A caminho da Avenida da República pensei com os meus botões na fraqueza aparente da força militar que havia de ser decisiva no destino do 25 de Abril. Um soldado que era visível num dos carros apresentava um aspecto de uma fragilidade impressionante. Era uma coluna militar pouco convincente, pelo aspecto exterior, ostentando sinais de fraca capacidade militar.

Na Avenida da Liberdade lembro-me de ter visto um polícia tomar a iniciativa de mandar parar um ou outro carro para não perturbar o avanço da coluna. Seriam 4 horas da madrugada e saíam clientes do "Cantinho do Artista" no Parque Mayer.

Éramos, certamente, os únicos perseguidores e acompanhantes exteriores daquela força e queríamos viver os acontecimentos ao vivo.

Rua do Arsenal

Tomada a decisão de ver com os próprios olhos o desenvolvimento da acção militar fomos sempre atrás da coluna atravessando a baixa no sentido do Terreiro do Paço. Chegada à Rua do Arsenal a coluna parou. Os tanques posicionaram-se no terreno.

Havia um vaso de guerra no Tejo e a discussão era se estava a favor ou contra o movimento revoltoso. Decidimos que chegara a hora de abandonar o local pois não era aquela a nossa guerra. Não podíamos ficar mais tempo sacrificando a nossa própria missão.

Ultrapassamos a coluna facilmente e seguimos em frente. Sempre fiquei com a convicção que a vitória da Revolução foi decidida na Rua do Arsenal antes dos acontecimentos do Largo do Carmo.O povo ainda não tinha descido à rua.

Estávamos na fase das puras operações militares, propriamente ditas, sem as quais não seria possível desencadear o verdadeiro processo político que precipitaria a queda do regime. Afinal as forças armadas estavam a prestar um serviço público que poderia redundar num pesadelo para os seus protagonistas.

O renascimento da liberdade

Era a velha questão da liberdade que se jogava naquelas horas. Participei, com os meus dois camaradas, João Mário e António, num daqueles momentos raros da história das nações em que algo de essencial muda.

A mudança do destino da vida de toda uma comunidade e de um povo. Um daqueles momentos raros de fusão em que um regime, que no dia anterior parecia inexpugnável, cai fulminado como se nunca tivesse tido apoiantes e seguidores.

Assistimos e participamos, ao vivo, a uma página ímpar da nossa história, aos últimos minutos de um regime de opressão e ao renascimento de um regime de liberdade. Estamos todos vivos e os nossos nomes são verdadeiros: António Cavalheiro Dias, João Mário Anjos e Eduardo Graça.

De saída daquela situação de acompanhantes anónimos da coluna militar, comandada pelo Capitão Salgueiro Maia, ainda nos cruzamos com a coluna de Cavalaria 7 que vinha ao encontro dos revoltosos. Era comandada pelo Brigadeiro Junqueira dos Reis, meu conterrâneo, que ainda outro dia vi num pequeno café da minha cidade de Faro. Ironia da história: Salgueiro Maia, o vencedor, está morto e Junqueira dos Reis, o vencido, está vivo.

O caminho de regresso ao nosso objectivo passou pela Ajuda onde o pessoal da Polícia Militar (PM) discutia o que fazer na entrada de Monsanto.

Ao longo desta digressão pela cidade sempre pensei que a desproporção de forças era demasiado grande, enorme e arrasadora, e que a coluna revoltosa não seria capaz de resistir a um ataque determinado. Receie que fosse destroçada em poucos minutos.

Salgueiro Maia

Afinal o Capitão Salgueiro Maia era um homem de coragem. No confronto decisivo da Rua do Arsenal foi o sangue frio de Salgueiro Maia que tornou vitoriosa a revolução. A sua impassividade e serenidade face à força inimiga obrigou a que o soldado atirador, sob ordens de um subordinado do brigadeiro, não fosse capaz de premir o gatilho. A serenidade do Capitão Salgueiro Maia sabendo que tinha a sua cabeça na mira do atirador congelou a situação.

Acredito pelo que presenciei que só a conjugação da coragem do Comandante da força revoltosa de Santarém, o embaraço do comandante da força do regime e a recusa do soldado em disparar permitiram o desenlace feliz daquela situação que, no plano militar, era absolutamente desfavorável aos revoltosos.

Assim se decidiu o destino da revolução. Entretanto tínhamos prosseguido o nosso caminho e entramos pacificamente no 2º GCAM.

[Segundo uma transcrição das comunicações entre as forças da situação, referentes às 08h05 da manhã de 25 de Abril, Marcelo Caetano perguntado pelo PR (Américo Tomás) acerca do que se passava, disse que “tinha muita esperança nos Pattons do RC7”. (Os Pattons eram os carros de combate do regimento de Cavalaria 7, integrados na força comandada pelo Brigadeiro Reis e pelo Coronel Romeira contra o Capitão Salgueiro Maia). Todas as comunicações, posteriormente conhecidas, confirmam a importância do confronto entre as forças do regime (RC7) e as forças da Cavalaria de Santarém comandadas por Salgueiro Maia na Rua do Arsenal/Terreiro do Paço, confirmando, plenamente, as nossas impressões escritas em Abril de 2004. Na publicação que citamos, “ A fita do tempo da revolução – a noite que mudou Portugal”, publicada em Setembro de 2004, a certa altura, na hora acima referida, surge a seguinte frase referindo-se ao ministro do exército Luz Cunha e aos acontecimentos em curso naquela zona da cidade: “Considera o Ministro esta acção muito importante no aspecto psicológico.”]

Monday, April 17, 2006

INATEL - UGT E CGTP ACORDAM A CRIAÇÃO DE UMA FUNDAÇÃO DE DIREITO PRIVADO

A meio de Janeiro de 2000 o acordo para a reforma estatutária do INATEL foi, finalmente, alcançado envolvendo o empenhamento das centrais sindicais.

Em 8 de Março de 2000 reuni, na Costa de Caparica, com os representantes da UGT e da CGTP, no Conselho Geral do INATEL, tendo em vista rubricar um documento que consagraria, formalmente, o apoio daquelas centrais à proposta de reforma entretanto acordada.

Nesse documento os representantes das centrais sindicais declaram “ter tomado conhecimento do texto do ante-projecto de Diploma relativo à reforma estatutária daquele instituto” dando a sua “anuência ao referido texto, constituído por preâmbulo do diploma, articulado do diploma e um anexo (Estatutos) em 38 (trinta e oito) folhas devidamente numeradas de 1 (um) a 38 (trinta e oito) que rubricamos e ficam apensas à presente nota.”

Nessa reunião participaram todos os representantes da CGTP (5) e três (3) dos cinco da UGT que subscreveram os documentos em apreço.

No projecto de estatutos o n.º 1 do Artigo 1.º apresentava a seguinte redacção: “A INATEL – Fundação para o Aproveitamento do Tempo Livre dos Trabalhadores, adiante designada abreviadamente por INATEL, é uma fundação de direito privado, com fins exclusivamente públicos e pessoa colectiva de utilidade pública, sob a tutela do ministro responsável pela segurança social.”

Foi esta a solução de compromisso possível no contexto da legislação de enquadramento e das perspectivas divergentes acerca da reforma em questão de cada uma das centrais sindicais.

A documentação, subscrita pelos representantes das Centrais Sindicais, contendo todas as peças conducentes à apreciação pelo Governo, foi enviada à tutela a meio de Abril de 2000 tendo sido, de imediato, distribuída para apreciação dos Secretários de Estado o que antecede a sua apreciação final pelo Conselho de Ministros.

Sei que o projecto foi discutido, a esse nível, tendo originado algumas propostas de alteração que não questionavam quaisquer aspectos relevantes tendo esta discussão decorrido até meados de Julho de 2000. O facto é que, por razões que me escapam, o diploma nunca chegou a ser aprovado.

Todas as diligências, da nossa parte, se mostraram improfícuas no sentido de fazer avançar um projecto que tinha ultrapassado o seu teste mais difícil, ou seja, o acordo com ambas as centrais sindicais tendo em vista, aliás, cumprir um dos objectivos formalmente consagrado no acordo de concertação estratégica.

Antes da chegada ao governo da coligação de direita, em Março de 2002, este processo de reforma haveria ainda de evoluir numa direcção que deixa subentendidas algumas razões para a sua não aprovação. É o que veremos a seguir.

“A Verdade de Uma Reforma” – 7 de 10)

Wednesday, April 12, 2006

DISCURSO DE ALÍPIO RIBEIRO DIRECTOR-NACIONAL DA PJ

Tomada de Posse do Director-Nacional da Polícia Judiciária - 10 de Abril de 2006

Cumprimentos Iniciais

(…)

Assumo as funções de Director Nacional da Polícia Judiciária intuindo as dificuldades que vou encontrar.

Assumo-as tendo a convicção de que, com a participação de todos os que nela trabalham, e sublinho, de todos os que nela trabalham, poderei contribuir para ultrapassar essas dificuldades.

Não posso ignorar que as instituições estão para além das pessoas, mas também não posso esquecer que não há instituições que se afirmem, e sobretudo que se renovem, independentemente das pessoas que, no quotidiano, lhe dão o rosto e o sentido da sua actuação.

A justiça precisa de uma Polícia Judiciária coesa e funcionalmente apta a responder às solicitações de uma criminalidade sofisticada e, muitas vezes, invisível.

O contributo da Polícia Judiciária para uma correcta e adequada administração da justiça é essencial.

A prova real da actividade da Polícia Judiciária é feita nos tribunais.

É a lei que o determina e é a prática que o comprova.

Creio que esta é a vertente que não poderia deixar de acentuar na minha primeira intervenção pública como Director Nacional.

Dissociar a actividade da Polícia Judiciária da administração da justiça, fazer cessar a convergência que, com mais ou menos equívocos, é certo, tem sido paradigma da nossa história judicial recente, seria um ensaio fútil que não deixaria de acarretar danos sociais.

Há muito pouco tempo, li uma autobiografia do escritor austríaco Stefan Zweig intitulada O Mundo de Ontem.

A propósito das convulsões sociais que abalaram os anos 20 do Século passado, e que desembocaram em trágicas soluções políticas de todos conhecidas, o autor citava uma frase atribuída a Goethe.

“Prefiro uma injustiça a uma desordem”, frase que se adequaria ao sentimento social da época.
Lembrei-me dessa leitura quando aceitei assumir estas funções e reflecti sobre muitos dos desencontros que hoje se verificam.

É preciso dizê-lo claramente: não há uma desordem, ou o perigo dela, que justifique uma injustiça.

Não há uma desordem, ou o perigo dela, que justifique o postergar de procedimentos legais que são aquisições da civilização.

Só pode ser este o sentido ético da actuação da Polícia Judiciária.

É essa a actuação que podem esperar de mim.

Avulta nas atribuições da Polícia Judiciária a competência específica para a investigação de crimes que o legislador elegeu face à sua previsível danosidade e complexidade.

Especificidade não significa auto-suficiência.
Especificidade não significa que se possam ignorar ou recusar os contributos de muitas outras entidades.

Especificidade traduz uma responsabilidade acrescida.

É imperioso concretizar um código de boas práticas na cooperação e na partilha da informação.

Espero, sinceramente, que o possamos realizar a breve prazo.

Uma investigação de um corpo superior de polícia criminal auxiliar da administração da justiça deve mover-se em três parâmetros de igual importância: eficácia, legalidade, transparência.

A sua credibilidade social e judicial depende de um correcto enquadramento em tais parâmetros.
A eficácia não pode dispensar a legalidade, nem estas podem dispensar opções criteriosas e objectivas.

A nova lei da política criminal cuja aprovação se avizinha, reforçará, naturalmente, essas exigências.

É um desafio que precisará de consensos nos métodos e na articulação.

Sou dos que pensam que uma lei é o que dela se fizer e esta, particularmente, assumirá um valor simbólico que não poderemos escamotear.

Teremos de prestar contas do que fizermos.

Teremos de explicar o que deixarmos de fazer.

Mas garanto-vos que não teremos medo de prestar todas as explicações.

Uma investigação tem um tempo próprio.

Tal como a capacidade dissuasora da pena tem mais a ver com a expectativa da sua aplicação do que com a sua medida objectiva, também uma investigação, que se prolongue para além do razoável perde a sua eficácia judiciária.

Todos temos a experiência disso.

A existência de uma cultura crítica que nos permita a avaliação rigorosa dos atrasos, dos procedimentos que a eles conduzem, será, com certeza, um estímulo para todos.

Devemos pensar seriamente na possibilidade de avaliação e análise externa que nos ajudem a clarificar os caminhos, obviamente dentro do contexto legal existente.

A necessidade do reforço dos contactos e das acções comuns no plano internacional decorrem da própria natureza do crime cuja competência de investigação cabe à Polícia Judiciária.

Os organismos internacionais de que somos parceiros são, para além de uma necessidade na investigação transnacional, uma fonte de enriquecimento técnico.

Nesta área, o intercâmbio com os países de expressão de língua portuguesa tem um significado especial a que gostaria de saber e poder responder e para o qual o Governo, com certeza, terá uma particular disponibilidade.

A estrutura da Polícia Judiciária tem hoje uma dimensão muito significativa e assimétrica que precisarão de ser corrigidas.

Num tempo de dificuldades, será este um contexto que é preciso ter em conta.

Mas todas as explicações terão sempre em vista um mesmo objectivo: melhorar a qualidade dos serviços que a Polícia Judiciária presta à comunidade.

É possível agilizar a gestão, é possível redimensionar a estrutura obtendo ganhos com o que se mostrar desnecessário.

Mas é também evidente que isso, só por si, não é suficiente.

Sei que o Governo está aberto às circunstâncias e que saberá encontrar as soluções mais adequadas.

Minhas Senhores e meus Senhores

Não quero fazer desta intervenção um programa de acção.

Mas não poderia deixar de assinalar algumas das minhas preocupações e também alguns dos meus propósitos.

Venho da justiça e sinto-me na justiça.

O que queria para a justiça é o que quero para a Polícia Judiciária.

Aceitei o convite honroso que me foi feito com o espírito desprendido mas com a vontade empenhada de algumas décadas ao serviço da justiça.

Não trago promessas.

Trago as certezas daquilo em que acredito.
De uma vez por todas, é preciso que a serenidade volte à Polícia Judiciária.

Que a crispação se torne diálogo.

Que o diálogo projecte uma actividade sólida e estimulante.

Não aceito, de quem quer que seja, processos de intenção ou lições de independência.

Cumprirei a lei tendo como horizonte, sempre, o cidadão: os direitos, as liberdades e as garantias do cidadão.

A lealdade ao governo de que dependo organicamente não colide com a obediência à lei nem com a dependência funcional das magistraturas nos termos definidos pelo Código de Processo Penal.

Digo-vos com a simplicidade do que não deve ser dito: sinto-me tão independente como sempre, serei tão independente como sempre.

Muito obrigado

Alípio Ribeiro

(Disponível no site da PJ. Retirei o elenco das entidades referidas nos cumprimentos iniciais e acrescentei o nome do novo Director da PJ.)

Monday, April 10, 2006

INATEL: A CGTP CONCORDA COM A CRIAÇÃO DE UMA FUNDAÇÃO DE DIREITO PRIVADO

Encontrei, por estes dias, uma muita estimada personalidade que aproveitou para, inevitavelmente, relembrar a imagem que fazia do INATEL dos tempos em que por lá pelejei. Balbuciei o que me pareceu apropriado. Mas fiquei, uma vez mais, com a convicção de que não é fácil, apesar de todas as aleivosias, esquecer as obras que se realizam e que marcam o nosso tempo de fazer. Adiante.

Isto para dizer que esta cronologia, a que chamo de “arqueologia institucional”, se refere à obra mais importante que, em equipa, realizei no INATEL. É aquela parte da obra que se não tornou notória pois a sua notoriedade carecia de um gesto político que nunca foi concretizado.

Uma reforma institucional de fundo para ser séria não é uma experiência de reengenharia institucional ou um impulso para mostrar espírito reformista. É mais do que isso uma resposta à realidade que mudou, com o tempo, e que queremos ajudar a que mude através do impulso da nossa acção.

A reforma estatutária do INATEL, que ficou na gaveta, após porfiados trabalhos, peça a peça, foi o projecto mais complexo e exigente de todos.

Por isso lhe dou atenção e, passado tanto tempo, refaço a sua cronologia para que um dia destes não surja um usurpador do trabalho alheio condecorado com uma daquelas comendas que ficará bem ao PR actual outorgar aos seus fiéis.

Continuando. Após os passos anteriores, já relatados, em Novembro de 1999, a propósito de um Conselho Geral, aprazado para 13 de Dezembro de 1999, em Albufeira, solicitei à tutela orientações atendendo ao teor dos pareceres emitidos pelas centrais sindicais. Em anexo remeti o teor de um extenso e detalhado memorando, comentando aqueles pareceres, que tinha sido elaborado e enviado em Julho desse mesmo ano.

Nesse memorando se retoma a defesa da “fundação de direito privado” ideia central do projecto de reforma estatutária aceitando, ao mesmo tempo, um conjunto de sugestões, na especialidade, apresentadas pela UGT.

Um mês depois da realização da reunião do Conselho Geral de 13 de Dezembro de 1999, exactamente a meio de Janeiro de 2000, a CGTP, após porfiadas negociações, conduzidas por mim próprio, reformula a sua posição de princípio sugerindo uma redacção para o art. º 1.º do projecto de Decreto-Lei em que aceita que a INATEL assuma a natureza de “ fundação de direito privado com fins exclusivamente públicos e pessoa colectiva de utilidade pública”.

Foi, desta forma, alcançada a unanimidade de pontos de vista, entre as duas Centrais Sindicais, acerca da questão nuclear da qual dependia a decisão política do governo. Tinham sido criadas todas as condições políticas para que fosse aprovada a reforma estatutária, formulada desde 1998, transformando o INATEL numa fundação de direito privado.

Mas as garantias exigidas pelo governo, acerca da concordância das centrais sindicais, ainda não haviam sido totalmente satisfeitas o que exigiu a concretização de novas diligências. Estávamos em inícios de 2000. Passaram, desde essa data até ao dia de hoje, mais de seis (6) anos.

“A Verdade de Uma Reforma” – 6 de 10)

Friday, April 07, 2006

GOVERNO - PASSADO E FUTURO

“Organiza-se tudo: é simples e evidente. Mas o sofrimento humano intervém e altera todos os planos”

Albert Camus

No mês passado o governo socialista celebrou o seu primeiro aniversário e o novo Presidente da República assumiu funções. Apoiei, e apoio, as linhas gerais da política do governo socialista. Posso vir a arrepender-me! Mas, hoje por hoje, não vejo outra saída viável para o futuro da comunidade.

Não esqueço a política nem menosprezo a sua importância. Mas seria hipócrita negar que me afasto dela irremediavelmente observando os seus jogos, omissões, injustiças, cobardias e silêncios. O meu ponto de observação da política encontra-se num lugar cada vez mais distante dela. Muitos factos sustentam esta convicção.O meu é, provavelmente, o ponto de vista do cidadão comum, ou melhor, do cidadão comum/cumpridor. E, face à minha história de vida, aprendi que este é o mais incómodo dos lugares. O cidadão que “cumpre”, agindo com fidelidade às suas próprias convicções, coloca-se do outro lado da típica “não inscrição” portuguesa, correndo o risco, paradoxal, de ser sacrificado no sacrossanto altar da inveja nacional.

Os presentes tempos de governação socialista não me fazem esquecer os três anos que a antecederam. Desde as eleições legislativas de Março de 2002 até Março de 2005, data da entrada em funções deste governo, ocorreram um conjunto de acontecimentos que, ao menos politicamente, deveriam ser muito bem explicados.

Como foi possível Santana Lopes ter sido primeiro-ministro de Portugal? Como foi possível ter deixado o governo cair nas mãos de um grupo de gente – para ser elegante – sem escrúpulos nem sentido de estado.

Como foi possível permitir que o PP tenha ocupado, nas coligações de direita, as pastas ministeriais da Defesa, da Justiça e das Finanças! Para não falar da Segurança Social e do Ambiente! O que aconteceu, de verdade, na gestão dessas pastas durante aqueles três anos? Qual o balanço? Quem o fez? Quem o fará? Ninguém?

Muitos de nós sabemos, por experiência própria, a tragédia da governação de direita. Sabemos dos desmandos praticados, a todos os níveis da administração, que ainda hoje estão por reparar sendo que muitos são irreparáveis.

Os governos de direita, em Portugal, não fundam a sua acção nem em convicções ideológicas nem em valores que são próprios das famílias políticas da direita noutras latitudes. Todo o programa político da direita portuguesa, seja de inspiração laica ou católica, institucional ou populista, social democrática, liberal ou democrata cristã, se esgota na mera gestão de interesses particulares e na procura dos melhores métodos para a captura da coisa pública em favor desses interesses.

Ora os governos, em democracia, têm por obrigação zelar pelo interesse geral, ou seja, pelo interesse de toda a comunidade. Se o governo socialista o não fizer com justiça, bom senso e sentido de futuro, será severamente punido.

Para os socialistas governar não é só uma questão de alcançar as metas quantitativas – deficit e outros indicadores macroeconómicos – que fixou para o próximo futuro e que a própria direita, envergonhada, aplaude. É, antes de mais, uma questão de concretizar os objectivos qualitativos destinados a modernizar o estado e a sociedade escolhendo as pessoas capazes de os fazer cumprir.

Para os socialistas governar não é só uma questão de alargar a liberdade de escolha – o mercado – mas ir mais além, valorizando a igualdade de oportunidades e as funções aqueles que, na administração pública e no mundo empresarial, trabalham e cumprem. E esses são a maioria ao contrário do que, muitas vezes, se quer fazer crer.

Tenho muitas dúvidas acerca de algumas escolhas do governo socialista mas não tenho dúvidas de que este é o único governo que, neste tempo, poderia merecer a minha escolha.

Tenho muitas dúvidas acerca da orientação política e ideológica do magistério presidencial de Cavaco Silva mas o tempo dirá se Sócrates+Cavaco é um somatório de virtudes ou um cemitério de esperanças.

É que, por vezes, tudo é simples e evidente. “Mas o sofrimento humano intervém e altera todos os planos”.

(Artigo publicado na edição de hoje, 7 de Abril de 2006, do "Semanário Económico")