Wednesday, April 12, 2006

DISCURSO DE ALÍPIO RIBEIRO DIRECTOR-NACIONAL DA PJ

Tomada de Posse do Director-Nacional da Polícia Judiciária - 10 de Abril de 2006

Cumprimentos Iniciais

(…)

Assumo as funções de Director Nacional da Polícia Judiciária intuindo as dificuldades que vou encontrar.

Assumo-as tendo a convicção de que, com a participação de todos os que nela trabalham, e sublinho, de todos os que nela trabalham, poderei contribuir para ultrapassar essas dificuldades.

Não posso ignorar que as instituições estão para além das pessoas, mas também não posso esquecer que não há instituições que se afirmem, e sobretudo que se renovem, independentemente das pessoas que, no quotidiano, lhe dão o rosto e o sentido da sua actuação.

A justiça precisa de uma Polícia Judiciária coesa e funcionalmente apta a responder às solicitações de uma criminalidade sofisticada e, muitas vezes, invisível.

O contributo da Polícia Judiciária para uma correcta e adequada administração da justiça é essencial.

A prova real da actividade da Polícia Judiciária é feita nos tribunais.

É a lei que o determina e é a prática que o comprova.

Creio que esta é a vertente que não poderia deixar de acentuar na minha primeira intervenção pública como Director Nacional.

Dissociar a actividade da Polícia Judiciária da administração da justiça, fazer cessar a convergência que, com mais ou menos equívocos, é certo, tem sido paradigma da nossa história judicial recente, seria um ensaio fútil que não deixaria de acarretar danos sociais.

Há muito pouco tempo, li uma autobiografia do escritor austríaco Stefan Zweig intitulada O Mundo de Ontem.

A propósito das convulsões sociais que abalaram os anos 20 do Século passado, e que desembocaram em trágicas soluções políticas de todos conhecidas, o autor citava uma frase atribuída a Goethe.

“Prefiro uma injustiça a uma desordem”, frase que se adequaria ao sentimento social da época.
Lembrei-me dessa leitura quando aceitei assumir estas funções e reflecti sobre muitos dos desencontros que hoje se verificam.

É preciso dizê-lo claramente: não há uma desordem, ou o perigo dela, que justifique uma injustiça.

Não há uma desordem, ou o perigo dela, que justifique o postergar de procedimentos legais que são aquisições da civilização.

Só pode ser este o sentido ético da actuação da Polícia Judiciária.

É essa a actuação que podem esperar de mim.

Avulta nas atribuições da Polícia Judiciária a competência específica para a investigação de crimes que o legislador elegeu face à sua previsível danosidade e complexidade.

Especificidade não significa auto-suficiência.
Especificidade não significa que se possam ignorar ou recusar os contributos de muitas outras entidades.

Especificidade traduz uma responsabilidade acrescida.

É imperioso concretizar um código de boas práticas na cooperação e na partilha da informação.

Espero, sinceramente, que o possamos realizar a breve prazo.

Uma investigação de um corpo superior de polícia criminal auxiliar da administração da justiça deve mover-se em três parâmetros de igual importância: eficácia, legalidade, transparência.

A sua credibilidade social e judicial depende de um correcto enquadramento em tais parâmetros.
A eficácia não pode dispensar a legalidade, nem estas podem dispensar opções criteriosas e objectivas.

A nova lei da política criminal cuja aprovação se avizinha, reforçará, naturalmente, essas exigências.

É um desafio que precisará de consensos nos métodos e na articulação.

Sou dos que pensam que uma lei é o que dela se fizer e esta, particularmente, assumirá um valor simbólico que não poderemos escamotear.

Teremos de prestar contas do que fizermos.

Teremos de explicar o que deixarmos de fazer.

Mas garanto-vos que não teremos medo de prestar todas as explicações.

Uma investigação tem um tempo próprio.

Tal como a capacidade dissuasora da pena tem mais a ver com a expectativa da sua aplicação do que com a sua medida objectiva, também uma investigação, que se prolongue para além do razoável perde a sua eficácia judiciária.

Todos temos a experiência disso.

A existência de uma cultura crítica que nos permita a avaliação rigorosa dos atrasos, dos procedimentos que a eles conduzem, será, com certeza, um estímulo para todos.

Devemos pensar seriamente na possibilidade de avaliação e análise externa que nos ajudem a clarificar os caminhos, obviamente dentro do contexto legal existente.

A necessidade do reforço dos contactos e das acções comuns no plano internacional decorrem da própria natureza do crime cuja competência de investigação cabe à Polícia Judiciária.

Os organismos internacionais de que somos parceiros são, para além de uma necessidade na investigação transnacional, uma fonte de enriquecimento técnico.

Nesta área, o intercâmbio com os países de expressão de língua portuguesa tem um significado especial a que gostaria de saber e poder responder e para o qual o Governo, com certeza, terá uma particular disponibilidade.

A estrutura da Polícia Judiciária tem hoje uma dimensão muito significativa e assimétrica que precisarão de ser corrigidas.

Num tempo de dificuldades, será este um contexto que é preciso ter em conta.

Mas todas as explicações terão sempre em vista um mesmo objectivo: melhorar a qualidade dos serviços que a Polícia Judiciária presta à comunidade.

É possível agilizar a gestão, é possível redimensionar a estrutura obtendo ganhos com o que se mostrar desnecessário.

Mas é também evidente que isso, só por si, não é suficiente.

Sei que o Governo está aberto às circunstâncias e que saberá encontrar as soluções mais adequadas.

Minhas Senhores e meus Senhores

Não quero fazer desta intervenção um programa de acção.

Mas não poderia deixar de assinalar algumas das minhas preocupações e também alguns dos meus propósitos.

Venho da justiça e sinto-me na justiça.

O que queria para a justiça é o que quero para a Polícia Judiciária.

Aceitei o convite honroso que me foi feito com o espírito desprendido mas com a vontade empenhada de algumas décadas ao serviço da justiça.

Não trago promessas.

Trago as certezas daquilo em que acredito.
De uma vez por todas, é preciso que a serenidade volte à Polícia Judiciária.

Que a crispação se torne diálogo.

Que o diálogo projecte uma actividade sólida e estimulante.

Não aceito, de quem quer que seja, processos de intenção ou lições de independência.

Cumprirei a lei tendo como horizonte, sempre, o cidadão: os direitos, as liberdades e as garantias do cidadão.

A lealdade ao governo de que dependo organicamente não colide com a obediência à lei nem com a dependência funcional das magistraturas nos termos definidos pelo Código de Processo Penal.

Digo-vos com a simplicidade do que não deve ser dito: sinto-me tão independente como sempre, serei tão independente como sempre.

Muito obrigado

Alípio Ribeiro

(Disponível no site da PJ. Retirei o elenco das entidades referidas nos cumprimentos iniciais e acrescentei o nome do novo Director da PJ.)

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