Saturday, December 03, 2005

O MEU TIO VENTURA

“Miséria deste século. Ainda não há muito tempo eram as más acções que precisavam de ser justificadas, hoje são as boas.”

Albert Camus

Neste mês de Dezembro cumpre-se o terceiro aniversário de um conjunto de acontecimentos da maior gravidade para a democracia portuguesa. Com o governo de Durão Barroso, há poucos meses no exercício de funções, o discurso da “pesada herança” tornou-se uma âncora da acção governativa.

A sociedade portuguesa entrou, de forma vertiginosa, num ambiente de descrença e a economia precipitou-se no abismo da recessão. A imagem internacional do país caiu a pique, as opções políticas reformistas, (”reformas estruturais”, contenção da despesa pública, …) nunca foram convincentes e um conjunto de “casos de justiça” agravaram brutalmente o desânimo nacional.

Sabemos, hoje, por comparação com a política do governo socialista, actualmente em funções, que, afinal, os governos de direita, entre Março de 2002 e Fevereiro de 2005, nunca ambicionaram mais do que realizar uma cosmética de acção reformista tendo em vista facilitar operações de “engenharia sortida” favorecendo a chamada direita dos interesses.

Entretanto, como que por acaso, a direcção política do PS foi decapitada, através do processo “Casa Pia”, tendo sido lançados na lama a honorabilidade pessoal e política dos seus dirigentes de topo, Ferro Rodrigues e Paulo Pedroso.

O país tem vindo a aprender, desde o início de 2002, com o sacrifício de inúmeras vítimas inocentes, que o exercício do poder, para alguns, não incorpora uma verdadeira defesa do interesse público mas, pelo contrário, o favorecimento de inconfessáveis interesses particulares ou de grupo.

Não falo em nomes de pessoas, nem de partidos, nem de instituições, pois mais parece estarmos perante um “polvo” cujos tentáculos se estendem em todas as direcções. Só assim se explicam as contínuas, sistemáticas e cirúrgicas fugas de informação, com quebra do segredo de justiça, os julgamentos políticos na praça pública, os erros grosseiros na condução de processos, envolvendo a honra e a vida de cidadãos presumivelmente inocentes, e o seráfico comprazimento dos responsáveis perante os efeitos da usura do tempo na descoberta da verdade, contribuindo para o desprestígio e enfraquecimento do regime democrático.

Foi em Dezembro de 2002 que também foram divulgadas notícias - uma das quais fazendo manchete no DN - lançando suspeitas acerca da minha própria honorabilidade pessoal e profissional, na gestão do INATEL, assim como de outros responsáveis que comigo partilharam aquele desafio. Aguardo, pacientemente, três anos passados, o esclarecimento da verdade, nas suas sedes próprias.

Entretanto, atendendo à época, aqui vos deixo uma reflexão, em jeito de metáfora, que escrevi a propósito das últimas autárquicas, mas que se aplica, na perfeição, às próximas eleições presidenciais.

“O meu tio Ventura, noutros tempos, foi regedor. Lembro-me de discutir política com ele. No tempo da ditadura. As minhas ideias deviam soar-lhe a utopias sem raízes na terra seca que cultivava. As dele soavam-me ao velho mundo que, para mim, estava para sucumbir. Não sabia a data, nem o modo, mas estava para acabar. Eu, na verdade, não sabia nada da vida. Mas tinha convicções fortes e ele gostava de me ouvir. Eu, pelo meu lado, gostava de o ouvir falar.

Mesmo hoje, nos seus mais de 90 anos, gosto do seu discurso enérgico. Com ele compreendi que somos, sempre, ao mesmo tempo, derrotados e vencedores. Nunca definitivamente derrotados, nem nunca definitivamente vencedores. Aprendi que é possível um radicalismo tolerante. Ou uma tolerância radical. Ser-mos absolutamente contra, aceitando as diferenças. Exigir aos outros que nos aceitem e exigir, a nós próprios, a aceitação dos outros. Sempre, toda a vida, sem quebras nem desfalecimentos.

Por isso compreendo que, nas eleições democráticas, todos os concorrentes se declarem vencedores mesmo que tenham sido vencidos. Todos compreendemos que é um jogo. Com ele os homens evitam digladiar-se através da violência física. As eleições democráticas são um ritual de tolerância mesmo quando as vozes se elevam mais alto e estalam as recriminações.

Mesmo quando são eleitos aqueles que julgamos desmerecer do voto popular. Mesmo depois de ter votado tanta vez sinto orgulho na democracia portuguesa e um prazer especial no acto de votar.

Sinto-me constrangido ao ler tanta abjecção intelectual, tanta intolerância, face às imperfeições do homem - candidatos e eleitores - que se revelam, abertamente, na disputa democrática. Os críticos, descrentes, abstinentes, ausentes e presentes não se observam a si próprios?

Eu sempre votei como se fosse colocar uma flor aos pés de um corpo perfeito de mulher.”

(A imagem de mulher, Fotografia de Bogdan Jarocki, pode ser encontrada no meu blogue pessoal www.absorto.blogspot.com)

Artigo publicado na edição de 2 de Dezembro de 2006 do "Semanário Económico".

1 comment:

Anonymous said...

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