O ano de 1976 foi recheado de batalhas políticas tendo ocorrido, como já descrevi, eleições legislativas (Abril), Presidenciais (Verão) e Autárquicas (Dezembro). Perdemo-las todas o que não admira, vistas a esta distância, pois, excepto nas presidenciais, o MES não fez nunca verdadeiras campanhas para angariar votos mas antes, tão só, para esclarecer o eleitorado.
Lembro-me, como se fora hoje, como os candidatos do MES retorquiam à curiosidade dos cidadãos com um pedido de participação cívica sem pedir o voto no próprio partido que propagandeavam. Esta é, aliás, uma das facetas mais curiosas da acção política do MES, visível na própria propaganda que nunca ostentou a figura de qualquer dos seus dirigentes.
A ideia do colectivo foi assumida desde sempre, de forma radical, o que, no plano político eleitoral, rejeitada a personalização, condenou as candidaturas do MES (nas únicas duas eleições nacionais em que participou– Constituinte de 75 e Legislativas de 76) à imagem de um partido ideológico, sem aspirações de poder. E bem poderiam ter sido projectadas publicamente, nessas campanhas, as figuras de algumas personalidades como, por exemplo, a do Arquitecto Nuno Teotónio Pereira.
O ano de 1976 acabou pejado de destroços, oriundos de derrotas sucessivas, o que abriu as portas a um início de 1977 com o esboço do processo da própria autoliquidação do MES. Tal processo foi encetado com a apresentação de uma “Resolução” em cuja redacção me empenhei a fundo.
A tomada de consciência de que a época das ilusões revolucionárias tinha chegado ao fim, sendo necessário buscar um fim digno para o MES, foi amadurecendo num grupo alargado de dirigentes que geraram uma cúpula constituída pelo chamado “grupo dos quatro”: Afonso de Barros, Ferro Rodrigues, Vítor Wengorovius e eu próprio, dos quais, infelizmente, restam dois sobrevivente, o autor destas linhas e Ferro Rodrigues. (Se bem me lembro, Agostinho Roseta, também já falecido, à época, tinha saído para assumir funções na UGT).
Esta tendência organizou-se no seio do MES, a partir do caminho aberto pela aprovação, em Janeiro de 1977, da referida “Resolução”, designada “Resistência Popular Activa - por um Governo de Independência Nacional”, na qual, para além da retórica revolucionária, se reconhecia, no essencial, que a democracia representativa era o regime político que, no futuro, iria prevalecer no nosso país.
Tal reconhecimento foi adoptado através da expressão “é necessário tomar como certo que na actual fase a democracia burguesa vai prevalecer no nosso país sobre qualquer outro tipo de regime”, sendo refutada, explicitamente, “a tese do (perigo) do fascismo a curto prazo de que nem todos os sectores revolucionários se libertaram ainda” e denunciado que “o uso da força militar para golpear a constituição e suprimir as liberdades democrático-burguesas não é sustentado senão por sectores militares de direita reaccionária e fascista”.
Em síntese, a situação política era, lapidarmente, definida com a seguinte frase: “a actual correlação de forças no terreno militar não favorece nem o golpismo militar de direita nem dá viabilidade a qualquer “solução militar de esquerda”.
Esta era a linguagem mais moderada possível, para a época, não dispensando ataques à direita política e militar nem à capacidade do governo de Mário Soares acusado de conduzir “uma política de recuperação capitalista que quer fazer pagar ao povo trabalhador, com a fome, a miséria e o desemprego, a crise capitalista da economia portuguesa”. Qualquer semelhança com alguns discursos políticos contemporâneos é pura coincidência!
Lembro-me de ter redigido o texto desta resolução na minha secretária de estudante liceal, em casa de meus pais, em Faro, com todos os cuidados tendo em vista não inviabilizar a aprovação pelas estruturas dirigentes do MES de uma orientação que desembocava na aceitação efectiva do regime da democracia representativa.
Nunca mais saíu da minha memória a frase chave que determina o essencial do sentido político desse documento: “é necessário tomar como certo que na actual fase a democracia burguesa vai prevalecer no nosso país sobre qualquer outro tipo de regime”.
Essa “resolução”, adoptada quase trinta (30) anos atrás, embora eivada do jargão revolucionário da época, como seria inevitável, foi um passo decisivo, embora tardio, para a viragem que haveria de conduzir, a partir de 1978, à efectiva aproximação ao PS de um conjunto alargado de quadros do MES, e de outros quadrantes políticos não alinhados com o PCP, assim como ao apoio às futuras candidaturas presidenciais de Mário Soares.
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