A política da direita, nestas presidenciais, é a encenação de um baile de gala pelo resgate da grandeza da Pátria, no qual a candidatura de Cavaco encobre o desejo de vingança dos partidos derrotados nas legislativas, de Fevereiro passado, cujas vozes foram arredadas, à força, da liça presidencial.
Parece, por outro lado, ser claro que se desenharam dois nacionalismos de sinal contrário: um nacionalismo de direita, encarnado por Cavaco Silva, e um nacionalismo de esquerda, o “quadrado vazio”, que Manuel Alegre tentou preencher mas que se esvazia a cada dia que passa.
O nacionalismo de direita, encarnado por Cavaco, denegrindo o papel dos partidos, é um espectáculo triste, representado por um actor que não é personagem.
Cavaco não desempenhou qualquer papel, verdadeiramente relevante, na história recente de Portugal. Governar 10 anos, com 1 milhão de contos a entrar no país, em cada dia, não é glória para ninguém. Sê-lo-ia se Portugal apresentasse, hoje, níveis de desenvolvimento socio-económico, no mínimo, semelhantes à vizinha Espanha cujo deficit das contas públicas anda ao nível dos 0%.
A democracia para Cavaco é uma espécie de diálogo dos silêncios. Cavaco, e os entusiastas mais intrépidos da sua candidatura, vituperam, pelas costas, as críticas frontais de Soares porque “é popular” detestar os partidos, a política, os políticos e, no fundo, o próprio combate democrático.
Mas a verdade é que Soares, democrata, expondo seus vícios e virtudes, dizendo o que pensa, cara a cara, honra e enobrece o papel da política na definição do futuro da comunidade e da Nação.
Mário Soares é o único verdadeiro político patriota, no activo, com provas dadas, paradoxalmente esconjurado por aqueles que ele próprio defendeu, na primeira linha, no 25 de Novembro de 1975. Falo com à-vontade pois, à época, estava do outro lado.
O que seria daqueles militares que se pavoneiam como heróis da vitória da democracia representativa - a chamada ala moderada - incluindo a esfinge que dá pelo nome de Ramalho Eanes - não fora o papel político desempenhado por Mário Soares?
O problema de Mário Soares, nestas presidenciais, é estar “entalado” entre dois nacionalismos, de sinal contrário, como no 25 de Novembro, estava “entalado” entre dois radicalismos de sinal oposto. Mas é exactamente na capacidade de Soares em superar as dificuldades que se encontram as boas razões para o meu voto nele.
A primeira boa razão para votar Soares radica na certeza, comprovada pela história, da sua coragem para enfrentar as crises e dar-lhes solução, num quadro democrático, fazendo triunfar, contra todas as ameaças, as liberdades cívicas e políticas. Convenhamos que não é nada pouco!
Portugal não precisa de um Presidente de perfil messiânico, autoritário ou sonhador, que ofereça ao povo a panaceia para os males da Nação. O que Portugal precisa é de um Presidente moderador capaz de afrontar a realidade, pura e dura, da crise apoiando as políticas certas do governo, para lhe fazer face, não se deixando tornar refém da maioria política que o tenha apoiado.
A segunda boa razão para votar Soares resulta da sua visão da Europa e do mundo opondo-se ao confronto entre todos os radicalismos, sejam de natureza económica, religiosa ou militar. O desenvolvimento português realiza-se, certamente, com um “bom governo”, que execute políticas corajosas de reforma, mas não dispensa o impulso “de fora”.
Por isso Portugal precisa de um presidente conhecido, e reconhecido, na Europa e no mundo que saiba interpretar, em benefício de Portugal, as vantagens da integração de Portugal na UE e na comunidade internacional. Na presente situação é Soares quem melhor preenche esse requisito essencial.
A terceira boa razão para votar em Soares é a consabida, e urgente, necessidade de estabilidade política. Ora, estejamos certos, a instabilidade política regressaria, a Portugal, pela mão de um “ Presidente intervencionista”, personificado por Cavaco, e a evidência desse perigo é cada vez mais maior.
A sua recente proposta de criação de uma “secretaria de estado” para acompanhar “as empresas estrangeiras”, com actividade em Portugal, e ainda mais o desaforo do seu desmentido, é um indício da conduta presidencial de Cavaco, orientada para o conflito institucional com o governo, que desembocaria, a breve prazo, numa crise política.
Esta necessidade de se afirmar nas áreas de competência do governo resulta do facto de Cavaco, apesar do seu perfil de primeiro-ministro, não ter logrado realizar, na década de ouro dos fundos da UE (1985/95), qualquer reforma estrutural decisiva que teria colocado Portugal, à semelhança de Espanha, num caminho de desenvolvimento sócio económico sustentável.
Cavaco, caso fosse eleito presidente, tenderia a assumir o papel de um “segundo” primeiro ministro tomando a seu mérito os benefícios, inevitáveis, da política de austeridade e rigor do governo socialista e levando a seu demérito os males, igualmente, inevitáveis desta política. A instabilidade resultante da eleição de um presidente com perfil de primeiro-ministro seria, então, mais do que certa.
Ao contrário do que muitos querem fazer crer Sócrates+Cavaco é “mais do mesmo”, gerando crispação na concordância e conflito aberto na discordância. Só por ingenuidade, ou cinismo, se pode dar como adquirida, conhecendo as personalidades em presença, uma coabitação institucional durável entre Sócrates e Cavaco.
Pelo contrário Soares, sem apetência pelo poder executivo, perfila-se como um bom presidente da república porque será capaz, por experiência e engenho, de assumir o papel de moderador activo, numa época de forte conflituosidade social, sendo fautor de estabilidade política e de uma acção persistente pela recuperação do prestigio e reconhecimento internacionais de Portugal.
(Artigo publicado na edição de 6 de Janeiro de 2006 do "Semanário Económico")
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