Thursday, March 27, 2008

O dia em que Sócrates deu uma lição de humildade

Tenho 50 anos e há mais de 20 que ando farto de ouvir que as indústrias tradicionais portuguesas, como a têxtil, vestuário e o calçado, estão condenadas a falir e a desaparecer, mas estou hoje aqui para testemunhar como essas previsões eram falsas. Mais 2 anos e eu próprio poderia ser o autor desta frase. Para as indústrias da fileira moda é muito melhor que não tenha sido eu a proferi-la, mas sim o Primeiro-Ministro, José Sócrates, quando ontem presidiu, no auditório do CITEVE, à apresentação pública do Contributo para um Plano Estratégico para a ITV portuguesa, um estudo da ATP elaborado pelo Prof. Daniel Bessa e pelo dr. Paulo Vaz.

Como nunca fui do PS, nem sequer sou socialista, estou mais à vontade para vos dizer que o discurso do Primeiro-Ministro foi vibrante, justo e de uma humildade que impressionou quem está habituado a vê-lo vendido pela Comunicação Social com uma postura arrogante. Já depois do ministro da Economia ter exemplificado com números e dados concretos o "turn over" das indústrias tradicionais portuguesas, mormente o têxtil, vestuário e o calçado, José Sócrates não teve pejo em afirmar que a principal razão que o tinha levado a Famalicão, era a vontade de agradecer aos industriais presentes a contribuição que o sector tinha dado para o fortalecimento e a recuperação da economia portuguesa em 2007.

Mas não se limitou a agradecer, ao presidente da ATP, Paulo Nunes de Almeida, personificando desta forma um agradecimento a todos os empresário e industriais presentes. Num magnífico exercício de improviso e convicção, explicou tudo o que sente quem, também como eu, há pelo menos 20 anos trabalha com as industrias tradicionais do têxtil, vestuário e calçado. Há 20 anos que alguns pseudo economistas, mais alguns pseudo filósofos (para já não falar do célebre guru internacional, de seu nome Porter, que veio ajudar a esta missa por sufrágio das indústrias tradicionais) se entretêm a condenar uma indústria responsável por uma das maiores fatias das exportações portuguesas.

Não deixa de ser curioso, como José Sócrates não se esqueceu de referir, que tenha sido esta mesma indústria tradicional a principal responsável pelo relançamento das exportações, como não deixa de ser estranho que não seja possível encontrar nos dias de hoje as opiniões dos mesmo colunistas da desgraça a abordarem os temas de então. As intervenções do ministro da Economia e do Primeiro-Ministro no encontro da ATP no CITEVE, serviram também para marcar o reencontro do governo com as boas notícias, depois de uma quadra pascal em que os professores e outros sindicalistas tentaram crucificar o governo do PS.

Mas a política tem destas coisas e é importante, porque é verdade, que se diga que se nenhum governo é capaz de só tomar boas decisões, também não é justo que se atirem pedras quando os responsáveis governamentais têm a humildade de aparecerem em público a aplaudir e agradecer o trabalho que um determinado sector fez pelo país, desvalorizando os estímulos e o apoio que o governo também protagonizou.

Seja como for, para além desta lição de humildade e justiça que me apraz registar, a melhor notícia que foi dada ontem no CITEVE, é que as indústrias tradicionais, como o têxtil, vestuário e calçado ganharam um futuro novo. Na verdade estamos a falar de sectores que nunca morreram e não precisavam de uma Páscoa para ressuscitar, mas como acontece muitas vezes na vida, é preciso que sejam os outros a dizer que estamos vivos, para que até nós acreditemos que é verdade.

Manuel Serrão [Jornal de Notícias]

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