Thursday, January 11, 2007

ACERCA DO DIRECTOR GERAL DOS IMPOSTOS (2)

O Dr. Paulo Macedo director geral dos impostos é certamente um gestor competente e um homem de fé digo-o sem ironia no exercício de uma função pública à qual tem dedicado os maiores cuidados.

Não sei nada da sua vida privada nem das suas convicções ideológicas, credo religioso ou preferência política. Coloco-me face a ele como perante qualquer outro cidadão meu igual aceitando a sua liberdade que é, como a vida, um valor supremo.

A única diferença resume-se a algumas cartas que trazendo a sua assinatura denunciam que aquele nome é o do director geral dos impostos. Nada de preocupante para um cidadão como eu que julga cumprir com os seus deveres de cidadania entre eles o pagamento de impostos.

É verdade que tempos atrás me dei conta através de notícias que o Dr. Paulo Macedo antes da posse no actual cargo se tinha esquecido de pagar uma prestação da antiga contribuição autárquica. Nada de importante pois acontece a qualquer um e a mim também já me aconteceu.

Antes disso já tinha dado conta através de notícias que o Dr. Paulo Macedo auferia uma remuneração cujo montante nada tem a ver com as que vigoram na administração pública. Mas outros também auferem de privilégios sortidos em que avultam os vencimentos correspondentes aos que auferiam nas empresas privadas das quais são oriundos e que o estado amiúde requisita.

Ainda muitos mais auferem de remunerações especialmente elevadas por via dos enviusamentos promovidos por décadas de criação de excepções à regra na administração pública tornando a regra na verdadeira excepção.

O caso do Dr. Paulo Macedo tornou-se paradigmático não por ser uma excepção pois ele há muitas mas pela política que este governo prometeu seguir e que o senhor primeiro-ministro tem repetido à saciedade qual seja a de tomar medidas para repor a justiça e acabar com as excepções dentro da função pública exigindo como contrapartida sacrifícios por parte do funcionalismo sem poupar ninguém e supõe-se sem olhar a quem.

Ora missas à parte o que este caso coloca é a questão da confiança e credibilidade que ainda resta na política de justiça e de sacrifícios que o governo tem vindo a pedir que se esboroa placidamente na flagrante injustiça que se esconde por detrás de uma remuneração que nunca poderá estribar-se na lei recentemente aprovada.

Espanta-me por isso que haja no governo quem divulgue a ideia que parece ancorar-se numa decisão de recondução do Dr. Paulo Macedo de que se procura uma solução para que a recondução do dito nas funções em apreço não fira a legislação restritiva que o mesmo governo aprovou. Essa legislação para o que vem ao caso em palavras simples assumiu um princípio óbvio que é o de que para efeitos remuneratórios as chefias da administração pública não podem ganhar mais do que o primeiro-ministro.

O Dr. Paulo Macedo apoiado certamente pelo seu credo convicção e desejo de bem servir a comunidade toma em mãos a promoção de iniciativas apropriadamente divulgadas pela comunicação social que o colocam num pedestal de inatingível competência tornando-o um ícone moderno do homem providencial cuja substituição faria perigar a saúde das finanças públicas senão mesmo do próprio regime. Eça de Queiroz não desdenharia tal personagem para fermento da sua imaginação.

Anteontem na “quadratura do círculo” abordado que foi o tema só Pacheco Pereira manteve uma postura a meu ver correcta acerca do assunto. Depois de mostrar reiteradas reservas acerca do crescente poder discricionário do fisco face aos cidadãos cumpridores assumiu a defesa do que é uma evidência: a lei é igual para todos.

A lei pode prever a diferenciação das remunerações dos dirigentes da administração pública que dessa forma deixam de ser excepções ou, caso contrário, não sendo previstas se tornam inaceitáveis à luz dos princípios elementares de um estado de direito. Mas as remunerações desses dirigentes mesmo que sejam diferenciadas nunca terão como limite o céu.

E quer-me cada vez mais parecer que o combate ao deficit passa mais pelo lado da despesa do que pelo da receita e que se o governo enveredar por atalhos num assunto desta natureza dará um passo decisivo para perder a credibilidade pelo menos num dossier tão delicado como o da reforma da administração pública.

Monday, January 08, 2007

ACERCA DO DIRECTOR-GERAL DOS IMPOSTOS

Julgo que não tenho dívidas ao fisco. Digo julgo pois já me aconteceu no passado julgar o mesmo e uns meses ou anos depois surgir o postal que anuncia a inevitável visita à repartição de finanças. Nunca fiando …

Muito tempo atrás fiz a minha única “reclamação graciosa”. Esta é uma designação convenhamos muito interessante que deve querer dizer que o contribuinte para reclamar o que lhe pertence e que o fisco tomou como seu não tem que pagar nada.

Esse meu caso da “graciosa” é antigo e, no fundo, resumiu-se a pagar primeiro um montante de imposto que já se sabia não ser devido por mim ao fisco para através da tal reclamação o reaver mais tarde sem juros. Muito depois! Anos depois! Uma espécie de empréstimo forçado e a prazo ao Estado

Certamente esta notícia acerca das “graciosas” está inserida na campanha pela recondução do actual director geral dos impostos * e pretende demonstrar a sua alta capacidade para gerir o fisco. Aproveito para declarar a minha total oposição à recondução nas actuais condições do sobredito director geral cujo não conheço nem pretendo hostilizar.

Em primeiro lugar deve existir uma lei que preside à fixação das remunerações dos dirigentes da administração pública **. A lei, por princípio, é igual para todos. E não deve haver função mais no cerne do que se designa por ap do que a de dgi. Ninguém imagina, por enquanto, a privatização do fisco.

Caso o governo esteja na disposição de fazer uma revolução no sistema das carreiras e remunerações na ap então estou de acordo em rever a minha posição acerca do estatuto remuneratório do actual dgi. Seria necessário criar um sistema de indexação das remunerações dos dirigentes e funcionários à produtividade dos serviços públicos.

Pois se no passado foram sendo criados entes públicos da mais diversa natureza para ultrapassar a rigidez da administração pública tradicional permitindo pagar remunerações diferenciadas e nalguns casos principescas aos seus dirigentes porque razão não prosseguir no mesmo caminho? O actual PR tem uma larga experiência nessa matéria.

Mas nesse caso teria o governo que reduzir drasticamente a dimensão da ap, muito além do que está previsto no PRACE, circunscrevendo as funções do estado aos mínimos que as teorias liberais identificam com pouco mais do que as funções de soberania e de regulação ou seja avançar a fundo no caminho do desmantelamento do chamado estado social. Não me parece que seja essa a linha política do governo nem sequer que a sociedade pudesse suportar as consequências da conflituosidade que tal solução acarretaria.

Seria fastidioso enumerar as direcções gerais e organismos congéneres que pela sua natureza e influência directa e indirecta em delicados assuntos de estado ou em decisões que envolvem negócios milionários deveriam ter à sua frente directores remunerados ao mesmo nível do actual dgi.

Enumero à mão levantada os dirigentes dos serviços secretos, os titulares dos tribunais superiores, os altos comandos das forças armadas, os embaixadores, os militares em teatros de operações, os dirigentes da protecção civil, os juízes, os magistrados, os directores ligados ao ambiente e ao planeamento do território, os presidentes de câmara e vereadores do urbanismo, os directores gerais ou presidentes de organismos vocacionados para o controle da despesa pública …o primeiro ministro e o presidente da república!!!

A conversa parece um pouco ridícula mas é mesmo ao que leva a discussão que está lançada em volta da manutenção de um director geral que ganha mais do que o mais alto magistrado da nação. Eu sei que há outros dirigentes de organizações públicas – não directores gerais – nas mesmas condições alguns deles a caminho da Índia mas isso não muda nada ao essencial da questão.

É que o grande problema das nossas contas públicas não está do lado da receita – amamentada a impostos – mas do lado da despesa – no qual ironicamente se coloca o problema da altíssima remuneração do actual dgi. Já agora para aqueles mais distraídos destas coisas das remunerações na ap lembro que a remuneração mensal bruta do actual dgi é muito semelhante à remuneração anual bruta de um assessor técnico próximo do topo da carreira da ap ou seja qualquer coisa como 27.500 euros, sem levar em conta as alcavalas que acrescem à remuneração daquele tal como automóvel com motorista, etc. etc. … as quais nem sequer questiono.

E quem nos garante que a produtividade de um assessor técnico em determinadas áreas da administração pública não seja igual ou superior à do actual dgi? Quem garante que muitos técnicos da ap através da sua acção honesta e competente não contribuem directamente para que o estado arrecade benefícios materiais – financeiros e outros – e imateriais superiores aos que dizem ter ajudado a arrecadar em impostos o actual dgi?

Seria necessário conhecer a natureza das decisões de cada um e a influência das mesmas em matérias de relevante interesse público … Mas uma coisa é certa: há poucos a ganhar muito e muitos a ganhar pouco. Dos poucos que muito ganham nem todos serão competentes; dos muitos que pouco ganham nem todos serão incompetentes. Que lhes parece?

É para o equilíbrio desta balança que qualquer reforma da ap tem que contribuir. Mas sempre haverá limites para as remunerações de cada um dos dirigentes da ap e nesses limites nunca caberá no Portugal contemporâneo a remuneração do actual dgi. Ou muda a remuneração ou muda o titular do cargo. Qualquer engenharia remuneratória para tornear o essencial da questão deixará ao governo um pesado encargo político para o futuro.

Arriscando uma conclusão: se o actual Director Geral dos Impostos, Paulo Macedo, for renomeado, nas actuais condições remuneratórias, vence a lógica do privilégio à arrecadação de receitas no ataque ao deficit público; se for afastado ou, renomeado com uma remuneração compatível com o estatuto de director geral, vence a lógica do privilégio à contracção da despesa em coerência com a reforma da ap.

Estou pela minha parte disponível para indicar ao governo uma meia dúzia de nomes de dirigentes da ap nos quais não me incluo capazes de assumir a função com competência e galhardia. Não sei é se os sindicatos e os banqueiros gostarão deles!

* dgi – Director-Geral dos Impostos
** ap – Administração Pública
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Thursday, January 04, 2007

A LUTA DE CLASSES SEGUE DENTRO DE MOMENTOS ...

Ao abrir um novo ano verifico que vivemos um tempo em que o estado social está no centro de todas as atenções e todas as reformas são inadiáveis. Neste contexto apetece-me perguntar se, por acaso, a reforma dos sindicatos não deverá ser também considerada inadiável.

O papel dos sindicatos corresponde às exigências de uma sociedade em mutação? O programa de acção dos sindicatos corresponde aos anseios dos trabalhadores, em particular, dos trabalhadores “por conta de outrem”?

Ouço muitas interrogações, desde logo a minha própria, acerca da fúria reformista do governo. Compreendo a avalanche das medidas reformistas num país que carece absolutamente de ser capaz de sair do ciclo infernal do empobrecimento relativo face aos parceiros ricos do clube europeu cuja casa decidiu partilhar.

Mas sempre restará na mente de muitos a eterna dúvida de como será possível, em democracia, fazer mudanças profundas com o apoio dos que delas duvidam, por elas são prejudicados ou, pura e simplesmente, as rejeitam. Um mundo de contradições cuja superação parece, por vezes, ultrapassar a capacidade de gestão dos políticos tradicionais que polvilham todas as instância do poder político democrático.

Mas entre esses políticos encontram-se também os sindicalistas, em particular, os dirigentes, que têm ocupado, por regra, o lugar dos protagonistas da oposição a todas, ou a quase todas, as medidas reformistas do governo. De que forma esses dirigentes se interrogam acerca da reforma dos próprios sindicatos em prol da criação das bases de um sindicalismo moderno.

Não sou pelo menosprezo dos sindicatos e muito menos pela sua domesticação ao estilo do corporativismo do Estado Novo. Os sindicatos querem-se rebeldes e activos, poderosos e actuante, livres e acutilantes.

Mas os tempos mudaram e o paradigma da acção sindical, em Portugal, estagnou na lógica da correia de transmissão dos partidos com o chamado movimento de massas. O sindicalismo em Portugal vive das facilidades que lhe são oferecidas pelo patronato e pelo estado. Funcionalizou-se e luta mais para auto sustentar a sua nomenclatura e burocracia do que para defender os interesses dos seus associados.

A tendência para a acomodação dos sindicatos vem de longe, acompanhando as mudanças induzidas pelo chamado processo de globalização. Os sindicatos encarniçam-se, quase exclusivamente, na luta pela defesa dos interesses dos funcionários públicos.

Acantonaram-se, à velha maneira bolchevique, na luta pelo controlo do aparelho de estado, em particular, nas áreas que influenciam a formação da ideologia (educação), o exercício do poder de estado (justiça, forças militares e policiais) e a defesa da prevalência do estado social (saúde e segurança social).

Nas actividades de produção de bens transaccionáveis, na agricultura, indústria e na maior parte dos serviços, das quais o estado já se apartou, quase não soa uma palha reivindicativa que faça lembrar o sindicalismo revolucionário, social-democrata ou mesmo social-cristão, como se todos os direitos dos trabalhadores por “conta de outrem” estivessem salvaguardados e as suas conquistas de classe garantidas.

Os verdadeiros problemas dos trabalhadores assalariados, em particular, os mais jovens e os mais idosos, tais como as reformas precoces, o envelhecimento activo, a discriminação pelo género ou raça, a higiene e segurança no trabalho, entre outros, não motivam qualquer espécie de reivindicação, inovadora e estimulante, que tenha expressão pública.

Não será chegado o momento de abrir caminho para a restituição dos sindicatos aos seus associados criando as bases de um sindicalismo moderno que constitua uma alternativa credível ao que muitos designam como o sindicalismo “de via reduzida” hoje dominante no nosso país?

A verdade é que o panorama do sindicalismo contemporâneo revela uma triste realidade: os sindicatos são tanto mais fracos quanto mais afastados dos organismos do estado. Os sindicatos precisam do estado para mostrar a sua força e, dessa forma, esconder a sua submissão aos ditames do patronato.

A luta de classes segue dentro de momentos …

(Artigo publicado na edição de 5 de Janeiro de 2007 do "Semanário Económico".)