Thursday, January 04, 2007

A LUTA DE CLASSES SEGUE DENTRO DE MOMENTOS ...

Ao abrir um novo ano verifico que vivemos um tempo em que o estado social está no centro de todas as atenções e todas as reformas são inadiáveis. Neste contexto apetece-me perguntar se, por acaso, a reforma dos sindicatos não deverá ser também considerada inadiável.

O papel dos sindicatos corresponde às exigências de uma sociedade em mutação? O programa de acção dos sindicatos corresponde aos anseios dos trabalhadores, em particular, dos trabalhadores “por conta de outrem”?

Ouço muitas interrogações, desde logo a minha própria, acerca da fúria reformista do governo. Compreendo a avalanche das medidas reformistas num país que carece absolutamente de ser capaz de sair do ciclo infernal do empobrecimento relativo face aos parceiros ricos do clube europeu cuja casa decidiu partilhar.

Mas sempre restará na mente de muitos a eterna dúvida de como será possível, em democracia, fazer mudanças profundas com o apoio dos que delas duvidam, por elas são prejudicados ou, pura e simplesmente, as rejeitam. Um mundo de contradições cuja superação parece, por vezes, ultrapassar a capacidade de gestão dos políticos tradicionais que polvilham todas as instância do poder político democrático.

Mas entre esses políticos encontram-se também os sindicalistas, em particular, os dirigentes, que têm ocupado, por regra, o lugar dos protagonistas da oposição a todas, ou a quase todas, as medidas reformistas do governo. De que forma esses dirigentes se interrogam acerca da reforma dos próprios sindicatos em prol da criação das bases de um sindicalismo moderno.

Não sou pelo menosprezo dos sindicatos e muito menos pela sua domesticação ao estilo do corporativismo do Estado Novo. Os sindicatos querem-se rebeldes e activos, poderosos e actuante, livres e acutilantes.

Mas os tempos mudaram e o paradigma da acção sindical, em Portugal, estagnou na lógica da correia de transmissão dos partidos com o chamado movimento de massas. O sindicalismo em Portugal vive das facilidades que lhe são oferecidas pelo patronato e pelo estado. Funcionalizou-se e luta mais para auto sustentar a sua nomenclatura e burocracia do que para defender os interesses dos seus associados.

A tendência para a acomodação dos sindicatos vem de longe, acompanhando as mudanças induzidas pelo chamado processo de globalização. Os sindicatos encarniçam-se, quase exclusivamente, na luta pela defesa dos interesses dos funcionários públicos.

Acantonaram-se, à velha maneira bolchevique, na luta pelo controlo do aparelho de estado, em particular, nas áreas que influenciam a formação da ideologia (educação), o exercício do poder de estado (justiça, forças militares e policiais) e a defesa da prevalência do estado social (saúde e segurança social).

Nas actividades de produção de bens transaccionáveis, na agricultura, indústria e na maior parte dos serviços, das quais o estado já se apartou, quase não soa uma palha reivindicativa que faça lembrar o sindicalismo revolucionário, social-democrata ou mesmo social-cristão, como se todos os direitos dos trabalhadores por “conta de outrem” estivessem salvaguardados e as suas conquistas de classe garantidas.

Os verdadeiros problemas dos trabalhadores assalariados, em particular, os mais jovens e os mais idosos, tais como as reformas precoces, o envelhecimento activo, a discriminação pelo género ou raça, a higiene e segurança no trabalho, entre outros, não motivam qualquer espécie de reivindicação, inovadora e estimulante, que tenha expressão pública.

Não será chegado o momento de abrir caminho para a restituição dos sindicatos aos seus associados criando as bases de um sindicalismo moderno que constitua uma alternativa credível ao que muitos designam como o sindicalismo “de via reduzida” hoje dominante no nosso país?

A verdade é que o panorama do sindicalismo contemporâneo revela uma triste realidade: os sindicatos são tanto mais fracos quanto mais afastados dos organismos do estado. Os sindicatos precisam do estado para mostrar a sua força e, dessa forma, esconder a sua submissão aos ditames do patronato.

A luta de classes segue dentro de momentos …

(Artigo publicado na edição de 5 de Janeiro de 2007 do "Semanário Económico".)

No comments: