No próximo sábado os portugueses vão ver-se livres de um pesadelo. O governo de direita (ou, melhor dito, “das direitas”) vai cessar funções.
Não uso palavras pesadas demais. Tenho até a percepção de que são pesadas de menos. Tenho ouvido, visto e sentido, por toda a parte, gente abandonada e ressentida, à beira da ruína, da marginalidade e do desespero, com fome e sem trabalho, sem futuro e sem esperança. Não só no mundo do trabalho como também no mundo dos negócios.
O pesadelo resultou de muitos e variados factores mas, entre eles, avulta o facto de o governo ter sido “sequestrado” por um partido extremista minoritário que tem um nome, um chefe e um ideólogo. O nome: CDS/PP; o chefe: Paulo Portas; o ideólogo: Bagão Félix.
Aliás a natureza totalitária do CDS/PP, de Paulo Portas/Bagão Félix, ficou bem evidenciada pelo recente episódio do retrato de Freitas do Amaral. Só os partidos totalitários suprimem a figura dos seus pais fundadores. O episódio, aparentemente irrelevante, tem um significado profundo: mostra à evidência que Portugal tem sido governado por uma coligação que integra um partido com vocação totalitária. As consequências desse facto, para o país, foram desastrosas.
A direita portuguesa, em si mesma, não seria um pesadelo se fosse uma direita moderna, aberta ao diálogo social, liberal, europeísta e empenhada na defesa dos valores da dignidade humana, da democracia e da liberdade. Mas não é o caso. A direita que tem ocupado o poder político, nos últimos três anos, abdicou desses valores em favor de uma deriva nacional/populista.
Durão Barroso, Paulo Portas, Santana Lopes e Bagão Félix foram (e são) os principais protagonistas do exercício de um modelo de poder que se não recomenda num país membro de pleno direito da UE.
Eles foram os responsáveis pela aplicação de um conjunto de medidas avulsas (mais do que de um “programa político”) que lançou o país e os portugueses na descrença e humilhou a imagem de Portugal na Europa e no mundo. Desde o “discurso da tanga” à “pesada herança”, desde a “fuga” de Durão Barroso às trapalhadas de Santana, desde a encenação de “homem de estado” de Portas à dissimulação beatífica de Bagão.
Foi o “salva-se quem puder” favorecendo, até aos limites da abjecção, os interesses particulares em desfavor do interesse público.
Eles não cuidaram, afinal, de assegurar o equilíbrio das contas públicas e desbarataram parte substancial do património nacional. Eles alargaram o fosso entre os mais ricos e os mais pobres, sem contrapartidas no desenvolvimento estrutural da economia. (Espera-se que o governo socialista realize um balanço sério e rigoroso desta herança).
Eles favoreceram e fomentaram o julgamento sumário de dirigentes políticos da oposição e da administração pública, através de autênticos autos de fé, queimando na praça pública, através de relações promiscuas com uma parte da comunicação social, o bom nome de centenas de cidadãos honestos.
Eles conduziram campanhas de devassa da vida privada de muitos portugueses sem cuidar de impedir o uso abusivo e ilegítimo do aparelho judicial e policial.
Eles distribuíram milhares de lugares de chefia da administração do estado pelos dirigentes mais obscuros das estruturas nacionais, regionais e locais dos seus partidos a coberto do combate aos designados “jobs for the boys”.
Eles lançaram o caos na administração da coisa pública e depreciaram a política fazendo-a descer ao nível da conversa de café e da zaragata entre comadres desavindas.
Eles encenaram, sem vergonha, uma espécie de revisitação, adornada de folguedos pós-modernos, do salazarismo.
É verdade que muitos dos valores ainda dominantes na nossa sociedade são herança de um passado que fomentou o medo, a resignação e a cobardia cívica, a subserviência e a dependência absolutas face aos poderes político e económico.
A ditadura obrigava a que os portugueses “fechassem a boca”, suprimindo o “espaço público”, em nome da ordem e dos bons costumes e uma ínfima nomenclatura de poderosos ditava as leis em nome da defesa de um Portugal “uno e indivisível do Minho a Timor”.
Mas é triste ter de reconhecer que, nos últimos três anos, o país viveu paredes meias com o regresso a essa “normalidade” em que, durante 48 anos, o medo, o terror e a intriga imperaram suprimindo a democracia ou usando-a, quanto muito, como um meio para adulterar a sua própria essência.
Finalmente o povo foi chamado às urnas e ditou o fim do pesadelo. Haja Deus!
Assim os novos governantes sejam dignos da confiança que o povo neles depositou pois Portugal precisa de um bom governo.
A essência da política que o novo governo socialista deve aplicar é simples: restituir a decência à vida pública, actuar com bom senso e ambição, olhar pelo equilíbrio entre os poderes e pela salvaguarda da separação dos mesmos, não esquecer os mais fracos e não espoliar os mais fortes.
Em suma um governo com coragem, que coloque a cobardia no sótão do esquecimento. Um governo que não faça fretes aos poderosos e não pratique a caridade com os mais fracos. Um governo justo e honrado. Que cumpra com as suas promessas e não esqueça a raíz da sua legitimidade: o voto de um povo sequioso de justiça.
Um governo que não vacile perante as corporações. Um governo que não ceda à chantagem dos extremismos, de direita ou de esquerda, nos quais a maioria do povo português se não revê.
Um governo que preze a liberdade acima de todos os valores em que se fundamenta o regime democrático. Um governo, enfim, que trabalhe para nos restituir o orgulho de ser portugueses.
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