Clara Ferreira Alves, in Expresso de 25 de Março de 2005
O anterior Governo despediu-se bem.
Lê-se no «Diário de Notícias» que o ministro Nobre Guedes fez publicar louvores no «Diário da República» a 22 membros do seu gabinete (todos), louvando-os pelas qualidades que qualquer ser humano deve ter num lugar daqueles, ou seja, discrição, competência, diligência, zelo, disponibilidade, dedicação, eficiência, sentido de responsabilidade, capacidade de decisão. 4 assessores, 1 assessor de imprensa (sobrinho do ministro), 3 motoristas, 9 secretárias e 5 adjuntos (5 adjuntos, repito) são todos louvados, incluindo-se no louvor a enorme vontade de aprender, qualidade estimável nestas coisas.
Lê-se no «Público» que o antigo (bela palavra) ministro da Defesa Paulo Portas resolveu ter como último acto público a atribuição de medalhas da Defesa Nacional, criadas pelo Governo de Durão Barroso em 2002 (e ainda dizem que o homem nunca fez nada por Portugal). Curiosamente, o antigo ministro resolveu condecorar o seu antigo (que bela palavra) ministro das Finanças, Bagão Félix (o que só lhe fica bem) e, surpresa das surpresas ou talvez não, deu mais uma medalha ao antigo (que belíssima palavra) embaixador americano em Portugal Frank Carlucci.
O que fez Frank Carlucci por Portugal nos últimos tempos que justifique esta medalha? Ou melhor, o que fez o Grupo Carlyle por Portugal nos últimos tempos que justifique esta medalha (a não ser tratar-nos como uma coutada)? Ou melhor, o que fez o Grupo Carlyle nos últimos tempos por Paulo Portas que justifique esta medalha (perguntar não ofende)? Recorde-se que já Santana Lopes, a mando e em substituição do (defunto) Barroso, tinha aproveitado uma ida a Nova Iorque para, num intervalo discreto, condecorar o mesmo Frank Carlucci (isto foi há meses) com uma daquelas medalhas grandes e pesadas do Presidente da República, tendo o mesmo Presidente da República aceite a sugestão do (defunto) Barroso para condecorar Carlucci. Porquê agora?
Tirando a atitude e o apetite da Carlyle face aos negócios de petróleo da Galp, e o excelente trabalho desenvolvido pela Euroamer e Artur Albarran na detenção de uma funcionária corrupta da Procuradoria-Geral da República (instituição que todos sabemos acima de qualquer suspeita) por causa da suspeita da Euroamer no crime de branqueamento de capitais, suspeita que consta de um recente Relatório da Inspecção-Geral de Finanças, não se vislumbra motivo actual para este desejo desenfreado de dar medalhas (e medalhas grandes) a Frank Carlucci, personagem sinistra quanto baste. Ver, para o efeito, o excelente documentário «CIA, Guerras Secretas», de William Karel (disponível em DVD) onde Carlucci aparece em todo o seu esplendor. Ou consultar a Net sobre a personagem, as suas ligações perigosas, e a sua amizade com os falcões da Casa Branca, incluindo Donald Rumsfeld.
Muito bom jornalismo de investigação (actividade extinta entre nós) se escreveu já sobre este Carlucci, o antigo amigo de Mário Soares (in illo tempore, ou como quem não tem cão caça com gato, ou como a realpolitik existe e Soares encontrou-a) e o «amigo dos portugueses», que está sentado no centro do poder americano, no centro de todos os segredos da política americana, no centro do mundo. E os portugueses, de repente, devem ser o único povo no mundo que resolveu medalhar o homem de seis em seis meses.
Deseja-se ao antigo ministro Paulo Portas uma boa viagem para os Estados-Unidos (se chegar a ir, e se for, que trabalhe e aprenda mais que o defunto Barroso, que nunca fez nada de jeito em Washington, a não ser «contactos» que muito lhe viriam a ser úteis) e que fique por lá uns bons tempos, até esquecer as amarguras e os rancores que o fizeram ir ao Parlamento no dia da apresentação do Programa do Governo, para ajustar contas com Diogo Freitas do Amaral. E para defender o amigo americano.
Suspeita-se que Freitas do Amaral não vai dar mais medalhas a Carlucci (esperemos que não).
Deseja-se que a Euroamer não passe incólume das suspeitas de branqueamento de capitais só por ter «ajudado» a apanhar uma clique de criminosos e corruptos que traficava informações e praticava a extorsão (crime, como se sabe, que não aflige as nossas instituições judiciárias).
O antigo primeiro-ministro Pedro Santana Lopes criticou o Governo chamando ao seu programa um filme de ficção. Fê-lo fora da cidade de Lisboa, num encontro do PSD. Se, verdadeiramente, Pedro Santana Lopes queria criticar o Governo, tinha à sua disposição um belo lugar no Parlamento português para o qual foi eleito e ao qual disse nada, assim que se soube que tinha perdido as eleições. Se não fazia tenções de lá sentar o rabo, para que resolveu candidatar-se? Mais valia ter dado o lugar a outro.
Pacheco Pereira disse numa das suas tribunas que não contassem com ele para fazer a vida fácil ao Governo de José Sócrates. E que Sócrates era igual a Santana Lopes. Miguel Sousa Tavares disse (e bem), que não só Sócrates não tem sido nada igual a Santana Lopes como ninguém estava a contar com Pacheco para dizer bem do que quer que seja, excepto de Cavaco Silva (e mesmo assim...).
Quanto ao silêncio imposto por Sócrates aos jornalistas, que Pacheco num arroubo compara a tentativa de mordaça, só a demasiada imaginação do colunista sustenta o argumento. E os que não estão silenciados seriam cúmplices da infâmia. Silêncio e discrição (essa qualidade que o antigo ministro Nobre Guedes tanto preza) não são o mesmo que silenciamento e censura, e atenção e espera não se confundem com cumplicidade, a não ser na imaginação de Pacheco. Mas, percebe-se o dilema de Pacheco, está a ficar com falta de inimigo, visto que o seu partido é chão que deu uvas. Ainda bem que vêm aí as autárquicas, senão a míngua de assunto seria pior do que a seca.
E termino com outra frase (e muito boa) do Miguel Sousa Tavares, a pedir uma chuva que nos lavasse. Veio a chuva, a chuva que precisamos. A chuva boa e primaveril. Chova, pois. Lavemo-nos.
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