Será possível que em Portugal, nos próximos anos, com um governo socialista, apoiado numa maioria estável, se desenvolva um processo de desenvolvimento sustentável e de modernização com coesão social? Será possível conduzir esse processo com taxas de desemprego relativamente elevadas? Será possível redefinir o padrão de especialização da economia, estimular o crescimento económico e assegurar o controle do deficit das contas públicas?
A margem de credibilidade de uma resposta positiva a estas perguntas é estreita: o Estado carece de uma reforma profunda e difícil, assente num acordo social, com incidência no longo prazo e o discurso dominante, na sociedade civil, é, passe a simplificação, do género: “Não faças ondas!”, “não dês nas vistas”, “olha que te queimas!”, “isso não foi nada comigo!”, “ele, ou ela, que explique”, “eles, ou elas, é que sabem”, “venha amanhã que já cá estará o responsável”... e passam dias, meses e anos!
O discurso político, por sua vez, tem sido um carrossel de omissões e “passa culpas”, assentes na mentira, na hipocrisia e na dissimulação de que os governantes da direita foram, cada um ao seu estilo, paradigmas inigualáveis.
O resultado das últimas eleições foi, pelo menos, portador de dois sinais positivos: para mudar alguma coisa, não só no Estado, como na sociedade civil, é necessário um poder político forte que, no entanto, carece de ser exercido com o apoio da opinião pública pois se nas campanhas eleitorais se podem tornear os problema com respostas evasivas no governo não será possível escapar às decisão controversas e difíceis.
O problema é quando se trocar por miúdos o “plano tecnológico” que Sócrates anunciou, ou seja, um projecto, ousado e realista, de modernização do país. Será necessário mudar quase tudo! É como se os portugueses, de forma imaginária, passassem a seguir à risca a palavra de ordem: “Trabalhe no Luxemburgo, cá dentro!”.
Todas as corporações vão defender os seus privilégios, colocando-se na primeira linha para obter os benefícios desse projecto, fingindo-se, ao mesmo tempo, “distraídas” para escapar aos esforços necessários para o tornar possível.
É que a qualificação dos recursos humanos, organizada e impulsionada em turbilhão, como terá de ser, tal o nosso atraso relativo face à média europeia, e a introdução acelerada das novas tecnologias de informação, promoverá a “morte” de empresas, serviços públicos e postos de trabalho.
Por isso só há uma solução para abordar, de forma séria, a crise social e, em particular, o desemprego: admitir a sua realidade, conter os custos económicos e humanos da sua eclosão e promover políticas activas que estimulem o investimento (nacional e estrangeiro) e uma mudança do padrão de especialização da nossa economia.
Mas às velhas questões, antes enunciadas, vieram juntar-se as “novas questões” do envelhecimento demográfico, da imigração e a do insucesso/abandono escolar precoce (esta com muita incidência no caso português) que, em conjunto, são uma verdadeira “bomba ao retardador” que poderá fazer implodir os princípios fundadores do “estado social”.
Certamente sem direito a ministério próprio estas questões atravessam transversalmente todas as áreas da governação condicionando decisivamente o crescimento económico, a sustentabilidade das finanças públicas e o sucesso das políticas sociais de raíz solidária.
Daí que seja inevitável que o novo governo socialista enfrente os desafios do “envelhecimento activo”, da inovação do conceito de trabalho (e de lazer), da flexibilização da idade de reforma, da penalização das reformas antecipadas, de uma nova ética de responsabilidade social de empresários e trabalhadores, de um novo papel dos sindicatos...
Estas são questões que podem e devem ser assumidas pela esquerda retirando à direita a iniciativa de as transformar num campo de batalha no qual os mais fracos serão sempre penalizados, provavelmente, de forma brutal e desumana fechando, ao mesmo tempo, o caminho ao populismo que sempre se insinua quando os defensores da liberdade vacilam na afirmação e actualização dos valores do estado social.
O PS deu sinais que permitem antever uma resposta afirmativa às perguntas iniciais acolhendo no programa de governo, de forma aprofundada e integrada, as novas políticas sociais sem receio de assumir a sua carga ideológica, bandeiras da defesa das forças do trabalho, não obrigatoriamente “despesistas” e “anti-liberais”, entre as quais se inclui o verdadeiro combate ao desemprego.
(Artigo publicado no "Semanário Económico" - Edição de 4 de Março de 2005)
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