Thursday, September 21, 2006

O HUMANÍSSIMO BAGÃO E A REFORMA DA SEGURANÇA SOCIAL

O humaníssimo Bagão Félix veio a terreiro, com seu ar seráfico, dissertar acerca da reforma da segurança social. Exibindo um discurso político em prol do chamado “sistema misto”, sem propostas concretas, ninguém ficou a saber mais do que já sabia.

A ideia desta tomada de posição é fácil de apreender: radicalizar para abrir brechas no campo socialista até porque neste campo, todos o sabemos, há quem defenda o “sistema misto” paradoxalmente, ou talvez não, gente que é oriunda da “esquerda socialista”.

A direita ataca o “sistema de repartição”, a opção da esquerda, e defende o “sistema misto”, a opção da direita. Faz lógica, não é? Sabemos que não existem sistemas puros mas também sabemos que, nesta questão, as diferenças político/ideológicas são radicais ou, pelo menos, muito marcadas o que é, aliás, essencial à própria lógica do regime democrático.

A matéria é complexa mas, no essencial, trata-se de saber se fica nas mãos do estado a gestão da segurança social, ou seja, dos recursos financeiros destinados a garantir a sustentabilidade do modelo de solidariedade inter-geracional. No pressuposto que este modelo de solidariedade se mantém, na sua essência, não sucumbindo, súbita ou gradualmente, à pressão do chamado "envelhecimento demográfico" conjugado com os interesses privados oriundos do sistema financeiro. [As ligações profissionais do humaníssimo a esses interesses são matéria irrelevante pois, como dizia o outro, interesses há muitos!].

A defesa pelo governo do PS do “sistema público de repartição”, não se deve às pressões da chamada ala esquerda do PS. A posição da direcção do PS nesta matéria é fácil de explicar: o pragmatismo político de José Sócrates encontra os seus limites na necessidade de salvaguardar o essencial da sua base social de apoio. [Além do mais a ala esquerda do PS é uma figura de retórica pelo menos durante este primeiro ciclo de acção do governo de Sócrates – um axioma que não carece de explicação!]

Não deixa de ser interessante o facto de Bagão atacar a concertação e ridicularizar o diálogo social. Vindo de onde vem.... Bagão acentua, por outro lado, a defesa do debate político desta questão na Assembleia da República. Ora Bagão não é membro de qualquer partido, nem é deputado. O humaníssimo nunca vai a votos. È um príncipe que não se sujeita à maçada das campanhas eleitorais. Não estaria nunca presente na Assembleia para defender as suas próprias propostas.

Mas o humaníssimo, apesar de não ir a votos nem se considerar um político profissional,já exerceu, por diversas vezes, funções governativas na área da segurança social. Na última vez – a partir de Março de 2002 – foi ministro da segurança social e, a partir do verão de 2004, ministro das finanças, em governos de maioria de direita liderados, sucessivamente, por Barroso e por Santana Lopes [esse mesmo!].

No governo Barroso, ao qual não faltou apoio presidencial, como o clímax da despedida do dito demonstra, Bagão beneficiou de condições políticas ímpares e de tempo [mais de dois anos como ministro da segurança social, o que excede o tempo que o actual governo leva no exercício de funções]para aplicar o “sistema misto” que preconiza.

O calcanhar de Aquiles do discurso do humaníssimo não está, pois, no facto de defender o “sistema misto” mas da inconsequência em apresentar na oposição soluções que não foi capaz de viabilizar e pôr em prática no governo. [uma verdade singela mas politicamente muito pesada].

Qual a razão por que não as aplicou? O humaníssimo andou a gastar o seu tempo com o quê? Se não tinha condições para aplicar as medidas que defende, com tanto fervor, por que razão não se demitiu? Quais as preocupações que o guiaram na acção governativa? Um mistério para a maioria, uma evidência que a história se encarregará de esclarecer.

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