Saturday, August 25, 2012

Salvar a França, salvar a Europa

O rosto da política francesa mudou dramaticamente em Maio e Junho. Primeiro, depois de 17 anos de presidentes de centro-direita, François Hollande, um socialista, foi eleito. Em seguida, um mês depois, uma maioria de centro-esquerda tomou o controlo da Assembleia Nacional, também após dez anos de dominação pela direita.

Entretanto, o Senado, a câmara alta do parlamento francês, um bastião conservador entre as duas guerras mundiais e desde então, mudou para uma maioria socialista pela primeira vez na história no fim de 2011. Os socialistas também controlam 20 dos 22 governos regionais de França, uma maioria das presidências dos departamentos, e a maior parte das cidades com mais de 30 mil habitantes. Em resumo, testemunhamos hoje uma impressionante concentração de poder sem precedentes na história republicana francesa.

Tudo isto aconteceu muito pacificamente, sem onda de triunfalismo, ou até sem muito entusiasmo. Na verdade, a taxa de abstenção para uma eleição presidencial nunca tinha sido tão elevada antes da disputa entre Hollande e Nicolas Sarkozy.

A profunda mudança política da França reflecte a persistência da crise económica que se iniciou em 2008. Os eleitores franceses não votaram num sonho. O programa do Partido Socialista e as promessas do seu candidato presidencial foram consideravelmente menos ambiciosos do que em 1981, quando François Miterrand foi eleito.

Como resultado, a campanha foi calma, quase cautelosa. Na verdade, a maioria dos candidatos, principalmente Sarkozy e Hollande, podem ter sido demasiado cautelosos: a crise actual e possíveis ameaças futuras receberam pouca importância, o que quer significa que talvez seja difícil a Hollande pedir um mandato para quaisquer reformas dolorosas que tenha que propor.

E agora não existe fuga à difícil realidade de que o défice orçamental continua enorme, a mais de 4% do PIB em 2011. Para além de ter criado 60 mil novos empregos na educação (após cortes controversos no ano passado) e restaurado o direito (rescindido por Sarkozy) de reforma aos 60 anos para cerca de 200 mil pessoas, o governo de Hollande tem muito pouco espaço de manobra, e deverão ser introduzidas medidas económicas severas no orçamento de 2013.

Além disso, o défice da balança comercial deteriora-se rapidamente, potenciando os já excessivos níveis de dívida, enquanto a produção decresce e o desemprego sobe. Não preparado para os mercados modernos, o sistema fiscal francês sufoca na verdade as empresas do país, reflectindo-se num perturbador aumento nas falências das pequenas e médias empresas.

Nessas condições, a França necessita urgentemente de restaurar e manter o crescimento económico, e deveria procurar coordenar as suas políticas com as de outros países membros da zona euro. Afinal, porque a maior parte dos 17 Estados-membros da zona euro sofre com dívidas pesadas, todos estão preocupados em encontrar maneiras fiscalmente responsáveis para promover o crescimento.

Infelizmente, às instituições da zona euro faltam os poderes necessários para defender eficazmente a união monetária. A dívida grega equivale a menos de 2% do PIB europeu. Se o Banco Central Europeu tivesse recebido ordem para utilizar poder de fogo suficiente quando a crise grega explodiu pela primeira vez, a ameaça só teria durado duas horas. Em vez disso, foram precisas três semanas para conceder ao BCE autorização parcial para agir, permitindo que a especulação se instalasse e alastrasse às dívidas portuguesa, espanhola e italiana, pondo assim em risco a sobrevivência do euro.

Afastar o risco de uma implosão do euro – que, dados os enormes desequilíbrios globais, a corrida aos mercados de derivados e a escala colossal do défice orçamental norte-americano, poderia catalisar uma crise internacional de grande dimensão – pressupõe duas mudanças fundamentais na Europa. A primeira é política e envolve a soberania: a completa solidariedade europeia só pode ser conseguida através de um federalismo monetário e fiscal mais forte, que permitiria à zona euro agir, apesar de divergências minoritárias. A Europa conseguiu falhar este objectivo durante meio século; agora não tem outra escolha senão acertar no alvo.

A segunda mudança envolve a doutrina económica. Se os mercados se autocorrigem, só o fazem quando os incumprimentos são registados e punidos. Mas os países e os seus serviços públicos não podem entrar em incumprimento sem infligir dor severa a populações inteiras. A Europa necessita urgentemente de uma doutrina económica que, apesar dos défices actuais, preserve financiamento para investimentos e pesquisa que promova o crescimento. Aqui, os líderes alemães, em particular, precisam de ser convencidos.Hollande, apoiado pela Espanha e pela Itália, conseguiu um pequeno passo nessa direcção na cimeira de Junho da União Europeia, que finalmente apoiou a ideia de uma união bancária. É apenas o início, mas a Europa tem de começar por algum lado. Tal como a França, cujas grandes preocupações só podem ser resolvidas no seio da UE – e apenas se a UE levar a cabo as mudanças políticas e económicas essenciais de que todos os seus membros necessitam.

Michel Rocard

Traduzido do inglês por António Chagas/Project Syndicate

In Público


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