Sunday, July 05, 2009

Manuel Pinho sobre o futuro da economia portuguesa

No século 21 vão ter lugar muitas mudanças, independentemente da nossa vontade. O segredo é conseguirmos antecipar essas mudanças, de maneira a transformá-las em oportunidades.

Num mundo em que há 195 países e em que os fluxos internacionais de bens, serviços e capitais são cada vez maiores, como é que Portugal se deve posicionar?

Em primeiro lugar, os portugueses têm de acreditar em si próprios. Desde o início da década, Portugal está globalmente mais competitivo, de tal forma que o défice da balança externa de bens e serviços baixou de quase 8% do PIB no ano de 2000 para apenas 3,5% em 2007 e em 2008 só subiu um pouco porque a conjuntura internacional foi extremamente negativa no quarto trimestre. Portanto, é um erro, além de ser uma manifestação de arrogância, passar a vida a dizer que as nossas empresas e os nossos empresários não são, de uma forma geral, competitivos.

Durante este período, verificou-se uma tendência muito interessante no sentido de as exportações terem cada vez mais valor acrescentado, de tal forma que no ano passado a balança tecnológica foi positiva pela primeira vez.

O problema é que o que aconteceu de positivo a este nível foi quase totalmente compensado pela evolução extremamente negativa da balança energética. Dado isto, a solução parece evidente e consiste em acelerar o processo de ganhos de competitividade nas indústrias exportadoras de bens e serviços e em desenvolver uma política muito agressiva de redução do défice energético.

Foi isto que foi feito, é isto que temos de continuar a fazer. A política de defesa dos consumidores tem um papel importante a desempenhar, porque cria uma cultura de exigência e qualidade no conjunto da sociedade. Consumidores mais exigentes promovem empresas mais competitivas.

A forma como nos tornámos um dos líderes nas novas indústrias da energia é um exemplo de como é possível transformar um desafio numa oportunidade e a aposta nas energias renováveis, na eficiência energética e na nova mobilidade vai reduzir muito a nossa dependência energética.

Por outro lado, está em criação uma fileira de indústrias muito competitivas e tecnologicamente avançadas que vai operar num mercado que se estima em 30 triliões de dólares nos próximos 20 anos. A política do presidente Obama é uma prova da importância estratégica desta fileira industrial. Imagine-se o que seria termos uma quota de mercado de 2-3% neste mercado em fortíssima expansão!

Depois do relatório Stern e do Nobel da Paz atribuído ao IPCC e a AL Gore a percepção da fronteira entre ambiente e economia mudou radicalmente. O mesmo aconteceu com a fronteira entre diplomacia política e internacionalização da economia, sendo a importância das relações criadas no sector da energia com a Venezuela, Argélia, Líbia e os Emirados exemplo disso.

Portanto, vamos ter de começar por fazer uma reforma institucional que tenha em conta esta nova realidade, juntando economia e ambiente, por um lado e diplomacia política e internacionalização da economia, por outro lado.

Não estamos condenados a ser um país de segunda divisão. Em termos de especialização, podemos e devemos ambicionar ser um dos líderes em três sectores em que temos uma excelente base de partida em termos de quota de mercado, imagem e know-how e que, ainda por cima, assentam na exploração de recursos que temos em abundância, ou seja no mar, rios, floresta, sol, vento e património.

Além do sector das novas energias, há mais dois que estão a ter um desenvolvimento notável e em que podemos estar entre os líderes. Na fileira da madeira, somos n.o 1 mundial na cortiça, n.o 1 mundial no aglomerado de madeira e n.o 1 europeu em vários segmentos da indústria do papel. As perspectivas são muito boas, em função dos grandes investimentos que a indústria da pasta de papel está a fazer e que, na altura, foram apelidados de faraónicos, sendo doravante verdadeiramente vital desenvolver uma nova política de gestão das florestas. O sector do móvel, centrado em Paços de Ferreira, que parecia condenado, está a dar uma volta a 180 graus e acaba de ser distinguido na feira de Milão, que é a mais exigente do mundo.

No sector do turismo, os números dos últimos cinco anos falam por si. 157 novas unidades de quatro e cinco estrelas. 188 novas rotas. Subida do 22.o para o 17.o lugar no ranking internacional de competitividade. Agora, o grande desafio do turismo é acabar os projectos que foram lançados, criar ainda mais novas rotas e, sobretudo, criar conteúdos através da exploração da sua complementaridade com as indústrias criativas, gastronomia, produtos tradicionais, etc. A aposta tem de ser na qualidade.

Mas, não poderemos esquecer o conjunto da economia, quer os sectores mais dinâmicos, que se estão a organizar em rede sob a forma de pólos de competitividade, quer o importantíssimo sector das PME, que reconhecem de forma extremamente gratificante que nunca foram tão apoiadas a todos os níveis. Por exemplo, quando pensamos nas linhas de crédito PME Investe que foram criadas em prazo recorde devemos pensar que, mais do que haver 25 000 empresas que foram beneficiadas, há 1 milhão de portugueses que não sofreram mais com a crise porque o apoio foi rápido e bem direccionado.

Esta política para as empresas tem de ser apoiada por uma verdadeira Aliança para a Internacionalização entre o Estado e a sociedade civil, em que ambas as partes têm de estar igualmente empenhadas, mas em que incumbe ao Estado dar os primeiros passo através de medidas que não deixem qualquer margem para dúvida sobre o seu comprometimento com este projecto.

Num horizonte de vários governos, e não de apenas um ou dois, há um projecto de âmbito verdadeiramente nacional sobre o qual é preciso formarmos um consenso o mais amplo possível: como reduzir os custos de sermos um país geograficamente periférico? Um dos aspectos mais interessantes da obra de Krugman é, precisamente, sobre a relação entre geografia e padrão de especialização. A solução para Portugal passa por tudo aquilo que possa encurtar a nossa distância do centro, desde aeroportos, a portos, passando pela banda larga, interligações eléctricas e TGV.

A qualidade das instituições é um importante factor de desenvolvimento. A complexidade e morosidade dos processos de licenciamento e o mau funcionamento do sistema de justiça são um travão ao progresso, além de gerarem um enorme e justificadíssimo mal-estar na sociedade portuguesa.Podemos ser um país que encara o século 21 com confiança. As palavras-chave são ambição, determinação, aliança, liderança, sustentabilidade, internacionalização e encurtar distâncias.

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