Judeu do gueto de Varsóvia, historiador dos marginais da Idade Média, foi comunista e depois estratego da transição democrática polaca. Foi sobretudo um "europeu". Dedicou a parte final da vida à luta contra os demónios dos nacionalismos e por uma Europa dos cidadãos
A biografia de Bronislaw Geremek, "Bronek" para os amigos, é uma ponte entre o século passado e o presente, o caminho que conduz do gueto de Varsóvia ao Parlamento Europeu ou que ilustra, disse alguém, a fundação da Europa dos 27 sobre as cinzas de Auschwitz. Polaco, judeu, historiador, comunista, dissidente, estratego da transição de 1989, ministro, eurodeputado, terá sido sempre, e sobretudo, um "intelectual comprometido".
O seu percurso deve ser narrado a partir do fim. Geremek, 76 anos, morreu no domingo, numa estrada polaca, a caminho de Bruxelas. Depois de ter vivido uma vida em contramão, o Mercedes que conduzia saiu subitamente da sua faixa e foi colidir com uma carrinha. Geremek apagou-se imediatamente. Os passageiros da FIAT Ducato ficaram feridos. A polícia ignora se houve falha mecânica ou uma perda de consciência.
O historiador Nasceu em Varsóvia em 1932, filho de um rabi, que veio a morrer em Auschwitz. Passou a infância no gueto de Varsóvia, de onde fugiu pela mão da mãe, em 1943. Teve um segundo pai, um agricultor católico, que o educou. Formou-se em História na Universidade de Varsóvia, fez o doutoramento e passou a ensinar na Academia das Ciências.
Medievalista, cedo elegeu o seu tema de investigação: pobres, vagabundos, delinquentes, prostitutas, os mecanismos sociais da caridade, do controlo e da exclusão.Estudou em Paris, com bolsas francesas, integrando-se na escola dos Annales. Foi discípulo de Fernand Braudel e amigo de Georges Duby e Jacques Le Goff. Defenderá, em 1972, uma segunda tese: Marginais parisienses nos séculos XIV e XV. Seguem-se Inúteis no mundo. Vagabundos e marginais na Europa nos séculos XIV e XV; A Piedade e a Forca. História da Miséria e da Caridade na Europa (tradução portuguesa, Terramar); ou Os Filhos de Caim. Imagens dos pobres e dos vagabundos na literatura dos século XV ao XVII. Investigará até ao fim da vida. Em 1993, ocupa uma cadeira no Collège de France.
Nos anos 1990 é eleito para várias academias. O político Marxista, Geremek adere ao Partido Socialista Unificado da Polónia (POUP, comunista) na universidade, em 1950. Só em 1968 rompe com o partido, em plena revolta dos estudantes polacos, perante a vaga de anti-semitismo lançada pelo ministro do Interior, general Moczar, e a soviética invasão da Checoslováquia.
No fim dos anos 70, colabora com o Comité de Defesa dos Operários (KOR), animado por Adam Michnik e Jacek Kuron. Não se limitam à luta contra a repressão que se seguiu às greves de 1970, promovem também uma "universidade itinerante", a primeira tentativa de aliar intelectuais e operários, que antecipará a aliança de 1980 em Gdansk.Gdansk, exactamente.
O medievalista é um dos portadores da declaração de 64 grandes intelectuais polacos de apoio aos grevistas do Estaleiro Lenine, onde se destaca o electricista Lech Walesa. Nasce o Solidariedade, o primeiro sindicato livre do bloco soviético. Michnik falou na era dos "três milagres". A visita de João Paulo II, em 1979, em que disse aos polacos: "Não tenhais medo!" e "E o povo deixou de ter medo." Foi o Prémio Nobel para o escritor Czeslaw Milosz. E, por fim, Walesa e o Solidariedade.
Em Dezembro de 1981, o general Jaruzelski decreta o estado de sítio e encerra o Solidariedade em nome do "mal menor", a ameaça de invasão soviética. Geremek será preso, várias vezes. Expulso da Academia das Ciências por "anti-sovietismo", ensina num instituto de jesuítas. A Rádio Varsóvia trata-o de forma simpática: "judeu chauvinista", ligado à "franco-maçonaria internacional", especialista de "assuntos escabrosos como a prostituição" na Idade Média. Ironia: três décadas mais tarde, a católica e integrista Radio Mariya repete os mesmos insultos.
No fim dos anos 80, o regime comunista não tem saída. A evolução da perestroika de Gorbatchov e um poderoso movimento social levam os intelectuais do Solidariedade a imaginar uma "transição pacífica". A 6 de Fevereiro, inicia-se a negociação da "Mesa Redonda". A 5 de Abril, há o acordo sobre o pluralismo sindical e, a 5 de Maio, um acordo político que prevê eleições "semi-livres": a oposição poderá concorrer a 35 dos lugares da Dieta e a todo o Senado.
O Solidariedade elege todos os 35 deputados e 99 dos 100 senadores. O primeiro governo democrático desde a guerra, chefiado por Tadeusz Mazowiecki, toma posse em Agosto. A Polónia arrasta a Hungria. Quando esta abre as fronteiras, os alemães de Leste "viajam" em massa. O Muro de Berlim cai na madrugada de 12 de Novembro.
Em Praga, a "Revolução de Veludo" coloca Vaclav Havel na Presidência da República. Geremek, Michnik, Kuron e Mazowiecki foram os teóricos desta revolução da "sociedade civil" e da "resistência moral" contra um partido e um Estado que detinham o monopólio da força política e militar mas eram "uma vasta máquina vulnerável" porque tinham perdido toda a legitimidade.
Foi um compromisso, uma transição sem sangue e sem vingança. Realizava-se a profecia do medievalista no momento da assinatura dos acordos de Gdansk em Agosto de 1980: "A originalidade da situação polaca é que torna indispensável o impossível."O europeu é um dos fundadores do partido União das Liberdades, liderado por Mazowiecki.
Deputado, será um dos autores da nova Constituição. Rapidamente entram em colisão com Walesa. A segunda etapa da vida política de Geremek começa em 1997, quando é nomeado ministro dos Negócios Estrangeiros, no governo de Jerzy Buzek. A meta passa a ser a rápida integração na União Europeia. Quando o governo cai, em Dezembro de 2000, já as negociações estão avançadas.
Não cessará de batalhar contra as muitas resistências ao alargamento, os egoísmos e temores dos grandes e pequenos Estados, que menosprezam a "dimensão histórica" da reunificação da Europa. Advertiu, em 1999, numa entrevista ao PÚBLICO: "Tenho a impressão de que a Europa não consegue perceber os efeitos nocivos da sua inacção - que a Europa tem medo de si própria. (...) Hoje assistimos à reaparição na cena europeia da noção de interesse nacional como referência principal. Para usar termos menos delicados, ao ressurgimento do espírito nacionalista na política europeia, que tem como resultado o predomínio do egoísmo nacional sobre a solidariedade europeia."
A Polónia entra na UE em 2004, ano em que Geremek é eleito eurodeputado. Há um movimento para o eleger presidente do Parlamento Europeu - uma grande figura europeia no ano simbólico do alargamento ao Leste. Mas socialistas e conservadores tinham outra contabilidade e optaram pelo catalão Josep Borrell. Continuou a luta contra os demónios da Polónia e da Europa.
Em 2007, reassume a condição de dissidente na Polónia, denunciando a "lei da lustração" imposta pelos gémeos Kaczynski. "A lei da lustração (...) engendra uma espécie de 'ministério da verdade' e uma 'polícia da memória'. Desarma o cidadão perante as campanhas de calúnia (...) e suscita um sentimento de inquietação e de completa dependência perante o poder." Não assina a declaração sobre as relações com a antiga polícia comunista e os Kaczynski tentam retirar-lhe o mandato. Mas o Supremo Tribunal polaco deu-lhe razão.
Quanto à Europa, obcecava-o a relação entre as nações e com os cidadãos. Após o "não" da Irlanda, reafirmou "a urgência de abandonar o princípio da unanimidade", que bloqueia a dimensão política da Europa, sublinhando ao mesmo tempo que "a Europa unida deve ser a dos cidadãos". Contra os referendos "plebiscitários", propunha "uma consulta popular europeia", após debate geral nos 27 países, com uma só questão: "Quer mudar o sistema de voto na UE?". "Não se deve temer o povo, antes o populismo que explora a ausência do povo na cena política."
Resumiu no prefácio de Visions d'Europe (2007): "Depois de termos feito a Europa, devemos agora fazer os europeus. Senão, corremos o risco de a perder."
Jorge Almeida Fernandes
Ler também no Letra de Forma
Wednesday, July 16, 2008
Tuesday, July 15, 2008
BANCO DE PORTUGAL - Boletim Económico | Verão 2008
8. CONCLUSÃO
As actuais projecções apontam para um fraco crescimento da economia portuguesa em 2008 e 2009, contemplando desta forma a interrupção do processo de recuperação gradual da actividade económica verificado nos anos anteriores, o qual tinha sido caracterizado por uma evolução mais favorável das exportações a partir de 2006 e por uma expressiva aceleração do investimento em 2007.
Na segunda metade de 2007, ocorreram vários choques de origem externa, nomeadamente a eclosão de uma turbulência sem precedentes nos mercados financeiros internacionais, associada a uma rápida e significativa reavaliação do risco pelos investi dores. As indicações mais recentes apontam para uma maior persistência desta situação de turbulência face ao inicialmente esperado, afectando em especial a evolução dos mercados de exportação e as condições de financiamento dos agentes económicos. Ao mesmo tempo, verificou-se uma intensificação do aumento do preço do petróleo nos mercados internacionais, para níveis historicamente elevados em termos nominais e reais.
Neste contexto, as actuais projecções reflectem, por um lado, a deterioração dos indicadores disponíveis para a primeira metade de 2008, não só os relaciona dos com a evolução da confiança dos agentes económicos como também os indicadores de natureza quantitativa relativos às exportações e ao investimento. Por outro lado, relativamente ao Boletim Económico do Inverno de 2007, a actual projecção considera um enquadramento internacional significativamente mais desfavorável, caracterizado simultaneamente por uma procura externa mais contida, um nível do preço do petróleo mais elevado, taxas de juro mais altas e uma taxa de câmbio do euro mais apreciada. Estas revisões afectam negativamente a projecção para a actividade económica em Portugal, em particular tendo em conta o elevado endividamento do sector privado não financeiro e a intensiva utilização de petróleo por unidade produzida.
A actual projecção aponta para que o aumento da inflação em 2008 assuma uma natureza temporária. A evolução contida dos custos salariais, num contexto de manutenção da taxa de desemprego em níveis elevados, e a estabilização do crescimento dos preços das matérias -primas - embora sem reversão para os níveis verificados anterior mente a 2007 – deverá permitir uma gradual redução da taxa de inflação no horizonte de projecção.
Apesar da revisão em baixa das projecções para a actividade económica corresponder, em parte, à concretização de alguns riscos descendentes identificados no Boletim Económico do Inverno de 2007, a actual projecção continua a ser caracterizada por uma elevada incerteza e por um balanço de riscos predominantemente no sentido de um menor ritmo de crescimento da actividade económica no horizonte de projecção, em especial em 2009.
O principal risco da actual projecção relaciona-se com uma intensificação da instabilidade nos mercados financeiros internacionais. Um maior aumento dos custos de financiamento à escala global, um ajustamento mais abrupto do mercado imobiliário em alguns países que registaram um forte aumento de preços nos anos mais recentes, bem como uma correcção mais rápida e desordenada dos desequilíbrios macroeconómicos globais implicariam um menor crescimento dos mercados de destino das exportações portuguesas e afectariam as decisões intertemporais de consumo e de investimento dos agentes económicos.
As actuais projecções apontam para um fraco crescimento da economia portuguesa em 2008 e 2009, contemplando desta forma a interrupção do processo de recuperação gradual da actividade económica verificado nos anos anteriores, o qual tinha sido caracterizado por uma evolução mais favorável das exportações a partir de 2006 e por uma expressiva aceleração do investimento em 2007.
Na segunda metade de 2007, ocorreram vários choques de origem externa, nomeadamente a eclosão de uma turbulência sem precedentes nos mercados financeiros internacionais, associada a uma rápida e significativa reavaliação do risco pelos investi dores. As indicações mais recentes apontam para uma maior persistência desta situação de turbulência face ao inicialmente esperado, afectando em especial a evolução dos mercados de exportação e as condições de financiamento dos agentes económicos. Ao mesmo tempo, verificou-se uma intensificação do aumento do preço do petróleo nos mercados internacionais, para níveis historicamente elevados em termos nominais e reais.
Neste contexto, as actuais projecções reflectem, por um lado, a deterioração dos indicadores disponíveis para a primeira metade de 2008, não só os relaciona dos com a evolução da confiança dos agentes económicos como também os indicadores de natureza quantitativa relativos às exportações e ao investimento. Por outro lado, relativamente ao Boletim Económico do Inverno de 2007, a actual projecção considera um enquadramento internacional significativamente mais desfavorável, caracterizado simultaneamente por uma procura externa mais contida, um nível do preço do petróleo mais elevado, taxas de juro mais altas e uma taxa de câmbio do euro mais apreciada. Estas revisões afectam negativamente a projecção para a actividade económica em Portugal, em particular tendo em conta o elevado endividamento do sector privado não financeiro e a intensiva utilização de petróleo por unidade produzida.
A actual projecção aponta para que o aumento da inflação em 2008 assuma uma natureza temporária. A evolução contida dos custos salariais, num contexto de manutenção da taxa de desemprego em níveis elevados, e a estabilização do crescimento dos preços das matérias -primas - embora sem reversão para os níveis verificados anterior mente a 2007 – deverá permitir uma gradual redução da taxa de inflação no horizonte de projecção.
Apesar da revisão em baixa das projecções para a actividade económica corresponder, em parte, à concretização de alguns riscos descendentes identificados no Boletim Económico do Inverno de 2007, a actual projecção continua a ser caracterizada por uma elevada incerteza e por um balanço de riscos predominantemente no sentido de um menor ritmo de crescimento da actividade económica no horizonte de projecção, em especial em 2009.
O principal risco da actual projecção relaciona-se com uma intensificação da instabilidade nos mercados financeiros internacionais. Um maior aumento dos custos de financiamento à escala global, um ajustamento mais abrupto do mercado imobiliário em alguns países que registaram um forte aumento de preços nos anos mais recentes, bem como uma correcção mais rápida e desordenada dos desequilíbrios macroeconómicos globais implicariam um menor crescimento dos mercados de destino das exportações portuguesas e afectariam as decisões intertemporais de consumo e de investimento dos agentes económicos.
Thursday, July 10, 2008
Intervenção do Primeiro-Ministro no debate sobre o Estado da Nação, na Assembleia da República
1. Determinação e confiança
Senhor Presidente, senhoras e senhores Deputados:
A acção do Governo tem, como orientações fundamentais, o impulso reformista, a disciplina orçamental, a aposta na economia, na qualificação e no emprego, e o desenvolvimento das políticas sociais. Estas orientações exigem determinação: a determinação necessária para enfrentar os problemas e concretizar as soluções que modernizem o país, dinamizem o crescimento e melhorem o bem-estar das pessoas.
Esta determinação é ainda mais necessária quando, por efeito da crise internacional, Portugal vive dificuldades. Mas é no tempo das dificuldades que melhor se vê a diferença entre aqueles que só propõem a resignação e a desistência, porque nada têm a apresentar de novo e de positivo ao país, e todos quantos olham de frente e com coragem para o futuro, investindo no progresso e na modernização.
As dificuldades, que Portugal e os restantes países desenvolvidos enfrentam, exigem determinação e não desistência. E este é, não tenho dúvidas, o ponto mais importante do debate sobre o estado da Nação.
A perspectiva do Governo é muito clara. Assumimos as dificuldades originadas pela conjuntura internacional de subida dos preços do petróleo e dos bens alimentares e de alta das taxas de juro. Mas sabemos que, mercê da consolidação orçamental e dos progressos que fizemos nos últimos anos, estamos hoje mais bem preparados para enfrentar as dificuldades. E enfrentá-las significa manter o rigor orçamental, continuar a apostar na dinamização da economia e prosseguir as reformas modernizadoras. Em suma, manter o rumo modernizador para Portugal.
Não se pode, porém, dizer sim ao progresso económico e social, sem dizer não, um rotundo não, à cultura do «bota-abaixo», da resignação, da desistência, que parece ser a única coisa que algumas forças políticas têm a oferecer ao país. Essa linha destrutiva, que mina a confiança e cultiva o desalento, é além do mais requentada, porque penalizou Portugal entre 2002 e 2005. É uma linha irresponsável, que a única coisa que propõe é parar, desistir ou adiar. É uma linha política que mais parece opor-se ao país do que ao Governo.
Todos já sentimos na prática os efeitos profundamente negativos da teoria de que o país não teria supostamente dinheiro para nada e teria de desistir de qualquer investimento no seu futuro. Alguns querem, pelos vistos, regressar a essa nefasta teoria. Mas a nossa escolha é completamente diferente: a nossa escolha é da determinação e da coragem para manter o rumo face às dificuldades, apostando nas reformas, no investimento e na justiça social.
2. Reformar para um novo compromisso social
Ora, em matéria de reformas de fundo, este ano foi particularmente intenso. Dou apenas três exemplos. Concluímos as peças-chave da reforma da administração pública. Aprovámos o novo regime de gestão das escolas básicas e secundárias e a avaliação de desempenho do pessoal docente. Concluímos a reforma da justiça, cumprindo totalmente, ao contrário da outra parte, o compromisso assumido no Pacto da Justiça.
Mas deixem-me destacar a revisão da legislação laboral. Depois de concertação com os parceiros sociais, apresentámos ao Parlamento a proposta de um novo Código de Trabalho, que representa o mais poderoso combate dos últimos 30 anos à precariedade laboral, ao mesmo tempo que favorece a negociação colectiva, promove a adaptabilidade das empresas e alarga os direitos das famílias.
Este conjunto de reformas é a prova real e concreta de que o Governo é fiel ao seu programa, prosseguindo com determinação as mudanças de que o país necessita, sem qualquer cálculo eleitoralista. Mas mostra também dois outros aspectos, que importa realçar.
Por um lado, o Governo tem reformado o Estado e a administração para modernizar e qualificar os serviços públicos. E que diferença política está aqui! Nós não dizemos, como outros, que a universalidade do Serviço Nacional de Saúde tem de ser repensada, ou que a classe média tem de pagar duas vezes a saúde, como contribuinte e como utente. Nós fizemos a reforma da Segurança Social para reforçar a justiça e a sustentabilidade da segurança social pública, quando outros queriam a sua privatização. Nós trabalhamos para que a escola pública funcione melhor e não, como outros propõem, para que seja entregue a exploração privada.
Eis a diferença básica e essencial. Serviço Nacional de Saúde, segurança social pública e escola para todos não são, para nós, funções descartáveis. São, isso sim, os pilares do Estado social moderno, que queremos para Portugal.
Por outro lado, o Governo tem procurado apoiar as principais reformas na concertação e no compromisso social. A reforma da administração pública tem por base sucessivos acordos com organizações sindicais. Reformas tão importantes como a revisão do subsídio de desemprego ou o aumento histórico do salário mínimo tiveram como suporte acordos de concertação social. E o acordo celebrado com parceiros sociais, para a revisão da legislação laboral, é a melhor prova de que a nossa determinação reformista vai de par com a abertura à concertação e ao compromisso
Isto significa que as duas mais decisivas reformas no âmbito dos direitos sociais – a reforma da Segurança Social e a reforma da legislação laboral – estão sustentadas por apoios alargados dos parceiros sociais, o que quer dizer que estão para além do circunstancialismo político do momento.
3. A consolidação orçamental permite lançar novas medidas sociais
Senhor Presidente, senhoras e senhores Deputados:
A disciplina orçamental é um ponto essencial da acção do Governo. Em dois anos, conseguimos resolver a gravíssima crise orçamental que herdámos, tendo Portugal saído do procedimento por défices excessivos em Junho passado, isto é, um ano antes do prazo acordado. Procedemos à consolidação das contas públicas através de reformas que reduziram a despesa e sem recurso a receitas extraordinárias geradoras de encargos futuros.
Equilibrando as contas públicas, vencemos, portanto, onde antes outros falharam. E duplamente falharam: porque não resolveram a crise orçamental e porque o disfarce que tentaram fazer gerou custos que temos agora de pagar. Esses que tão flagrantemente falharam não têm, por isso, nenhuma legitimidade para virem agora pôr em dúvida o nosso trabalho e mérito.
4. O investimento público é necessário para o crescimento da economia
Senhor Presidente, senhoras e senhores Deputados:
A atenção à economia e ao emprego é especialmente importante quando nos defrontamos, agora, com as dificuldades geradas pela conjuntura internacional.
Para enfrentá-las, é preciso ter consciência da sua origem. A subida do preço do petróleo e dos bens alimentares, a subida das taxas de juro e a apreciação do euro face ao dólar são constrangimentos exteriores à economia portuguesa, que têm efeitos sobre ela mas não dependem do Governo, dos empresários ou dos trabalhadores portugueses. Pretender o contrário não é apenas fazer a mais descarada demagogia; é também não compreender quais são as responsabilidades próprias das autoridades nacionais.
E deixem-me ser aqui totalmente claro.
A nossa responsabilidade é, primeiro, não esconder nem disfarçar a dimensão do problema causado pelo terceiro choque petrolífero. Por isso é preciso ser firme na recusa das pretensas soluções que, como a baixa de impostos sobre os combustíveis, dariam aos consumidores a mensagem errada de que não seria preciso ajustar os comportamentos à nova realidade dos preços, e significariam pôr todos os contribuintes a pagar os custos de sectores particulares.
A nossa responsabilidade é, em segundo lugar, apostar tudo nas respostas estruturais a um problema energético que também é estrutural. E fizemos bem em andar depressa. E andámos depressa desde início, na definição de metas ambiciosas para as energias renováveis, no aproveitamento dos nossos recursos hídricos, eólicos e de energia solar, e na promoção da eficiência energética. O programa nacional de barragens, em curso, deve ser destacado como uma dessas respostas estruturais. Por isso mesmo, aqueles que usam de todos os expedientes para criticar esse programa põem em causa, isso sim, o desenvolvimento do país e a resposta de fundo à actual crise energética.
A nossa responsabilidade é, em terceiro lugar, incentivar o investimento e a modernização económica e apoiar a criação de emprego. Conseguimos atrair investimento privado qualificante nas áreas cruciais da petroquímica, da construção automóvel, do papel, do mobiliário, da energia, do turismo. Foram estes investimentos que permitiram à economia portuguesa recuperar a sua capacidade de crescimento e de gerar emprego. É este o caminho a seguir.
Mas para ter mais e melhor emprego, precisamos também de mais qualificações. Daí a aposta essencial na formação e na qualificação dos portugueses. Temos hoje mais alunos no ensino secundário e no ensino superior e, no próximo ano lectivo, metade dos alunos do secundário estarão em cursos tecnológicos e profissionais. Até ao momento, mais de 400 mil portugueses se inscreveram no programa Novas Oportunidades. Com o Plano Tecnológico da Educação, as escolas estão a apetrechar-se com todos os recursos indispensáveis ao uso universal das tecnologias de informação e comunicação. O país gastará este ano 1% do produto nacional em investigação e desenvolvimento. E a maior fatia do QREN está consagrada ao potencial humano.
Porque soubemos resolver a tempo o nosso problema do défice orçamental excessivo, estamos hoje em melhores condições para enfrentar a difícil conjuntura económica internacional.
Em primeiro lugar, reduzimos em 1 ponto percentual a taxa normal de IVA, medida que está em vigor desde o passado dia 1 de Julho e significa devolver aos consumidores e à economia cerca de 600 milhões de euros por ano.
Em segundo lugar, o QREN é hoje um poderoso apoio à economia portuguesa, com especial atenção às pequenas e médias empresas, ao sector exportador e à modernização tecnológica.
Em terceiro lugar, o reforço do investimento público é muito importante, a vários títulos. É importante para a modernização do país, para a melhoria das acessibilidades rodo e ferroviárias, assim como portuárias e aeroportuárias. É importante para a coesão do território e, em particular, para o desenvolvimento das regiões mais desfavorecidas. É importante para a melhoria dos equipamentos sociais, como hospitais e centros de saúde, escolas e creches. É importante, enfim, para o crescimento da economia e do emprego.
Por isso, aqueles que querem pôr agora em causa os investimentos públicos podem pedir ao Governo as explicações que entenderem; mas são verdadeiramente eles quem deve explicações ao país.
Devem, primeiro, explicações pela ausência de responsabilidade institucional. Um só exemplo: em 2004, o Estado português comprometeu-se com a construção de cinco linhas de TGV; e definiu datas, traçados e estações. Agora que o projecto foi redimensionado por este Governo com prioridade às duas ligações essenciais entre Lisboa e Madrid e entre Lisboa e o Porto, com que legitimidade é que vêm atacar a construção destas duas linhas exactamente os mesmos que, enquanto ministros, se comprometeram em 2004 com o dobro?
E, depois, devem também explicações pela falta intencional de clareza política. Porque lançam a suspeição geral sobre as obras públicas, mas não têm a coragem de dizer às populações que obras em concreto quereriam sacrificar: isto é, que estradas, que ferrovias, que barragens, que escolas, que hospitais propõem que se deixe de construir!
Devem, finalmente, explicações pela óbvia incoerência política. Na fase de maior esforço de contenção orçamental e redução da despesa pública, Orçamento após Orçamento, os partidos da direita protestaram contra o alegado sacrifício do investimento público. Pois agora que o investimento público cresce, querem manifestar-se contra ele? E, depois, basta observar as constantes mudanças de posição: num dia, são as barragens que são postas em causa, no outro o novo aeroporto de Lisboa. Vem outra manhã e já é o TGV; ou então, as estradas; ou ainda, os hospitais. E nem uma imaginária "terceira via" da auto-estrada de Lisboa ao Porto escapa a este rosário de contradições, que só demonstra uma coisa: onde devia haver ideias claras e firmes, só reina a desorientação e o oportunismo; onde se devia olhar para o futuro, só se vê o regresso a um passado de má memória. Quando o país precisa de esperança e confiança, o que se faz é cultivar o pessimismo e o desalento.
5. A justiça social no centro da acção do Governo.
Senhor Presidente, senhoras e senhores Deputados:
O Governo coloca a política social no centro da sua acção. Ano após ano, num contexto de redução da despesa pública, cresce, como é necessário que cresça, a parte do PIB afecta à despesa social. Na saúde, na educação e na segurança social, fizeram-se as reformas indispensáveis a que os serviços públicos sirvam melhor, durante mais tempo, mais pessoas. E, ano após ano, têm sido lançadas novas medidas de apoio e protecção social, que constituem a melhor marca deste Governo.
A nossa inspiração diz-se em duas palavras: justiça social. É mesmo disso que se trata, de justiça social. Nós não confundimos protecção social com assistencialismo, nem, ao contrário de outros, nos propomos reduzir as funções sociais do Estado. Foi em nome da justiça e da equidade que realizámos a convergência entre os regimes da função pública e da segurança social, que eliminámos os regimes especiais de protecção, a começar pelos dos titulares de cargos políticos, que acabámos com as regras especiais de aposentação dos gestores públicos, que introduzimos a taxa de 42% no IRS. É em nome da justiça que melhoramos a eficiência da administração fiscal e combatemos a evasão e a fraude contributiva. E é convictamente em nome da justiça social que vamos sucessivamente lançando novas medidas de política social.
A direita parece ter descoberto, em 2008, a necessidade de proteger os mais pobres. Mas eu tenho uma pergunta simples: entre 2002 e 2005, quando estava no Governo, o que é que a direita fez em prol da protecção social? Eis o seu registo: congelou o PIDDAC nacional para a construção de novos equipamentos sociais; centenas de milhar de pensionistas viram a actualização das suas pensões ficar sistematicamente abaixo da inflação; quis liquidar o rendimento mínimo garantido; baixou a protecção na doença; aumentou de três para seis anos o prazo máximo de duração dos contratos a termo. Com que legitimidade quer agora a direita falar?
Pelo contrário, o Governo tem lançado sucessivamente, desde 2005, novas medidas sociais. Dou apenas exemplos: o Complemento Solidário para Idosos, de que beneficiam hoje 90 mil pessoas, com apoios complementares na área da saúde; a garantia de pelo menos a reposição do poder de compra nos aumentos das pensões mais baixas, garantia que beneficia 93% das pensões; o aumento histórico do salário mínimo, duas vezes acima da inflação, de que beneficiam centenas de milhar de trabalhadores; a redução em 50% das taxas moderadoras para maiores de 65 anos, de que beneficiam 350 mil utentes; o financiamento da acção social das IPSS, que atingiu em 2007 o valor máximo de 1.094 milhões de euros; o programa PARES, para creches e outros equipamentos de apoio às famílias, completamente dirigido às IPSS e que mobiliza um investimento público superior a 250 milhões de euros; a duplicação das deduções fiscais por cada filho menor de três anos; a duplicação do abono de família para o segundo filho e a triplicação para o terceiro filho e seguintes, nos primeiros três anos de idade; o novo abono pré-natal para mulheres grávidas, de que beneficiam 94 mil mulheres; e o aumento extraordinário, em 25%, do abono de família para as famílias do primeiro e segundo escalão, de que já beneficiam 970 mil crianças e adolescentes.
Sim, senhores Deputados: não há nenhum ganho na consolidação das contas públicas que não seja imediatamente aproveitado para melhorar as condições de vida das pessoas, com particular atenção às famílias e aos grupos sociais mais vulneráveis. E isto é possível porque este é o Governo de uma esquerda responsável, que aposta ao mesmo tempo na modernização da economia, no rigor orçamental, na qualificação e nas políticas sociais, porque é esta ligação que melhor permite praticar e promover a justiça social!
6. Novos apoios para as famílias, nos encargos com a habitação
Senhor Presidente, senhoras e senhores Deputados:
As causas das dificuldades presentes estão fora de nós, no aumento do preço do petróleo e dos bens alimentares, na subida das taxas de juro, nos mercados financeiros internacionais. Mas os seus efeitos fazem-se sentir na economia e na vida dos Portugueses, principalmente nas famílias com menos recursos e nas empresas mais expostas aos custos energéticos e às mudanças estruturais.
Nesta conjuntura, o essencial é manter o rumo: reformas, rigor, incentivo à economia, prioridade à educação e à protecção social. Para manter o rumo, é preciso dizer não às propostas demagógicas de baixa generalizada de impostos ou aumento substancial de despesa pública; e é preciso ter confiança em nós próprios e nas nossas capacidades.
Já anunciei neste Parlamento, nas últimas semanas, vários apoios às famílias e incentivo à economia e à reestruturação dos transportes. Lembro apenas o aumento extraordinário do abono de família, o congelamento dos preços dos passes e assinaturas nos transportes colectivos, e as medidas de apoio ao investimento, à exportação e à reestruturação dos transportes, tomadas em sede fiscal e do QREN.
Mas quero hoje apresentar um novo conjunto de medidas, que procuram apoiar as famílias aliviando-as de algumas das suas despesas básicas, sempre dando mais a quem mais precisa.
A forte subida das taxas de juro está a criar dificuldades nas muitas centenas de milhar de famílias que adquiriram habitação própria recorrendo ao crédito bancário. Ora, a taxa de juro não depende das autoridades nacionais. Mas podemos e devemos ajudar as famílias de menores rendimentos a acomodar melhor os seus encargos com a habitação, mudando a forma como tais encargos entram para a determinação do valor do seu IRS.
É o que faremos. Hoje, o Conselho de Ministros aprovou uma proposta de lei que espera ver convertida em lei o mais depressa possível. O objectivo é alterar o cálculo da dedução à colecta dos encargos com juros de empréstimos à habitação própria e permanente. Actualmente, todos os contribuintes com tais encargos deduzem por igual 586 euros à colecta de IRS. Faremos duas mudanças. A primeira é a introduzir o princípio da progressividade: os titulares de menores rendimentos deduzirão mais do que os restantes. A segunda é aumentar substancialmente o montante que os contribuintes de menores rendimentos poderão deduzir. Assim, para os contribuintes do primeiro e segundo escalão do IRS haverá uma majoração de 50%. Ou seja, passarão a deduzir 879 euros. No terceiro escalão, a dedução poderá ir até 703 euros, isto é, uma majoração de 20%. E, no quarto escalão, que vai até 40.000 euros de matéria colectável, a majoração será de 10%, isto é, uma dedução de 644 euros. Esta medida aplica-se já aos rendimentos de 2008 e beneficia quase um milhão de agregados.
A segunda medida de natureza fiscal relativa à habitação própria diz respeito aos valores do IMI, o imposto que substituiu, em 2003, a antiga contribuição autárquica. Como vai sentindo na carne a generalidade dos Portugueses com habitação própria, o IMI tornou-se um sorvedouro de recursos familiares. E deixem-me dizê-lo com franqueza: como soa a falso que se digam agora defensores das classes médias e arautos da sensibilidade social os partidos e os líderes políticos que, em 2003, no Governo, criaram este verdadeiro paradigma de punção fiscal sobre as classes médias!
Sem prejuízo da reforma mais profunda que já se encontra em preparação, corrigir os exageros do IMI é, pois, uma urgência; uma urgência de justiça fiscal e de respeito por um grande número de famílias portuguesas. Por isso mesmo, o Governo aprovou também hoje um conjunto de medidas destinadas a travar o aumento imoderado da receita do IMI e baixar significativamente o imposto pago por muitas famílias.
A primeira medida é o alargamento do período de isenção de pagamento do imposto após a compra de prédio para habitação própria e permanente, prolongando-o em mais dois anos para as casas até 157 500 euros de valor patrimonial tributário (ou seja, de seis para oito anos) e em um ano para os prédios entre 157 500 euros e 236 250 euros (ou seja, de três para quatro anos). Este alargamento beneficiará 428 mil agregados.
A segunda medida é a redução da taxa máxima de IMI de 0,8 para 0,7% no caso dos prédios não avaliados e de 0,5 para 0,4% no caso de prédios já avaliados. No primeiro caso, beneficiam desta medida um milhão e setecentos mil proprietários. No segundo caso, 400 mil proprietários. O efeito agregado destas medidas é o seguinte: em vez de aumentar em 150 milhões de euros, a receita das autarquias com o IMI aumentará em 50 milhões. Quer isto dizer que, travando o aumento imoderado deste imposto, nós continuaremos a garantir aumento de receitas para os municípios, baixando contudo significativamente o encargo de centenas de milhar de pessoas.
O Governo tem plena consciência das dificuldades originadas pela acentuada subida das taxas de juro. Por isso, decidiu propor ao Parlamento que use os instrumentos fiscais ao seu dispor para ajudar as famílias atingidas. Com a redução do IMI, beneficiarão todos os proprietários de imóveis. Com a alteração na dedução da colecta de IRS, beneficiaremos mais as famílias de menores rendimentos. É isto, na prática, a justiça social!
7. Novos apoios para as famílias, nos transportes
Mas não é apenas na habitação que devemos e queremos apoiar as famílias, por causa dos novos encargos com que elas hoje se confrontam. O terceiro choque petrolífero, que vivemos, tem óbvias implicações no custo dos transportes. O preço do petróleo não depende de Portugal. Mas Portugal deve e está a responder, com o investimento nas energias renováveis e a promoção da eficiência energética. Essa é uma dimensão. Outra dimensão, também importante, é o incentivo à utilização dos transportes colectivos.
O Governo já decidiu, para 2008, o congelamento do preço de todos os tipos de passes e assinaturas. A mensagem é clara: os utentes regulares de transportes colectivos são beneficiados. Pois bem, vamos agora criar um novo passe para os transportes públicos urbanos: o passe escolar.
O passe escolar destina-se a todas as crianças e jovens, dos 4 aos 18 anos; e garante a redução para metade do valor mensal da assinatura de cada tipo de transporte. Dou dois exemplos simples, mas significativos. Hoje, o passe L1,2,3, na área de Lisboa, custa 52,5 euros; passará a custar metade. O passe «Andante», no Porto, no qual já há hoje uma redução de 25% para estudantes, custando-lhes 17,6 euros, passará a custar 12,45.
Esta medida tem três objectivos, qual deles o mais importante.
O primeiro é pôr fim às disparidades que hoje se verificam na definição do tarifário segundo os grupos etários. Doravante, um único documento permitirá a todas as crianças e jovens beneficiar de redução de 50% no uso regular de qualquer transporte urbano.
O segundo é apoiar as famílias em mais uma das suas despesas básicas. Quero tornar claro que este novo passe se acrescenta ao sistema já hoje existente de transportes escolares, pelo qual todos alunos que residam a mais de 3 ou 4 quilómetros da escola básica têm direito a transporte gratuito para a sua escola.
O terceiro objectivo é incentivar desde a infância a utilização regular de transporte colectivo, como alternativa ao transporte individual. E esta é talvez a mensagem mais necessária: é preciso habituarmo-nos todos, desde a infância, à ideia de que na cidade se deve andar a pé ou de transporte público. Essa não é apenas uma condição para diminuir a dependência face ao petróleo, é também uma condição essencial para tornar as nossas cidades mais amigas do ambiente e mais respiráveis.
8. Novos apoios para as famílias, na educação
Senhor Presidente, senhoras e senhores Deputados:
Quero agora falar de outra medida fundamental no apoio às famílias. Trata-se do alargamento da acção social escolar no ensino básico e secundário. É uma medida com impacto positivo em várias dimensões: no apoio às famílias mais carenciadas; no combate ao abandono e ao insucesso escolar; e na simplificação da relação entre os cidadãos e a administração pública.
Hoje, são bastante diferentes as formas como se determinam os escalões de mais baixos rendimentos, na segurança social, para efeitos de abono de família e, na escola, para efeitos de acção social. Esta discrepância tem duas consequências muito negativas: por um lado, introduz burocratização e opacidade; por outro, restringe muito o acesso à acção social escolar. Basta pensar que o primeiro escalão do abono de família abrange 400 mil crianças e jovens, mas o primeiro escalão da acção social escolar só abrange 185 mil.
A alteração decidida pelo Governo tem dois objectivos essenciais. O primeiro é simplificar: doravante, os critérios de atribuição do primeiro e segundo escalão do abono de família servirão automaticamente para a acção escolar, sendo apenas necessário o requerimento dos interessados. Assim se libertarão as famílias e as escolas de burocracia e ficará mais transparente o processo de atribuição de apoios.
O segundo e principal objectivo é alargar substancialmente o número de alunos beneficiários da acção social escolar. Hoje, como disse, 185 mil alunos estão abrangidos pelo primeiro escalão; passarão a ser 400 mil, com direito à totalidade dos apoios em refeições, manuais e material escolar. Hoje, 45 mil alunos estão abrangidos pelo segundo escalão, passarão a ser 310 mil, com direito a 50% dos apoios referidos. Quer dizer: será, sem dúvida alguma, uma vasta operação de alargamento da cobertura de acção social escolar e um passo decisivo na promoção da integração e do sucesso escolar.
9. Todos devem contribuir
Senhor Presidente, senhoras e senhores Deputados:
Todos têm de contribuir para o esforço nacional. Para este Governo, a repartição equitativa dos custos é o outro lado da distribuição equitativa das oportunidades. Quem mais tem deve contribuir para apoiar quem mais precisa.
As famílias portuguesas estão hoje confrontadas com novos encargos em razão dos efeitos da conjuntura internacional. E a alta dos preços do petróleo, que só no último ano duplicaram, é um dos aspectos mais gravosos da actual conjuntura. Ora, essa subida não deixou de valorizar de forma extraordinária certos activos das empresas petrolíferas. É, por isso, justo que estas empresas contribuam também para o financiamento das medidas que o Estado tem de tomar em favor dos que mais precisam.
Por isso, o Governo aprovou hoje uma proposta de lei para a criação de uma taxa excepcional sobre as mais-valias potenciais das empresas petrolíferas, resultantes da actual escalada de preços. Essa tributação autónoma será de 25%, isto é, igual à taxa do IRC. E incidirá sobre o ganho extraordinário que resulta da alteração dos critérios de valorimetria dos stocks de petróleo para efeitos fiscais.
10. Determinação, confiança, justiça
Senhor Presidente, senhoras e senhores Deputados:
O momento não é de resignação nem de desistência. A conjuntura internacional e a incerteza da sua evolução colocam dificuldades sérias à economia e às famílias portuguesas. Mas isso só deve aumentar a nossa determinação. O país já ultrapassou uma grave crise orçamental, e isso dá-nos ânimo e confiança na nossa capacidade, já demonstrada, de enfrentar e resolver as dificuldades.
As dificuldades são sérias, ninguém o nega. Por isso mesmo, temos de agir em várias áreas, olhando para a frente, com determinação e sentido de justiça.
As medidas que hoje apresentei ao Parlamento têm este traço comum: justiça na repartição dos custos e na distribuição das oportunidades; incentivo ao uso dos transportes colectivos; e, principalmente, apoio às famílias onde elas mais precisam, na habitação e na educação dos filhos.
Estas medidas são possíveis e são necessárias. Mas o que de mais importante elas exprimam é a nossa vontade de enfrentar os problemas, com responsabilidade, com confiança e com sentido de justiça social. A bem de Portugal e dos Portugueses.
2008-07-10
Senhor Presidente, senhoras e senhores Deputados:
A acção do Governo tem, como orientações fundamentais, o impulso reformista, a disciplina orçamental, a aposta na economia, na qualificação e no emprego, e o desenvolvimento das políticas sociais. Estas orientações exigem determinação: a determinação necessária para enfrentar os problemas e concretizar as soluções que modernizem o país, dinamizem o crescimento e melhorem o bem-estar das pessoas.
Esta determinação é ainda mais necessária quando, por efeito da crise internacional, Portugal vive dificuldades. Mas é no tempo das dificuldades que melhor se vê a diferença entre aqueles que só propõem a resignação e a desistência, porque nada têm a apresentar de novo e de positivo ao país, e todos quantos olham de frente e com coragem para o futuro, investindo no progresso e na modernização.
As dificuldades, que Portugal e os restantes países desenvolvidos enfrentam, exigem determinação e não desistência. E este é, não tenho dúvidas, o ponto mais importante do debate sobre o estado da Nação.
A perspectiva do Governo é muito clara. Assumimos as dificuldades originadas pela conjuntura internacional de subida dos preços do petróleo e dos bens alimentares e de alta das taxas de juro. Mas sabemos que, mercê da consolidação orçamental e dos progressos que fizemos nos últimos anos, estamos hoje mais bem preparados para enfrentar as dificuldades. E enfrentá-las significa manter o rigor orçamental, continuar a apostar na dinamização da economia e prosseguir as reformas modernizadoras. Em suma, manter o rumo modernizador para Portugal.
Não se pode, porém, dizer sim ao progresso económico e social, sem dizer não, um rotundo não, à cultura do «bota-abaixo», da resignação, da desistência, que parece ser a única coisa que algumas forças políticas têm a oferecer ao país. Essa linha destrutiva, que mina a confiança e cultiva o desalento, é além do mais requentada, porque penalizou Portugal entre 2002 e 2005. É uma linha irresponsável, que a única coisa que propõe é parar, desistir ou adiar. É uma linha política que mais parece opor-se ao país do que ao Governo.
Todos já sentimos na prática os efeitos profundamente negativos da teoria de que o país não teria supostamente dinheiro para nada e teria de desistir de qualquer investimento no seu futuro. Alguns querem, pelos vistos, regressar a essa nefasta teoria. Mas a nossa escolha é completamente diferente: a nossa escolha é da determinação e da coragem para manter o rumo face às dificuldades, apostando nas reformas, no investimento e na justiça social.
2. Reformar para um novo compromisso social
Ora, em matéria de reformas de fundo, este ano foi particularmente intenso. Dou apenas três exemplos. Concluímos as peças-chave da reforma da administração pública. Aprovámos o novo regime de gestão das escolas básicas e secundárias e a avaliação de desempenho do pessoal docente. Concluímos a reforma da justiça, cumprindo totalmente, ao contrário da outra parte, o compromisso assumido no Pacto da Justiça.
Mas deixem-me destacar a revisão da legislação laboral. Depois de concertação com os parceiros sociais, apresentámos ao Parlamento a proposta de um novo Código de Trabalho, que representa o mais poderoso combate dos últimos 30 anos à precariedade laboral, ao mesmo tempo que favorece a negociação colectiva, promove a adaptabilidade das empresas e alarga os direitos das famílias.
Este conjunto de reformas é a prova real e concreta de que o Governo é fiel ao seu programa, prosseguindo com determinação as mudanças de que o país necessita, sem qualquer cálculo eleitoralista. Mas mostra também dois outros aspectos, que importa realçar.
Por um lado, o Governo tem reformado o Estado e a administração para modernizar e qualificar os serviços públicos. E que diferença política está aqui! Nós não dizemos, como outros, que a universalidade do Serviço Nacional de Saúde tem de ser repensada, ou que a classe média tem de pagar duas vezes a saúde, como contribuinte e como utente. Nós fizemos a reforma da Segurança Social para reforçar a justiça e a sustentabilidade da segurança social pública, quando outros queriam a sua privatização. Nós trabalhamos para que a escola pública funcione melhor e não, como outros propõem, para que seja entregue a exploração privada.
Eis a diferença básica e essencial. Serviço Nacional de Saúde, segurança social pública e escola para todos não são, para nós, funções descartáveis. São, isso sim, os pilares do Estado social moderno, que queremos para Portugal.
Por outro lado, o Governo tem procurado apoiar as principais reformas na concertação e no compromisso social. A reforma da administração pública tem por base sucessivos acordos com organizações sindicais. Reformas tão importantes como a revisão do subsídio de desemprego ou o aumento histórico do salário mínimo tiveram como suporte acordos de concertação social. E o acordo celebrado com parceiros sociais, para a revisão da legislação laboral, é a melhor prova de que a nossa determinação reformista vai de par com a abertura à concertação e ao compromisso
Isto significa que as duas mais decisivas reformas no âmbito dos direitos sociais – a reforma da Segurança Social e a reforma da legislação laboral – estão sustentadas por apoios alargados dos parceiros sociais, o que quer dizer que estão para além do circunstancialismo político do momento.
3. A consolidação orçamental permite lançar novas medidas sociais
Senhor Presidente, senhoras e senhores Deputados:
A disciplina orçamental é um ponto essencial da acção do Governo. Em dois anos, conseguimos resolver a gravíssima crise orçamental que herdámos, tendo Portugal saído do procedimento por défices excessivos em Junho passado, isto é, um ano antes do prazo acordado. Procedemos à consolidação das contas públicas através de reformas que reduziram a despesa e sem recurso a receitas extraordinárias geradoras de encargos futuros.
Equilibrando as contas públicas, vencemos, portanto, onde antes outros falharam. E duplamente falharam: porque não resolveram a crise orçamental e porque o disfarce que tentaram fazer gerou custos que temos agora de pagar. Esses que tão flagrantemente falharam não têm, por isso, nenhuma legitimidade para virem agora pôr em dúvida o nosso trabalho e mérito.
4. O investimento público é necessário para o crescimento da economia
Senhor Presidente, senhoras e senhores Deputados:
A atenção à economia e ao emprego é especialmente importante quando nos defrontamos, agora, com as dificuldades geradas pela conjuntura internacional.
Para enfrentá-las, é preciso ter consciência da sua origem. A subida do preço do petróleo e dos bens alimentares, a subida das taxas de juro e a apreciação do euro face ao dólar são constrangimentos exteriores à economia portuguesa, que têm efeitos sobre ela mas não dependem do Governo, dos empresários ou dos trabalhadores portugueses. Pretender o contrário não é apenas fazer a mais descarada demagogia; é também não compreender quais são as responsabilidades próprias das autoridades nacionais.
E deixem-me ser aqui totalmente claro.
A nossa responsabilidade é, primeiro, não esconder nem disfarçar a dimensão do problema causado pelo terceiro choque petrolífero. Por isso é preciso ser firme na recusa das pretensas soluções que, como a baixa de impostos sobre os combustíveis, dariam aos consumidores a mensagem errada de que não seria preciso ajustar os comportamentos à nova realidade dos preços, e significariam pôr todos os contribuintes a pagar os custos de sectores particulares.
A nossa responsabilidade é, em segundo lugar, apostar tudo nas respostas estruturais a um problema energético que também é estrutural. E fizemos bem em andar depressa. E andámos depressa desde início, na definição de metas ambiciosas para as energias renováveis, no aproveitamento dos nossos recursos hídricos, eólicos e de energia solar, e na promoção da eficiência energética. O programa nacional de barragens, em curso, deve ser destacado como uma dessas respostas estruturais. Por isso mesmo, aqueles que usam de todos os expedientes para criticar esse programa põem em causa, isso sim, o desenvolvimento do país e a resposta de fundo à actual crise energética.
A nossa responsabilidade é, em terceiro lugar, incentivar o investimento e a modernização económica e apoiar a criação de emprego. Conseguimos atrair investimento privado qualificante nas áreas cruciais da petroquímica, da construção automóvel, do papel, do mobiliário, da energia, do turismo. Foram estes investimentos que permitiram à economia portuguesa recuperar a sua capacidade de crescimento e de gerar emprego. É este o caminho a seguir.
Mas para ter mais e melhor emprego, precisamos também de mais qualificações. Daí a aposta essencial na formação e na qualificação dos portugueses. Temos hoje mais alunos no ensino secundário e no ensino superior e, no próximo ano lectivo, metade dos alunos do secundário estarão em cursos tecnológicos e profissionais. Até ao momento, mais de 400 mil portugueses se inscreveram no programa Novas Oportunidades. Com o Plano Tecnológico da Educação, as escolas estão a apetrechar-se com todos os recursos indispensáveis ao uso universal das tecnologias de informação e comunicação. O país gastará este ano 1% do produto nacional em investigação e desenvolvimento. E a maior fatia do QREN está consagrada ao potencial humano.
Porque soubemos resolver a tempo o nosso problema do défice orçamental excessivo, estamos hoje em melhores condições para enfrentar a difícil conjuntura económica internacional.
Em primeiro lugar, reduzimos em 1 ponto percentual a taxa normal de IVA, medida que está em vigor desde o passado dia 1 de Julho e significa devolver aos consumidores e à economia cerca de 600 milhões de euros por ano.
Em segundo lugar, o QREN é hoje um poderoso apoio à economia portuguesa, com especial atenção às pequenas e médias empresas, ao sector exportador e à modernização tecnológica.
Em terceiro lugar, o reforço do investimento público é muito importante, a vários títulos. É importante para a modernização do país, para a melhoria das acessibilidades rodo e ferroviárias, assim como portuárias e aeroportuárias. É importante para a coesão do território e, em particular, para o desenvolvimento das regiões mais desfavorecidas. É importante para a melhoria dos equipamentos sociais, como hospitais e centros de saúde, escolas e creches. É importante, enfim, para o crescimento da economia e do emprego.
Por isso, aqueles que querem pôr agora em causa os investimentos públicos podem pedir ao Governo as explicações que entenderem; mas são verdadeiramente eles quem deve explicações ao país.
Devem, primeiro, explicações pela ausência de responsabilidade institucional. Um só exemplo: em 2004, o Estado português comprometeu-se com a construção de cinco linhas de TGV; e definiu datas, traçados e estações. Agora que o projecto foi redimensionado por este Governo com prioridade às duas ligações essenciais entre Lisboa e Madrid e entre Lisboa e o Porto, com que legitimidade é que vêm atacar a construção destas duas linhas exactamente os mesmos que, enquanto ministros, se comprometeram em 2004 com o dobro?
E, depois, devem também explicações pela falta intencional de clareza política. Porque lançam a suspeição geral sobre as obras públicas, mas não têm a coragem de dizer às populações que obras em concreto quereriam sacrificar: isto é, que estradas, que ferrovias, que barragens, que escolas, que hospitais propõem que se deixe de construir!
Devem, finalmente, explicações pela óbvia incoerência política. Na fase de maior esforço de contenção orçamental e redução da despesa pública, Orçamento após Orçamento, os partidos da direita protestaram contra o alegado sacrifício do investimento público. Pois agora que o investimento público cresce, querem manifestar-se contra ele? E, depois, basta observar as constantes mudanças de posição: num dia, são as barragens que são postas em causa, no outro o novo aeroporto de Lisboa. Vem outra manhã e já é o TGV; ou então, as estradas; ou ainda, os hospitais. E nem uma imaginária "terceira via" da auto-estrada de Lisboa ao Porto escapa a este rosário de contradições, que só demonstra uma coisa: onde devia haver ideias claras e firmes, só reina a desorientação e o oportunismo; onde se devia olhar para o futuro, só se vê o regresso a um passado de má memória. Quando o país precisa de esperança e confiança, o que se faz é cultivar o pessimismo e o desalento.
5. A justiça social no centro da acção do Governo.
Senhor Presidente, senhoras e senhores Deputados:
O Governo coloca a política social no centro da sua acção. Ano após ano, num contexto de redução da despesa pública, cresce, como é necessário que cresça, a parte do PIB afecta à despesa social. Na saúde, na educação e na segurança social, fizeram-se as reformas indispensáveis a que os serviços públicos sirvam melhor, durante mais tempo, mais pessoas. E, ano após ano, têm sido lançadas novas medidas de apoio e protecção social, que constituem a melhor marca deste Governo.
A nossa inspiração diz-se em duas palavras: justiça social. É mesmo disso que se trata, de justiça social. Nós não confundimos protecção social com assistencialismo, nem, ao contrário de outros, nos propomos reduzir as funções sociais do Estado. Foi em nome da justiça e da equidade que realizámos a convergência entre os regimes da função pública e da segurança social, que eliminámos os regimes especiais de protecção, a começar pelos dos titulares de cargos políticos, que acabámos com as regras especiais de aposentação dos gestores públicos, que introduzimos a taxa de 42% no IRS. É em nome da justiça que melhoramos a eficiência da administração fiscal e combatemos a evasão e a fraude contributiva. E é convictamente em nome da justiça social que vamos sucessivamente lançando novas medidas de política social.
A direita parece ter descoberto, em 2008, a necessidade de proteger os mais pobres. Mas eu tenho uma pergunta simples: entre 2002 e 2005, quando estava no Governo, o que é que a direita fez em prol da protecção social? Eis o seu registo: congelou o PIDDAC nacional para a construção de novos equipamentos sociais; centenas de milhar de pensionistas viram a actualização das suas pensões ficar sistematicamente abaixo da inflação; quis liquidar o rendimento mínimo garantido; baixou a protecção na doença; aumentou de três para seis anos o prazo máximo de duração dos contratos a termo. Com que legitimidade quer agora a direita falar?
Pelo contrário, o Governo tem lançado sucessivamente, desde 2005, novas medidas sociais. Dou apenas exemplos: o Complemento Solidário para Idosos, de que beneficiam hoje 90 mil pessoas, com apoios complementares na área da saúde; a garantia de pelo menos a reposição do poder de compra nos aumentos das pensões mais baixas, garantia que beneficia 93% das pensões; o aumento histórico do salário mínimo, duas vezes acima da inflação, de que beneficiam centenas de milhar de trabalhadores; a redução em 50% das taxas moderadoras para maiores de 65 anos, de que beneficiam 350 mil utentes; o financiamento da acção social das IPSS, que atingiu em 2007 o valor máximo de 1.094 milhões de euros; o programa PARES, para creches e outros equipamentos de apoio às famílias, completamente dirigido às IPSS e que mobiliza um investimento público superior a 250 milhões de euros; a duplicação das deduções fiscais por cada filho menor de três anos; a duplicação do abono de família para o segundo filho e a triplicação para o terceiro filho e seguintes, nos primeiros três anos de idade; o novo abono pré-natal para mulheres grávidas, de que beneficiam 94 mil mulheres; e o aumento extraordinário, em 25%, do abono de família para as famílias do primeiro e segundo escalão, de que já beneficiam 970 mil crianças e adolescentes.
Sim, senhores Deputados: não há nenhum ganho na consolidação das contas públicas que não seja imediatamente aproveitado para melhorar as condições de vida das pessoas, com particular atenção às famílias e aos grupos sociais mais vulneráveis. E isto é possível porque este é o Governo de uma esquerda responsável, que aposta ao mesmo tempo na modernização da economia, no rigor orçamental, na qualificação e nas políticas sociais, porque é esta ligação que melhor permite praticar e promover a justiça social!
6. Novos apoios para as famílias, nos encargos com a habitação
Senhor Presidente, senhoras e senhores Deputados:
As causas das dificuldades presentes estão fora de nós, no aumento do preço do petróleo e dos bens alimentares, na subida das taxas de juro, nos mercados financeiros internacionais. Mas os seus efeitos fazem-se sentir na economia e na vida dos Portugueses, principalmente nas famílias com menos recursos e nas empresas mais expostas aos custos energéticos e às mudanças estruturais.
Nesta conjuntura, o essencial é manter o rumo: reformas, rigor, incentivo à economia, prioridade à educação e à protecção social. Para manter o rumo, é preciso dizer não às propostas demagógicas de baixa generalizada de impostos ou aumento substancial de despesa pública; e é preciso ter confiança em nós próprios e nas nossas capacidades.
Já anunciei neste Parlamento, nas últimas semanas, vários apoios às famílias e incentivo à economia e à reestruturação dos transportes. Lembro apenas o aumento extraordinário do abono de família, o congelamento dos preços dos passes e assinaturas nos transportes colectivos, e as medidas de apoio ao investimento, à exportação e à reestruturação dos transportes, tomadas em sede fiscal e do QREN.
Mas quero hoje apresentar um novo conjunto de medidas, que procuram apoiar as famílias aliviando-as de algumas das suas despesas básicas, sempre dando mais a quem mais precisa.
A forte subida das taxas de juro está a criar dificuldades nas muitas centenas de milhar de famílias que adquiriram habitação própria recorrendo ao crédito bancário. Ora, a taxa de juro não depende das autoridades nacionais. Mas podemos e devemos ajudar as famílias de menores rendimentos a acomodar melhor os seus encargos com a habitação, mudando a forma como tais encargos entram para a determinação do valor do seu IRS.
É o que faremos. Hoje, o Conselho de Ministros aprovou uma proposta de lei que espera ver convertida em lei o mais depressa possível. O objectivo é alterar o cálculo da dedução à colecta dos encargos com juros de empréstimos à habitação própria e permanente. Actualmente, todos os contribuintes com tais encargos deduzem por igual 586 euros à colecta de IRS. Faremos duas mudanças. A primeira é a introduzir o princípio da progressividade: os titulares de menores rendimentos deduzirão mais do que os restantes. A segunda é aumentar substancialmente o montante que os contribuintes de menores rendimentos poderão deduzir. Assim, para os contribuintes do primeiro e segundo escalão do IRS haverá uma majoração de 50%. Ou seja, passarão a deduzir 879 euros. No terceiro escalão, a dedução poderá ir até 703 euros, isto é, uma majoração de 20%. E, no quarto escalão, que vai até 40.000 euros de matéria colectável, a majoração será de 10%, isto é, uma dedução de 644 euros. Esta medida aplica-se já aos rendimentos de 2008 e beneficia quase um milhão de agregados.
A segunda medida de natureza fiscal relativa à habitação própria diz respeito aos valores do IMI, o imposto que substituiu, em 2003, a antiga contribuição autárquica. Como vai sentindo na carne a generalidade dos Portugueses com habitação própria, o IMI tornou-se um sorvedouro de recursos familiares. E deixem-me dizê-lo com franqueza: como soa a falso que se digam agora defensores das classes médias e arautos da sensibilidade social os partidos e os líderes políticos que, em 2003, no Governo, criaram este verdadeiro paradigma de punção fiscal sobre as classes médias!
Sem prejuízo da reforma mais profunda que já se encontra em preparação, corrigir os exageros do IMI é, pois, uma urgência; uma urgência de justiça fiscal e de respeito por um grande número de famílias portuguesas. Por isso mesmo, o Governo aprovou também hoje um conjunto de medidas destinadas a travar o aumento imoderado da receita do IMI e baixar significativamente o imposto pago por muitas famílias.
A primeira medida é o alargamento do período de isenção de pagamento do imposto após a compra de prédio para habitação própria e permanente, prolongando-o em mais dois anos para as casas até 157 500 euros de valor patrimonial tributário (ou seja, de seis para oito anos) e em um ano para os prédios entre 157 500 euros e 236 250 euros (ou seja, de três para quatro anos). Este alargamento beneficiará 428 mil agregados.
A segunda medida é a redução da taxa máxima de IMI de 0,8 para 0,7% no caso dos prédios não avaliados e de 0,5 para 0,4% no caso de prédios já avaliados. No primeiro caso, beneficiam desta medida um milhão e setecentos mil proprietários. No segundo caso, 400 mil proprietários. O efeito agregado destas medidas é o seguinte: em vez de aumentar em 150 milhões de euros, a receita das autarquias com o IMI aumentará em 50 milhões. Quer isto dizer que, travando o aumento imoderado deste imposto, nós continuaremos a garantir aumento de receitas para os municípios, baixando contudo significativamente o encargo de centenas de milhar de pessoas.
O Governo tem plena consciência das dificuldades originadas pela acentuada subida das taxas de juro. Por isso, decidiu propor ao Parlamento que use os instrumentos fiscais ao seu dispor para ajudar as famílias atingidas. Com a redução do IMI, beneficiarão todos os proprietários de imóveis. Com a alteração na dedução da colecta de IRS, beneficiaremos mais as famílias de menores rendimentos. É isto, na prática, a justiça social!
7. Novos apoios para as famílias, nos transportes
Mas não é apenas na habitação que devemos e queremos apoiar as famílias, por causa dos novos encargos com que elas hoje se confrontam. O terceiro choque petrolífero, que vivemos, tem óbvias implicações no custo dos transportes. O preço do petróleo não depende de Portugal. Mas Portugal deve e está a responder, com o investimento nas energias renováveis e a promoção da eficiência energética. Essa é uma dimensão. Outra dimensão, também importante, é o incentivo à utilização dos transportes colectivos.
O Governo já decidiu, para 2008, o congelamento do preço de todos os tipos de passes e assinaturas. A mensagem é clara: os utentes regulares de transportes colectivos são beneficiados. Pois bem, vamos agora criar um novo passe para os transportes públicos urbanos: o passe escolar.
O passe escolar destina-se a todas as crianças e jovens, dos 4 aos 18 anos; e garante a redução para metade do valor mensal da assinatura de cada tipo de transporte. Dou dois exemplos simples, mas significativos. Hoje, o passe L1,2,3, na área de Lisboa, custa 52,5 euros; passará a custar metade. O passe «Andante», no Porto, no qual já há hoje uma redução de 25% para estudantes, custando-lhes 17,6 euros, passará a custar 12,45.
Esta medida tem três objectivos, qual deles o mais importante.
O primeiro é pôr fim às disparidades que hoje se verificam na definição do tarifário segundo os grupos etários. Doravante, um único documento permitirá a todas as crianças e jovens beneficiar de redução de 50% no uso regular de qualquer transporte urbano.
O segundo é apoiar as famílias em mais uma das suas despesas básicas. Quero tornar claro que este novo passe se acrescenta ao sistema já hoje existente de transportes escolares, pelo qual todos alunos que residam a mais de 3 ou 4 quilómetros da escola básica têm direito a transporte gratuito para a sua escola.
O terceiro objectivo é incentivar desde a infância a utilização regular de transporte colectivo, como alternativa ao transporte individual. E esta é talvez a mensagem mais necessária: é preciso habituarmo-nos todos, desde a infância, à ideia de que na cidade se deve andar a pé ou de transporte público. Essa não é apenas uma condição para diminuir a dependência face ao petróleo, é também uma condição essencial para tornar as nossas cidades mais amigas do ambiente e mais respiráveis.
8. Novos apoios para as famílias, na educação
Senhor Presidente, senhoras e senhores Deputados:
Quero agora falar de outra medida fundamental no apoio às famílias. Trata-se do alargamento da acção social escolar no ensino básico e secundário. É uma medida com impacto positivo em várias dimensões: no apoio às famílias mais carenciadas; no combate ao abandono e ao insucesso escolar; e na simplificação da relação entre os cidadãos e a administração pública.
Hoje, são bastante diferentes as formas como se determinam os escalões de mais baixos rendimentos, na segurança social, para efeitos de abono de família e, na escola, para efeitos de acção social. Esta discrepância tem duas consequências muito negativas: por um lado, introduz burocratização e opacidade; por outro, restringe muito o acesso à acção social escolar. Basta pensar que o primeiro escalão do abono de família abrange 400 mil crianças e jovens, mas o primeiro escalão da acção social escolar só abrange 185 mil.
A alteração decidida pelo Governo tem dois objectivos essenciais. O primeiro é simplificar: doravante, os critérios de atribuição do primeiro e segundo escalão do abono de família servirão automaticamente para a acção escolar, sendo apenas necessário o requerimento dos interessados. Assim se libertarão as famílias e as escolas de burocracia e ficará mais transparente o processo de atribuição de apoios.
O segundo e principal objectivo é alargar substancialmente o número de alunos beneficiários da acção social escolar. Hoje, como disse, 185 mil alunos estão abrangidos pelo primeiro escalão; passarão a ser 400 mil, com direito à totalidade dos apoios em refeições, manuais e material escolar. Hoje, 45 mil alunos estão abrangidos pelo segundo escalão, passarão a ser 310 mil, com direito a 50% dos apoios referidos. Quer dizer: será, sem dúvida alguma, uma vasta operação de alargamento da cobertura de acção social escolar e um passo decisivo na promoção da integração e do sucesso escolar.
9. Todos devem contribuir
Senhor Presidente, senhoras e senhores Deputados:
Todos têm de contribuir para o esforço nacional. Para este Governo, a repartição equitativa dos custos é o outro lado da distribuição equitativa das oportunidades. Quem mais tem deve contribuir para apoiar quem mais precisa.
As famílias portuguesas estão hoje confrontadas com novos encargos em razão dos efeitos da conjuntura internacional. E a alta dos preços do petróleo, que só no último ano duplicaram, é um dos aspectos mais gravosos da actual conjuntura. Ora, essa subida não deixou de valorizar de forma extraordinária certos activos das empresas petrolíferas. É, por isso, justo que estas empresas contribuam também para o financiamento das medidas que o Estado tem de tomar em favor dos que mais precisam.
Por isso, o Governo aprovou hoje uma proposta de lei para a criação de uma taxa excepcional sobre as mais-valias potenciais das empresas petrolíferas, resultantes da actual escalada de preços. Essa tributação autónoma será de 25%, isto é, igual à taxa do IRC. E incidirá sobre o ganho extraordinário que resulta da alteração dos critérios de valorimetria dos stocks de petróleo para efeitos fiscais.
10. Determinação, confiança, justiça
Senhor Presidente, senhoras e senhores Deputados:
O momento não é de resignação nem de desistência. A conjuntura internacional e a incerteza da sua evolução colocam dificuldades sérias à economia e às famílias portuguesas. Mas isso só deve aumentar a nossa determinação. O país já ultrapassou uma grave crise orçamental, e isso dá-nos ânimo e confiança na nossa capacidade, já demonstrada, de enfrentar e resolver as dificuldades.
As dificuldades são sérias, ninguém o nega. Por isso mesmo, temos de agir em várias áreas, olhando para a frente, com determinação e sentido de justiça.
As medidas que hoje apresentei ao Parlamento têm este traço comum: justiça na repartição dos custos e na distribuição das oportunidades; incentivo ao uso dos transportes colectivos; e, principalmente, apoio às famílias onde elas mais precisam, na habitação e na educação dos filhos.
Estas medidas são possíveis e são necessárias. Mas o que de mais importante elas exprimam é a nossa vontade de enfrentar os problemas, com responsabilidade, com confiança e com sentido de justiça social. A bem de Portugal e dos Portugueses.
2008-07-10
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