Acerca do Orçamento do Estado para 2007 – Os portugueses são muitos fracos na disciplina da memória, em particular, no que se refere às questões da “coisa pública”. Deixam cair dela os seus heróis, como frutos podres, e apagam, com arrogos mesquinhos, tanto as boas como as más lembranças da governação passada.
No caso do Orçamento do Estado para 2007 é necessário lembrar, para não recuar aos tempos da austeridade, anteriores ao longo consulado de Cavaco, ou à “pesada herança” de Guterres, que o governo em funções herdou, em 2005, dos governos de direita (Barroso+Santana), um défice das contas públicas de 6,4% do PIB.
A direita que governou, com maioria absoluta, desde Março de 2002 até inícios de 2005, o dobro do tempo que o governo PS leva de governação, apesar do discurso social-cristão do humaníssimo Bagão Félix, não realizou quaisquer reformas de fundo, não promoveu o equilíbrio das contas públicas, nem mexeu uma palha para reformar o modelo de orçamento de estado herdado do passado.
A hipocrisia impera nos discursos e opiniões de alguns ex-membros dos governos da direita, acerca do orçamento para 2007, pois tendo tido nas mãos o poder de executar as reformas que prometeram, hoje se afadigam a denegrir o que, ontem, não tiveram a coragem de realizar. Não admira, por outro lado, que alguns sectores da esquerda deixem perpassar uma profunda saudade da governação de direita pois o alvo era mais alvo e a política do quanto pior melhor constituía um “seguro de vida” para as corporações nas quais se incluem a maioria dos sindicatos.
Toda a gente, de bom senso, entende o esforço gigantesco que representa fazer baixar, em três anos, o défice das contas públicas de 6,4% para menos de 3%. A eclosão das mais diversas formas de descontentamento a que temos assistido – de grupos sócio profissionais específicos – é a consequência da tomada de medidas, na sua grande parte, óbvias, que só pecam por tardias, destinadas a alcançar um objectivo, de interesse nacional, qual seja: alcançar défices de 4,3% em 2006, 3,7% em 2007 e abaixo dos 3%, em 2008.
É certo que as questões do orçamento, e do deficit, são só uma pequena parte dos problemas do país mas permitem revelar uma vontade firme de reformar o Estado Social, e não de o destruir, o que, convenhamos, logo deu azo, como seria de esperar, a greves e manifestações, acusações e implacáveis contraditórios que não passam de pungentes gemidos de impotência que a esquerda imobilista e a direita dos interesses sempre emitem à vista de qualquer verdadeira reforma do estado a cuja sombra sobrevivem ou prosperam.
Claro que 2009, em calendário normal, é ano de eleições. Os governos, e as maiorias que os suportam, não governam, certamente, para perder eleições. A este propósito não há outro caminho, se o PS quiser ganhar as próximas eleições legislativas, senão o seu governo alcançar, no fim do mandato, o equilíbrio das contas públicas de preferência acompanhado, para benefício da economia e da sociedade, de sinais consistentes de retoma e de medidas de reforço da coesão social.
Acerca da Justiça – Uma conversa menos batida, apesar de estar na ordem dia, é a da justiça que a todos toca com o seu imenso cortejo de consequências. Na Pátria que nos é dado habitar parecem ser mais os prejuízos que os benefícios dela. À laia de prédica filosófica, para não entrar em penosas matérias de facto, aqui deixo uma breve reflexão.
A praga mais assustadora da nossa vida de cidadãos é o ódio que se vislumbra nos gestos dos burocratas sem alma. O tema é antigo. A chamada defesa do interesse geral encobre todos os ressentimentos que podem ferir de morte o próprio interesse geral. Afinal o que é o interesse geral senão a miríade dos interesses da comunidade e de cada um dos seus membros?
Se a defesa do interesse legítimo de um cidadão implicar afrontar o interesse de um burocrata empossado na defesa formal do interesse geral o que fazer? Ceder à injustiça ou lutar pela reposição da dignidade do injustiçado mesmo enfrentando as sombras de uma justiça que nunca deixa de ser aplicada por homens comuns?
Acerca da Política – Não é hoje, certamente, menos interessante que ontem, nem menos imprescindível na vida da comunidade. Tudo leva a crer, no entanto, que pugnar pela defesa da democracia ameaça tornar-se num exercício de heroísmo.
O povo suporta e tolera a democracia representativa, como regime, mas despreza a maioria dos seus titulares. No fundo a defesa da democracia depende da qualidade daqueles que interpretam os seus desígnios: os políticos.
Para que tenhamos melhor estado, leis melhores, gestores, públicos e privados, mais competentes, mais justiça na aplicação da lei, menos corrupção e mais transparência na vida pública, mais solidariedade social, melhor educação, mais liberdade de escolha, mais riqueza e menos pobreza, precisamos que os que nos governam sejam os melhores de nós.
No fundo a questão é sempre a mesma: como estimular a revelação das elites? Como fazer com que a democracia seja capaz de apresentar os melhores à livre escolha dos cidadãos?
(Artigo publicado na edição de 3 de Novembro de 2006 do "Semanário Económico")
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