Thursday, October 26, 2006

A Morte dos Velhos Ditadores e os Valores da Democracia

Ressonância de 26 de Outubro de 2004 [ABSORTO]. Tinha acabado de ler um despacho da Lusa reproduzindo declarações de Loyola de Palácio. A minha indignação, perante essas declarações, nada tem a ver com simpatia pessoal ou política por Fidel Castro. Hoje Fidel Castro está, ao que tudo indica, gravemente doente e … Loyola de Palácio também.

“Não é que a notícia me tenha passado despercebida. Como diz um amigo meu as notícias são tantas, e tão desconcertantes, que, muitas vezes, não sabemos por onde lhes pegar. A política atinge o seu mais baixo nível quando se proclama a morte dos adversários ou, mesmo, inimigos.

O desejo mal disfarçado de vingança através da eliminação física, seja lá de quem for, não é próprio dos democratas, ou mais prosaicamente, das pessoas de bem.

Eu sei que os políticos lidam, mais do que os seus ingénuos eleitores pensam, com a morte dos outros. A morte política está bem de ver. Mas quando uma alta responsável da UE proclama, sob diversos disfarces mal alinhavados, a morte como solução final para um problema da democracia, estamos no fim da linha.

Se Fidel Castro é um ditador e não foi derrubado pelo seu povo, qual a razão? Se Fidel Castro é um ditador e não foi derrubado por uma intervenção armada dos EUA, qual a razão? Se em Cuba vigora, há decénios, uma ditadura, às portas dos EUA, só se pode dever às fraquezas da democracia americana e não à força dessa ditadura. Se o império da liberdade tolera, à sua porta, uma tirania algo está mal. Se em Cuba o império da liberdade mantém uma prisão na qual não se respeitam os mais elementares direitos humanos, “algo está mal no reino da Dinamarca”.

Defendo a liberdade e repugna-me a tirania. Mas nem por isso os amantes da liberdade podem aceitar que se proclame como um valor aceitável a humilhação e a morte física de um velho ditador. Esta é uma longa história mas existe um precedente que devia dar que pensar aos dirigentes das sábias democracias contemporâneas: em Portugal, Salazar morreu mas nem por isso a ditadura morreu com ele.

É preciso ser implacável na condenação política das ditaduras e prudente no julgamento dos velhos ditadores. É uma diferença subtil? Mas tem jurisprudência. Basta atentar no caso de Pinochet, um velho ditador, apoiado pelo império da liberdade que, contra todos os vaticínios, tem escapado ao julgamento, proclama a sua inocência, está vivo e em liberdade.

Não me parece que a ex-Comissário De Palácio tenha valorizado a cultura democrática e os valores da liberdade e da tolerância ao fazer as declarações que se transcrevem a seguir. Deus nos guarde destes dirigentes conservadores para conceber e executar os programas políticos das democracias.

A vice-presidente cessante da Comissão Europeia, a espanhola Loyola de Palácio, afirmou hoje que está à "espera que (Fidel) Castro morra", porque a morte do presidente cubano é "a única solução para a democratização de Cuba.

"Todos estamos à espera que Castro morra", afirmou De Palácio numa conversa informal com um grupo de jornalistas, defendendo que a morte do histórico líder cubano é a única forma de mudar a situação e de a democracia chegar à Ilha.

"Esperamos, mas não desejamos" o falecimento de Castro, ressalvou."Não digo que o matem, digo é que morra, porque duvido que mude enquanto viver", acrescentou a vice-presidente da Comissão numa reunião de despedida com os jornalistas espanhóis em Bruxelas antes de finalizar o seu mandato, no próximo dia 31 de Outubro.”

Lusa

Thursday, October 05, 2006

Ensino profissional – uma aposta com futuro

As questões da educação têm andado nas “bocas do mundo” mas, ao que tudo indica, as reformas necessárias e urgentes de que carece o sistema educativo português, aliás plasmadas no programa do governo, mesmo sem “pacto de regime”, dão sinais consistentes de seguirem em frente.

Uma delas diz respeito ao ensino profissional. Num artigo de opinião publicado em 2004 sublinhei que, ao contrário de todas as aparências, já existe em Portugal, desde 1989, uma oferta razoável de cursos tecnológicos e profissionais.

Os números disponíveis apontam para que o peso dos alunos matriculados nestes cursos tenham representado, de 2001/02 a 2005/06, respectivamente, 29,4%, 29,5%, 29,1%, 31,8% e 32,2% do total dos alunos matriculados no ensino secundário regular.

À quebra no número de alunos matriculados no ensino secundário, que constitui um fenómeno normal, devido ao efeito demográfico, corresponde um aumento moderado do número de alunos matriculados em cursos tecnológicos e profissionais que terá ultrapassado – como se aponta acima – a barreira dos 30% no conjunto dos alunos matriculados no ensino secundário regular.

O volume actual da oferta de cursos tecnológicos e profissionais pode considerar-se relevante, se o compararmos com o “grau zero” de 1989 mas, por outro lado, é manifestamente insuficiente perante a meta estabelecida, no âmbito da “Estratégia de Lisboa”, que aponta para que 50% dos alunos do secundário, em 2010, frequentem esses cursos.

O desenvolvimento, em qualidade e quantidade, da oferta de ensino profissional, de forma sustentada, é tanto mais importante quanto Portugal apresenta a segunda taxa mais elevada de “abandono escolar precoce” da UE, atingindo, em 2005, os 38,6%. Só Malta apresenta um resultado pior.

A este quadro acresce o facto de, em 2005, a taxa de conclusão do ensino secundário ter atingido a média de 77,3%, no conjunto dos países da UE, tendo Portugal registado a taxa de 48,4%, de novo, o penúltimo pior desempenho, depois de Malta.

Nos diversos percursos disponíveis, no nosso sistema educativo, é curioso verificar que a taxa de abandono é superior no ensino tecnológico, face ao ensino regular, o contrário do que acontece nos cursos profissionais que têm sido oferecidos, maioritariamente, pelas escolas profissionais. Estas têm, de facto, mostrado mais capacidade para gerar dinâmicas de empregabilidade e de sucesso na resposta aos desafios do combate ao abandono escolar.

Deixando de parte a discussão acerca da viabilidade e eficácia do ensino tecnológico, e das medidas que têm sido anunciadas a seu respeito, a sociedade portuguesa vive na expectativa de acolher jovens quadros técnicos formados nas diversas vias disponíveis do ensino profissional.

Nestas vias os jovens completam o ensino secundário, ou seja, o 12º ano e adquirem uma qualificação profissional de nível 3 sendo cada vez mais consensual, na sociedade portuguesa, que a alternativa do ensino profissional não é uma alternativa menor.

O Governo assumiu o desafio do desenvolvimento do ensino profissional e propôs-se apoiar o seu crescimento sustentado conjugando experiências, sinergias, recursos e inovação, desde os departamentos do estado, até à comunidade educativa, ao “mundo empresarial” e, em geral, à sociedade civil.

No início do presente ano lectivo, as notícias confirmam a vontade política do Governo de passar das palavras aos actos através da criação de 450 cursos profissionais, em 180 escolas públicas de todo o País, o que constitui, aliás, uma das principais novidades deste ano lectivo no que respeita ao ensino secundário.

Como foi recentemente anunciado o Governo, com esta medida, pretende duplicar a oferta de cursos profissionais – abrangendo sobretudo áreas relacionadas com serviços e tecnologias – até aqui praticamente exclusiva das escolas profissionais privadas, que disponibilizavam 89% do total destes cursos.

A dúvida legítima que se coloca ao sucesso desta estratégia pode, em síntese, ser formulada através da seguinte pergunta: estarão as escolas públicas dotadas de condições, em termos de modelo de gestão e clima organizacional, para corresponder aos desafios colocados pela criação, no seu seio, de cursos profissionais?

Se forem enfrentadas, de forma positiva, as dificuldades que resultam da resposta a esta interrogação, a expansão da oferta de curso profissionais, em escolas públicas e privadas, será um dos caminhos mais promissores para o sucesso do combate ao “abandono escolar precoce” e ao “insucesso escolar” assim como um factor não negligenciável na luta contra o desemprego juvenil.

(Artigo publicado no "Semanário Económico" na sua edição de 6 de Outubro de 2006).