É curioso como, de forma recorrente, se atribui a algumas questões do passado o estatuto de novidade. É o caso da questão demográfica e, em particular, do “envelhecimento demográfico” que se pode definir, em duas palavras, como o aumento da proporção das pessoas idosas na população total.
O discurso social (democrata) do Senhor Presidente da República, nas celebrações do 25 de Abril deste ano, fez-me lembrar outros tempos nos quais se preocupava mais com o “monstro” (“deficit”) ou, ainda antes, com o “desenvolvimento” (“betão”).
Todas as preocupações do chamado “Roteiro para a Inclusão”, que o Senhor Presidente da República iniciou esta semana, são justíssimas. O problema é o tempo, os recursos, a oportunidade e a memória.
Vamos por partes. A chamada questão do “envelhecimento demográfico” é complexa e está, de forma impressiva, ligada à sustentabilidade da segurança social ou, para sermos mais directos, à sua própria sobrevivência.
Estas questões ganharam importância na segunda metade do século XX e, durante muito tempo, foram abordadas na semi-obscuridade do debate técnico em volta de estudos que sempre foram considerados “desactualizados” mesmos quando, pela sua natureza, são prospectivos.
Cavaco Silva, por exemplo, em plena campanha presidencial, aludiu à necessidade de actualizar os estudos acerca da situação das contas da segurança social que tinham acabado se ser actualizados.
Todos os indicadores confirmam uma tendência global para o “envelhecimento demográfico” sendo que em Portugal as taxas de natalidade e mortalidade caíram de 1998 para 2004, respectivamente de 11,2, para 10,4, e de 10,5 para 9,7.
O “índice de envelhecimento” – nº de idosos, com 65 anos, ou mais, por cada 100 jovens, com idade até aos 14 anos – que era de 98,8, em 1998 passou para 108,7, em 2004, sendo estimado que possa atingir os 398, em 2050.
Há muito tempo que estão identificadas as consequências do “envelhecimento demográfico”, em particular, o espectro da falência da segurança social, tornando incontornável a crise do modelo assente na solidariedade inter-geracional.
De forma simples, e brutal, o risco actual é o de uma multidão de trabalhadores que descontaram para a segurança social, durante toda a sua vida activa, correrem o risco de não beneficiar dos seus próprios descontos, ou de os verem substancialmente reduzidos, quando chegarem à idade da reforma.
Os governos, em Portugal, conhecendo esta realidade não arquitectaram uma resposta global e integrada, no âmbito das políticas sociais, à questão do “envelhecimento demográfico”.
Não desconheço os esforços sérios realizados pelos governos socialistas, a partir de 1995, através da criação de programas de combate à exclusão social e, em particular, à pobreza entre os idosos, cuja continuidade foi, de facto, quebrada pelos governos de direita, apesar de conhecida a tendência para o crescimento exponencial do peso dos idosos na população e do fenómeno da pobreza envergonhada atingir sectores cada vez mais vastos da população.
Mas lembro que o governo espanhol elaborou, entre os anos 1988 e 1991, um “Plano Gerontológico”, que se desenvolveu a partir de 1992, a cargo de um organismo, o IMSERSO, que conheço bem, abarcando as áreas das pensões, saúde, serviços socais, cultura, lazer e participação cidadã.
Sabem o que se fez, entre 1985 e 1995, em Portugal, nesse matéria: pouco ou nada! E já agora sabem quem estava, à época, no governo em Portugal? É fácil de adivinhar! Faltaram, vinte anos atrás, no governo, as práticas (social) democratas, as reformas profundas do estado e das políticas sociais, aproveitando o auge dos apoios financeiros da CEE, onde hoje, fora do governo, vigora o discurso da luta pela “inclusão social”.
Relendo o programa do governo socialista em funções, pode afirmar-se que ainda hoje não foi elaborado um plano que se assemelhe ao “Plano Gerontológico” espanhol apesar da prioridade conferida às políticas de “envelhecimento activo” e de combate à pobreza dos idosos.
O “envelhecimento activo” é, aliás, um dos grandes desafios do mundo ocidental para os próximos decénios. Uma utopia que assumiu a forma de objectivo sendo colocada, pela “Estratégia de Lisboa”, como uma das primeiras prioridades de UE. Pretende-se atingir, até 2010, 50% de taxa de emprego para as pessoas do grupo etário dos 55 aos 64 anos.
Todas as razões apontam, pois, para a urgência de elevar a questão do “envelhecimento demográfico” ao nível de questão de estado, quer pela sua natureza estratégica e transversal, quer por exigir uma abordagem global e integrada, da qual depende a própria sobrevivência do “estado social”.
O governo de Portugal tem à sua frente uma oportunidade de ouro para atribuir verdadeira relevância política a este tema: colocá-lo na agenda da presidência portuguesa da EU, no segundo semestre de 2007,
O Senhor Presidente da República, que foi Primeiro-ministro entre 1985 e 1995, chegou tarde ao problema mas ainda bem que chegou. Resta saber se existem recursos para, sem populismo e em simultâneo, combater o “monstro”, lutar pela “inclusão social” e “envelhecimento activo”, promovendo o “desenvolvimento”.
(Artigo publicado em 2 de Junho de 2006 pelo "Semanário Económico")
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