O impacto económico e social da participação alargada de novos públicos na actividade turística
BTL/AUDITÓRIO DA FIL - PARQUE DAS NAÇÕES
LISBOA, 25 DE JANEIRO DE 2002
Caras (os) Convidadas (os)
Minhas Senhoras e meus Senhores
O “Turismo para Todos” é uma realidade de contornos históricos e políticos muito complexos e cuja génese se situa na segunda metade do século XIX quando o progresso dos meios de comunicação, terrestre e marítima, veio possibilitar o estabelecimento de programas fixos de viagens, permitindo que a eles acedessem as classes sociais mais activas.
Na génese deste movimento poderemos também identificar o contributo de um conjunto de actividades de lazer e turismo [1] que no final do século XIX, princípios do séc. XX, surgem de iniciativas de sectores de inspiração cristã ou do movimento operário[2], como as práticas associativas de natureza desportiva e promotoras do contacto com o meio ambiente[3], as actividades de lazer para jovens e as colónias de férias[4].
São um conjunto de actividades que podem ser entendidas como precursoras de princípios e valores que, hoje, consideramos património do "Turismo para Todos", nomeadamente a recusa de uma dimensão ostentatória do Turismo e do lazer enquanto objecto de simples consumo e a defesa da emergência do lazer enquanto actividade com um alto valor para o bem estar físico e psíquico do ser humano promotora do enriquecimento cultural.
O século XX desenvolve novos cenários de actuação no âmbito do "Turismo para Todos", assistindo-se, principalmente depois de 1914, a um crescente papel do Estado neste domínio, marcado por dois modelos que se distinguem pelo grau de intervencionismo.
O modelo menos intervencionista, praticado nos países de maior tradição liberal, caracteriza-se pelo aparecimento de um conjunto de legislação social que tende a facilitar o acesso de um cada vez maior número de cidadãos ao turismo, bem como a implantação de políticas sociais de diversa natureza.
No modelo mais intervencionista, desenvolvido principalmente na vigência dos regimes totalitários que assolaram alguns países europeus, entre os quais Portugal, a partir dos anos 20 e 30, e onde devemos também incluir os regimes comunistas, existe uma clara utilização da organização do lazer de massas como promoção de um verdadeiro controle social.
Foi em França, em 1936, sob os auspícios do Governo da Frente Popular, logo seguida, no mesmo ano, pela Bélgica, que as "férias pagas" foram consagradas, sendo mesmo criado o Ministério dos Lazeres, resgatando para as políticas próprias dos regimes democráticos, o modelo de uma maior intervenção do Estado no domínio do que hoje entendemos ser o Lazer Social.
Após a segunda guerra mundial, este movimento foi precursor da democratização do Turismo, permitindo a milhares de trabalhadores e suas famílias descobrirem outros territórios, verificando-se uma autêntica transumância no mês de férias, materializando o que hoje conhecemos por Turismo de massas.
É a afirmação desta linha de actuação na Europa que nos permite situar, já em plena actualidade, as quatro ideias chave da nova Carta do Turismo Social, publicada pelo BITS, em 1996, e que ficou conhecida como “Declaração de Montreal":
1. Contribuir para dar resposta aos modernos desafios da exclusão e integração sociais;
2. Criar condições de acesso aos benefícios do turismo ao maior número de cidadãos trabalhadores;
3. Desempenhar um papel activo no reforço da economia e na criação de emprego constituindo-se como factor de coesão social;
4. Conciliar o desenvolvimento turístico, protecção do ambiente e respeito pela identidade cultural das comunidades locais.
Da análise, não definitiva e por defeito, de alguns indicadores deste segmento da actividade turística, relativos ao ano de 2000, resulta bem clara a importância económica e social do "Turismo para Todos" no quadro da União Europeia que motivou, em 2 de Julho do ano passado, em Bruges, aquando da presidência belga, um Seminário de nível Ministerial.
Tendo registado um volume de negócios superior a 8 mil milhões de Euros, o "Turismo para Todos" promoveu mais de 130 milhões de dias de férias, acolheu cerca de 35 milhões de pessoas e disponibiliza mais de 1 milhão de camas. De referir que em 2000 o "Turismo para Todos" garantiu cerca de 300 mil empregos, tendo envolvido 6 mil estruturas de alojamento.
Em Portugal os programas "Turismo Sénior” e “Saúde e Termalismo Senior”, de iniciativa governamental, organizados pelo INATEL, no seu conjunto, mobilizaram, desde 1995 até ao presente, mais de 250 mil utentes.
Nesta área de actividade, em Portugal, fez-se um progresso notável nos últimos anos quer do ponto de vista da quantidade (18.000 semanas em 1995 para mais de 50.000 em 2001) como da qualidade como é demonstrado, entre outros aspectos, pela iniciativa de promover um estudo de avaliação que inclui o próprio desempenho da entidade gestora o que, diga-se, não é prática comum no nosso país.
Estes programas para seniores representam um investimento público considerável que beneficia os operadores de turismo em geral, sendo já uma realidade económica incontornável, especialmente na chamada época baixa turística.
Os impactos económicos do "Turismo para Todos" estão identificados e quantificados em estudos, como é o caso do que hoje se apresenta, assumindo particular relevância o incremento das receitas geradas directamente pelos programas em benefícios dos agentes económicos privados (hotelaria, agências de viagens, transportes, publicidade, seguros, guias turísticos, restaurantes, casinos, animadores, agrupamentos artísticos, etc.), as poupanças em despesas de saúde e o incremento das receitas fiscais arrecadadas pelos Estados e Regiões.
É assinalável a conclusão de um retorno, por via fiscal, de 49% do financiamento público atribuído pelo Governo ao programa Turismo Sénior, assim como os impactos sociais positivos pois os Programas são, para uma larga maioria de seniores, a única oportunidade de gozo de férias de que estes beneficiam ao longo do ano.
O Estudo apresenta um cenário do impacto sócio económico dos programas que nos surge por defeito, mas cuja influência nos indicadores económicos globais deixa antever que o "Turismo para Todos", parte integrante da Economia Social, é um factor incomparável de desenvolvimento local e regional pelo volume de negócios que suscita, pelo numero de empregos directos e indirectos que gera, e por numerosas oportunidades profissionais que oferece a camadas da população mais penalizadas pelo mercado de emprego.
Esta reflexão não escapa ao designado “paradoxo do século da igualdade”, ou seja, a um quadro de conflito entre competitividade diferenciadora e distributivismo igualitário que atravessou todo o Século XX, e que tem estado a ser resolvido a favor da desigualdade, apesar da dominância de um discurso político favorável à igualdade.
A diferença de rendimentos entre os 25% mais pobres e os 25% mais ricos era, no princípio do século XX, em termos mundiais, de duas vezes; no fim do século essa diferença é de dez vezes.
É à luz desta situação de profunda desigualdade que as contradições entre os interesses do Norte e do Sul, do Leste e do Ocidente da Europa, envolvendo interesses privados e públicos, diferenciadas políticas de promoção do acesso a benefícios sociais, opondo culturas, ideologias e sensibilidades, atravessando gerações, governos e instituições europeias, devem ser encaradas e relativizadas.
A acção das organizações e instituições que promovem e divulgam o turismo, na perspectiva de o tornar acessível a contingentes cada vez mais numerosos de cidadãos, carentes de recursos financeiros, sejam novos pobres, idosos ou trabalhadores com baixos rendimentos, imigrantes ou deficientes, geram dinâmicas que beneficiam a coesão social e dinamizam as economias dos Estados e Regiões da União.
Estes milhões de cidadãos europeus ameaçados pela ditadura da solidão e pela exclusão, gozam já hoje, parcialmente, do benefício do acesso a férias no âmbito de programas com apoio da iniciativa privada, associativa ou pública, permitindo-lhes usufruir dessa extraordinária aquisição civilizacional que é o direito ao tempo livre.
Pensamos, na sequência da nossa experiência na gestão do INATEL, ser estimulante promover o debate acerca do papel do "Turismo para Todos" na promoção de uma cidadania activa em Portugal e na Europa, para a consagração do tempo de “não trabalho” e de defesa do “ócio livre”, como uma aquisição das nossas sociedades democráticas, não só no plano ideológico, mas também programático e legal.
Propunha-vos, neste contexto, que considerassem, no cerne das vossas preocupações, a questão do envelhecimento das populações de todo o mundo e, em particular, dos países da Europa Ocidental, recentemente comprovada, em Portugal, pelos dados do Censo de 2001.
Nenhuma reflexão, preocupada com a cidadania e com um desenvolvimento económico e social sustentável, será susceptível de ter acolhimento nos programas políticos do presente e do futuro se não se estribar na aceitação da dura realidade de uma inevitável evolução demográfica que exigirá às nossas sociedades mudanças profundas de mentalidades e comportamentos.
Desde as políticas de trabalho e emprego, garantindo uma actividade profissional útil e digna ao maior número de cidadãos, ao longo de toda a vida, a melhorias dos sistemas de educação, privilegiando as vertentes tecnológica e humanista, a uma corajosa política de abertura à imigração, aceitando e integrando culturas diferenciadas, até ao estímulo das taxas de renovação das gerações, tudo será certamente questionável e sujeito a fortes tensões.
Aos Estados e Governos serão exigidas, face a estes desafios, novas políticas promotoras do acesso aos benefícios do turismo que se integrem no espírito de profundas reformas do modelo social europeu.
Nesse sentido destaco algumas sugestões programáticas que tendo já obtido reconhecimento por diversas instâncias internacionais, de que se destaca a OMT[5], suscitariam a maior aceitação e entusiasmo das organizações promotoras do "Turismo para Todos" se viessem a ser adoptadas:
- reconhecimento político e institucional do "Turismo para Todos" na legislação nacional de turismo;
- continuidade do apoio político e financeiro do governos a programas de promoção do acesso ao turismo, em particular na época baixa, das famílias de trabalhadores no activo, seniores, deficientes e imigrantes, de mais baixos rendimentos;
- estimulo à criação de programas de intercâmbio internacional de grupos de cidadãos, em particular, imigrantes, oriundos de comunidades deslocados ou em risco de exclusão;
- promoção de programas destinados a favorecer a quebra de barreiras arquitectónicas, bem como programas de viagens para cidadãos com deficiência.
Um último desafio para citar Albert Camus, Nobel da literatura que, nos anos 50, proclamou que “o conformismo é o problema mais sério que se põe aos espíritos contemporâneos”.
O conformismo é um problema de todos os tempos, a que o nosso não escapa, não tendo sofrido emendas de vulto com as longas experiências do exercício do poder nas democracias ocidentais e o amadurecimento das sociedades contemporâneas.
Refiro e sublinho o conformismo porque é uma praga que está nas antípodas da cidadania e cria as condições para a eliminação das condições do exercício da liberdade, abrindo o caminho à tirania.
Nada interessa menos aos que se batem pelo progresso das economias e das sociedades de cada país e da União Europeia, em liberdade e democracia, do que o conformismo e todos os momentos são indicados para o combater pelo que vos peço que aceitem com benevolência o lado inconformista das nossas ideias e experiências.
Obrigado pela vossa atenção.
Lisboa, 25 de Janeiro de 2002.
O Presidente do INATEL
(Eduardo Graça)
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[1] Como o faz "Les Différentes notions du tourisme social:L'évolution de l'offre et de la demande" estudo da Direction Génerale XXIII Unité Tourisme, Comission des Communautés Européennes, 1993
[2] As Casas Familiares, promovidas no final do séc. XIX em Inglaterra pelos Sindicatos.
[3] British Alpine Club (1857), Club Alpin Italien (1863), Club Alpin Autrichien (1862), Club Alpin Français (1874), "Touring Club Cycliste Italien" (1894), l'Association Viennoise des Amis de la Nature (1865).
[4] Albergues da Juventude na Alemanha (1900), escotismo em Inglaterra depois de 1905 e, na mesma época, as colónias de férias na Suíça e na França.
[5] Organização Mundial do Turismo.
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