"Desconfiai daqueles que vos dizem: nada de discussões políticas que são estéreis; ocupemo-nos só dos melhoramentos materiais do país".
Alexandre Herculano
Quando os últimos dois ministros das finanças dos governos da direita, Manuela Ferreira Leite e Bagão Félix, respectivamente da área política do PSD e do PP, não se apresentam a sufrágio em eleições legislativas e, como consequência, não são eleitos deputados, está tudo dito acerca do conceito dominante de responsabilidade política em Portugal.
Curiosamente os dois últimos ministros das finanças dos governos socialistas - Pina Moura e Guilherme de Oliveira Martins - apresentaram-se ao sufrágio popular, sendo eleitos deputados, mas são uma excepção pois nenhum outro ex-ministro das finanças dos governos de Portugal exerce a nobre função de representante do povo.
Poder-se-à dizer que este é um pequeno pormenor, porventura de somenos relevância, mas tem, do meu ponto de vista, um profundo significado político. Em Portugal pode afirmar-se, sem receio de ser injusto, que o “heroísmo dos duros”, aplicado aos ex-governantes, é exercido na comunicação social que, de forma geral, nem sequer questiona, como lhe competiria, o seu pretérito desempenho quanto mais as suas virtuosas propostas para o futuro.
Ao que afirmou o governador do BP o deficit estimado, para 2005, situar-se-à nos 6,83%. Este é um resultado que ensina, entre outras coisas, que a rigidez na execução da política orçamental pode conduzir, afinal, a um agravamento do deficit.
Sabendo-se que o Estado gasta mais do que pode, ou seja, que a receita é escassa para cobrir a despesa; que a receita depende mais do “crescimento da economia” do que do combate à fuga e evasão fiscais; que a despesa é rígida e depende, quase em absoluto, dos custos com pessoal e das transferências correntes (vide sistemas de segurança social e de saúde); que o “monstro” de que falava Cavaco (lembram-se?), nos tempos do governo Guterres, não foi domesticado nem abatido pela sua discípula Manuela F. Leite e, muito menos, pelo falso discurso “social cristão” de Bagão Félix, o que resta fazer?
Todos o sabem: reformar a estrutura do Estado subjacente ao “modelo gastador”, ou seja, esmagar a despesa, sem esmagar as expectativas de um futuro viável para a economia e digno para os cidadãos, salvaguardando o essencial das conquistas do chamado “estado social português” e, ao mesmo tempo, aumentar a receita através de uma política fiscal e de gestão dos recursos humanos e patrimoniais do Estado mais flexível no plano da gestão, mais eficiente no plano económico e mais equitativas no plano social.
É uma evidência, a qual não precisa de demonstração, que a comunidade nacional e a opinião pública estão preparadas para a “guerra” do combate ao deficit. Mas, como seria de esperar, as medidas agora anunciadas pelo primeiro ministro que todas as forças políticas, associações empresariais e sindicais reclamavam, de forma explícita ou implícita, cada uma à medida dos seus interesses particulares, foram criticadas.
É claro que aumentar impostos, ao arrepio das promessas eleitorais, apesar do escandaloso deficit de 6,83%, suscita receios e refreia a confiança no governo mas, por outro lado, bastaram alguns sinais de uma política corajosa de moralização da vida pública, de combate ao despesismo e aos privilégios ancestrais da administração para mostrar a justeza do essencial das medidas preconizadas pelo governo.
Convençam-se que o governo encetou, de facto, uma época de decisões reformadoras de ataque à raíz dos problemas do estado providência, corajosas e projectadas para o futuro.
Por razões económicas e, primordialmente, como afirmava Herculano, atribuindo prioridade à política, mais vale que sejam os democratas e, em particular, os socialistas a promover, de uma vez por todas, a empresa de dobrar o “cabo bojador “ do saneamento das finanças públicas.
Aqui fica o meu apoio, no essencial, às primeiras medidas anunciadas pelo governo que espero se não deixe aprisionar pelos interesses particulares das corporações, à direita e à esquerda, que sempre proclamam a eminente falência do estado social, opondo-se à sua modernização, para que o possam usar à medida dos seus interesses particulares, abrindo caminho para a sua ilegítima apropriação. Os exemplos do passado recente são muitos e estão à vista de todos.
(Artigo publicado na edição de hoje, 3 de Junho de 2005, no "Semanário Económico")
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