Um dia destes numa réplica indaguei o que seria feito do Dr. Paulo Portas e dos seus dilectos assessores. Recebida a condecoração do governo americano seguiu-se o mais profundo silêncio. Curioso. Mas preocupante.
Aqueles que, no governo em funções, ou fora dele, queiram fazer reformas a sério, no sentido da modernização do país, não devem esquecer os conspiradores da direita populista e extrema-direita. Eles andam por aí mas só Santana, imolado pelo seu “irmão” José, ingenuamente o afirmou.
A aliança espúria dos dirigentes políticos de extremos opostos, no caso do referendo em França, deve-nos fazer pensar como é difícil o processo de construção europeia e fácil federar os descontentes, de todos os quadrantes, contra a reforma do “estado social” em democracia e liberdade.
Ainda mal se iniciaram as reformas que todos sabem ser necessárias em Portugal e já se ouvem os ecos das ameaças de todas as manifestações e começaram as campanhas para descredibilizar os ministros chave do governo. A começar pelo das Finanças. Nada mais expectável. Os órgãos de comunicação que tomam a dianteira são os do costume.
Tenho a experiência de campanhas deste género. Sempre que se pretende reformar algo no Estado, modernizar, colocar a “coisa pública” ao serviço dos cidadãos, quebrar privilégios e rotinas ancestrais é certo e seguro que temos campanha. Há-as para todos os gostos mas o modelo conspiratório puro, promovendo o “assassinato de carácter”, é a que tem provado ser mais eficaz.
Aos socialistas cabe sempre a tarefa de aplicar os programas de austeridade. Assim foi com Mário Soares em 1983, preparando as condições para a adesão à UE, ocorrida em 1985, para benefício de Cavaco que, alcançando o poder, desfrutou, entre 1985 e 1995, da maior avalanche de apoios financeiros externos de que há memória na nossa história recente. A chamada “consolidação orçamental” nunca foi, no entanto, uma prioridade nesse tempo de “vacas gordas”. Surpresa: Cadilhe “dixi”!
Caberá aos socialistas executar, no segundo lustro da primeira década do século XXI, uma nova política de austeridade e Sócrates vai provar, muito provavelmente, no exercício do governo, o fel que Ferro Rodrigues já bebeu no exercício da oposição.
E esta política que agora iniciou a sua marcha é uma “guerra de longa duração” pois se destina a encetar uma reforma global do Estado e a mudar a natureza do seu papel na sociedade. Desejo que o governo esteja à altura do desafio pois a “guerra” vai ser a doer.
Espero que Sócrates não acabe, salvaguardadas as devidas proporções e circunstâncias, como Camus descreveu “Jacob Genns, ditador do ghetto de Vilna” que “aceita esse cargo policial para evitar o pior. A pouco e pouco três quartos do guetto (48.000) são exterminados. Finalmente fuzilam-no a ele próprio. Fuzilado e desonrado – para nada.”
Escrevo ao som dos tambores que açulam a multidão ao combate contra as políticas dos socialistas como se estes fossem traidores ao cumprimento da esperança de redenção das velhas utopias do socialismo igualitário. Mas tal como o sonho do socialismo libertário, há muito, morreu, também a utopia igualitária é um sonho que pertence às relíquias do socialismo.
Escrevo depois de ter ouvido uma vibrante entrevista de Freitas do Amaral na RTP. Um sinal dos tempos é o facto de um centrista, provindo da direita, defender, com brilhantismo, ideias, tarefas e projectos de um governo socialista. Freitas explanou respostas directas e frontais sem nunca abdicar das suas próprias convicções nem sequer da lealdade que é lhe é exigida pelas altas funções de governo que, no presente, exerce.
Mas extraordinário, para alguns amigos de esquerda, é que gostei do que ouvi. E lembrei-me daqueles que, dos lados do PP, ainda há pouco tempo, tentaram denegrir a sua imagem de grandeza quer como intelectual, quer como político, quer como homem de Estado.
E dei comigo a pensar como um discípulo de Marcelo Caetano vai afrontar as ondas de choque de uma coligação negativa que vai unir os interesses das corporações contra as medidas reformadoras do governo socialista que integra e no desespero populista que levará os extremos a unirem esforços para levar essa contestação o mais longe possível.
Já reflecti e escrevi acerca da questão demográfica e do envelhecimento da população em todo mundo dito desenvolvido e dos efeitos terríveis deste fenómeno na sustentabilidade do “Estado Providência”, em particular, na Europa.
Não é possível pensar qualquer modelo sustentável de “estado social” no qual os cidadãos morrem cada vez mais tarde e alcançam o direito à reforma cada vez mais cedo. A míngua dos recursos financeiros do estado para assegurar as pensões de reforma cresce exponencialmente, entre outras, por aquela razão simples.
É impossível sustentar que cada vez mais trabalhadores, de todas as profissões e escalões de qualificação, alcancem a idade da reforma quando se tornam cinquentenários (os chamados “babby-boomers”, nascidos entre 1945 e 1955, no imediato pós guerra), quando a esperança de vida avança a passos largos para os 80 anos se não a alcançou já, pelo menos, para as mulheres.
A segurança social pública, todos o sabem, se nada for feito para contrariar esta tendência, mais ano menos ano, entrará em colapso.
Os despesas do estado com a saúde não podem aumentar indefinidamente, por razões de irracionalidade de um sistema capturado pelas corporações privadas, mas também pela pressão das exigências sociais, em prol de uma qualidade de vida superior, assegurando, de facto, uma longevidade cada vez maior e, ao mesmo tempo, diminuir, drásticamente, o volume dos trabalhadores activos e dos respectivos descontos destinados a financiar o próprio sistema (nacional) de saúde.
O serviço público de saúde, se nada for feito, entrará, a breve prazo, em colapso tendo atingido já o primeiro patamar da sua própria auto-destruição.
Os serviços públicos de segurança social e de saúde são só os dois principais sectores onde se pressagia, desde há muito tempo, o naufrágio do “estado social” em Portugal. Mas o que dizer da educação que apresenta dos piores indicadores (senão o pior) na relação custo/benefício entre os países da UE?
Os diagnósticos estão feitos e não há muitas alternativas para resolver a magna questão da mudança de paradigma do chamado “modelo social europeu”. A esquerda não pode continuar agarrada às velhas bandeiras do socialismo igualitário entendendo, de uma vez por todas: primeiro, que a justiça social só é viável criando riqueza; segundo, que se não pode distribuir o que não há; terceiro, que é preciso trabalhar; quarto, mais do que trabalhar, é preciso trabalhar melhor e durante mais tempo. É duro? Mas é isso mesmo que está na ordem do dia.
As escolhas que, em alternativa, dentro de algum tempo, podem estar em cima da mesa são as velhas, e indesejáveis, alternativas entre a liberdade ou a tirania e a paz ou a guerra. Exagero? Sem prejuízo de as ditaduras não impedirem os campeonatos nacionais de futebol, nem as taças europeias, nem as telenovelas, nem sequer as peregrinações a Fátima talvez seja prudente reflectir, serenamente, acerca do papel de cada um de nós na construção de alternativas viáveis ao modelo esgotado de “estado social” que tem regido as nossas sociedades.
A esquerda será mesmo o lugar da mudança? Ou o lugar do imobilismo? Aqueles que se reclamam de esquerda, em nome dos ideais da igualdade e da solidariedade, haviam de ver o que são os homens quando se lhes pede, em nome desses ideais, que abdiquem de um mínimo do seu poder em favor dos mais fracos. Ficam, em regra, furiosos, encarniçam-se e mordem a mão mesmo daqueles que lhes deram estatuto social e, mais importante, quantas vezes, o pão.
Há muitos portugueses que se sentem sempre devedores das benesses e da gratidão do estado. Nunca se sentem obrigados a dar nada e estão sempre prontos a tudo receber. Desprezam a iniciativa e tremem perante qualquer inovação. São os conservadores, sem princípios, que amarram a nação à perpétua humilhação de um estatuto internacional de “mão estendida”.
É em nome desses portugueses que se bate a esquerda? Para quê? Para o regresso à autarcia, ao “orgulhosamente sós” de Salazar, em suma, à negação dos próprios valores fundamentais da liberdade, ou seja, o contrário da afirmação da autonomia do homem e da sua individualidade perante todas as tutelas.
A esquerda, para mim, é o lugar da liberdade! Mesmo quando parece que a liberdade está contra a justiça é sempre preferível escolher a liberdade. Porque a liberdade preserva as condições de lutar contra a injustiça. E a justiça sem liberdade é, sempre, o caminho da tirania.
Por isso tomo a liberdade de apoiar as medidas do governo socialista e espero que as saiba concretizar com bom senso, justiça e determinação. Aos que são contra aquelas medidas cabe tentar provar que existem outros caminhos mais prometedores e eficazes para alcançar o bem comum e contestar, em liberdade, o que acharem por bem contestar.
Mas depois não se queixem do regresso triunfante ao poder do Dr. Paulo Portas e dos seus dilectos assessores. E desta vez de comenda americana ao peito ...
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