A França concluiu agora as nonas eleições presidenciais por sufrágio universal directo. E, pela primeira vez em 17 anos, após três derrotas consecutivas, a esquerda – representada pelo candidato socialista, François Hollande – regressará ao Élysée Palace. Na verdade, a primeira implicação desta importante eleição é a confirmação do regresso à estabilidade.
A França é o maior país da Europa a ter tanta dificuldade em encontrar o equilíbrio. A revolução de 1789 iniciou um longo período de profunda instabilidade, com dois impérios, três monarquias e cinco repúblicas. Os franceses passaram por 13 constituições em menos de 200 anos.
Com 54 anos de existência, a actual Quinta República é o segundo regime com maior duração desde a revolução. Fala-se, por vezes numa Sexta República, que abordaria questões e dificuldades limitadas, mas reais. Mas a afluência às urnas nas últimas eleições presidenciais (80% na primeira volta e 81% na segunda) não deixa dúvidas: o nosso sistema actual é forte, e nós, franceses, estamos unidos a esse sistema.
Mas a importância primordial do resultado das eleições é o regresso da esquerda ao poder, apenas pela segunda vez em 31 anos. Na verdade, quando François Mitterrand foi eleito em 1981, a esquerda estava fora do poder desde 1957.
Naquela altura, o Partido Comunista ainda tinha poder e mantinha laços estreitos com a União Soviética. A perspectiva de que o Partido podia chegar ao poder numa aliança eleitoral com os socialistas causava receio na oposição. Os socialistas, por sua vez, ainda não tinham deixado cair a sua pele intelectual. O programa político de Mitterrand era um hino ao planeamento económico e, para ele, o mercado livre ainda era sinónimo de opressão.
Actualmente já não existe comunismo internacional, ou, neste caso, comunismo francês. Recordamos ter visto a esquerda governar sem dramas. As duas passagens pelo poder – dez anos com Mitterrand e cinco anos com o primeiro-ministro Lionel Jospin – forçaram a esquerda a conciliar-se com a realidade. A reputação internacional da França não foi prejudicada, e, a nível interno, o desempenho da esquerda, especialmente no que diz respeito ao desemprego, é bem comparável ao de outros governos.
Assim, desta vez não haverá pânico. Pelo contrário, o regresso da esquerda ao poder parece ser um exemplo perfeitamente normal, quase trivial, de alternância no governo.
Na realidade, a vitória de Hollande não foi assegurada por uma viragem para a esquerda por parte do eleitorado, mas sim pela rejeição de Nicolas Sarkozy por parte dos eleitores. Na verdade, o resultado representa uma derrota impressionante e histórica: durante a Quinta República, três presidentes em exercício – Charles de Gaulle, Mitterrand e Jacques Chirac – foram reeleitos após o seu primeiro mandato. Apenas Valéry Giscard d'Estaing não foi reeleito, por estar enfraquecido devido ao longo período de declínio do Gaullismo.
A rejeição de Sarkozy é muito diferente, acima de tudo, é uma questão de estilo. Persiste, entre os franceses, uma espécie de realeza e a nossa constituição tem muitas características de uma monarquia electiva. Com a sua familiaridade excessiva, simplicidade e vulgaridade ocasional, Sarkozy abalou a dignidade da sua função sagrada. Isso não foi perdoado e foi julgado mais severamente do que as deficiências do seu registo presidencial, que não foi muito pior do que o dos seus antecessores.
Além disso, em termos substantivos, as políticas de Sarkozy, especialmente as fiscais, favoreciam as classes mais altas e os mais abastados. Surgiu assim uma combinação poderosa da raiva social e económica, especialmente devido à convicção de que a ganância excessiva de financiadores e banqueiros era a principal causa da crise que surgiu em 2008 e que ainda hoje nos ameaça. Era necessária uma correcção social e política, que se concretizou com uma vingança única para a França.
Mas os cofres do estado estão perigosamente empobrecidos e a França encontra-se agora entre os muitos países cujo peso da dívida compromete a existência da zona euro. Assim, o país está agora sujeito ao discurso da ortodoxia económica, que, ao insistir em que todas as dívidas sejam pagas até o último cêntimo, ignora que a despesa pública é também um motor de crescimento. Qual o montante que terá de ser efectivamente reembolsado? Com a Alemanha como o expoente principal da ortodoxia, o debate está ao rubro. Mas verificamos agora que a austeridade fez cair a Grécia, Portugal e especialmente a Espanha e a Itália numa profunda recessão. O presidente do Banco Central Europeu, bem como o Fundo Monetário Internacional reconhecem a gravidade do problema. Mas o que acontecerá se recusarmos aceitar a posição da Alemanha?
A vitória de Hollande, que afirmou querer "renegociar" o novo "pacto fiscal" da União Europeia apoiado pela Alemanha, vai ter um peso enorme neste debate. Além disso, os socialistas controlam actualmente não só a presidência e o governo, mas também uma maioria no Senado, todas as presidências regionais, 55% dos departamentos do país e a maioria das câmaras municipais das principais cidades. Em menos de dois meses poderão vir a controlar igualmente a maioria da Assembleia Nacional, o que implica uma concentração de poder nunca antes vista na França moderna.
Os socialistas podem governar sem limites, por isso compete-lhes fazê-lo bem. Esta é a incerteza que paira sobre o futuro da França, ou mesmo da Europa.
In Público - Tradução: Teresa Bettencourt (Project Syndicate)
No comments:
Post a Comment