Nos anos 40, o Mississípi descobriu que a solução para a crise passava pela comunidade. Hoje, essa lição ainda é útil
No fascinante "Bowling Alone", Robert Putnam conta a história de Tupelo, cidade perdida no Mississípi. No final da década de 30, Tupelo era o símbolo do pós-recessão: sem recursos naturais nem universidades, sem indústria nem auto-estradas. Em 1936, a cidade tinha sido varrida pelo quarto pior tornado da história, mas quando nada parecia funcionar entre as ruínas, George McClean - um sociólogo universitário - chegou a Tupelo com uma ideia. McClean achava que qualquer recuperação económica só seria possível se a cidade crescesse primeiro como comunidade. Começou pela base - comprou um touro cobridor para dar gás à indústria leiteira - e usou o dinheiro de todos para encontrar um modelo económico alternativo. Na nova Tupelo, todas as empresas que quisessem trabalhar na cidade eram obrigadas a pagar salário altos. E nesta nova cidade, onde a comunidade era a base do modelo económico, até a Câmara do Comércio deu lugar a um fundação, mais horizontal na distribuição dos recursos.
Hoje, George McClean não sobreviveria à concorrência num mundo globalizado, mas a ideia de que o capital social é essencial para o crescimento económico deixou escola. Robert Putnam preocupava-se porque os americanos jogavam cada vez menos bowling em família, num sinal de desagregação social com custos económicos evidentes. Robert Fukuyama acrescentaria que são as economias onde os cidadãos partilham altos níveis de confiança que vão dominar este século.
Exageros teóricos? Nem por isso. Nesta crise e face à evidente desagregação do Estado- -providência, criou-se a ideia de que a solução passa por centralizar a gestão, apostando numa reformulação do federalismo comunitário - menos Estado, mais controlo, mais Europa. E tudo porque esta crise colocou a cabeça dos porcos (PIIGS) no cepo. E que cepo: Guido Westerwelle, MNE germânico, dizia há uns dias que a UE deveria poder cortar imediatamente os fundos de coesão aos países que fujam ao défice. Arrepiante? Sem dúvida. Autoritário? Com certeza. Mais ainda porque cimenta a ideia de que Portugal e as regiões podem ser controladas como marionetas, com orçamentos previamente controlados e ameaças dos irmãos mais ricos. O que o Bruxelas não contempla - mas que o federalismo sempre debateu - é a necessidade (chamem-lhe subsidiariedade se quiserem) de devolver o poder às comunidades. O poeta britânico G.K. Chesterton costumava dizer que o problema do capitalismo não era haver capital a mais - mas existirem capitalistas a menos. A única forma de o conseguir sem corromper os incentivos do mercado, ou derivar para o exagero da extrema-esquerda, é devolver a prosperidade às economias locais. Durante anos, a concorrência de preços deu cabo dos negócios locais, até que, agora, somos todos reféns dos monopólios em grande escala. Este debate - pela comunidade - foi um dos temas que levou os liberais-democratas ao poder no Reino Unido. Lá, como no Mississípi, a pobreza do Estado foi vista como uma oportunidade para um novo género de empresas - companhias civis, locais e participadas, que sirvam de complemento ao mercado livre. Uma economia mutualista devolveria poder e responsabilidade, envolvendo os desavindos. As 150 mil pessoas que, no sábado, encheram as ruas de Lisboa não estão nem integradas, nem motivadas. Não fazem parte, na maioria dos casos, do modelo que promove o mérito e o crescimento, melhores remunerações e oportunidades de emprego. Para muitos desses desavindos, a solução passa por ter mais Estado. Mas a solução, a verdadeira solução, é ter mais - e melhores - vizinhos.
Miguel Pacheco, I