A SEDES divulgou uma tomada de posição, à maneira de manifesto, acerca do “estado da nação”. O sentimento que me provoca o teor do documento é, como se diz nas praças financeiras, misto. É tudo verdade e aplica-se a qualquer país e, por isso mesmo, é tudo mentira e não se aplica a país algum. Ao correr da pena e para aqueles leitores que estejam minimamente atentos à gestão da coisa pública, à história recente da nossa democracia e ao percurso dos subscritores do dito documento, que pode ser lido na íntegra aqui, fui tentado a fazer-lhe uns despretensiosos comentários puxando os títulos de cada ponto e a primeira frase de cada um. O que mais impressiona é o primeiro ponto versando acerca do “difuso mal-estar”.
UM DIFUSO MAL-ESTAR – Sente-se hoje na sociedade portuguesa um mal-estar difuso, que alastra e mina a confiança essencial à coesão nacional.
O mal-estar difuso que os autores do manifesto afirmam sentir-se hoje na sociedade portuguesa é, afinal, muito antigo. Para aqueles que sejam capazes de um exercício de memória não muito exigente e por lustros: sintam o mal-estar difuso que se sentia na sociedade portuguesa em 1960, após a candidatura de Humberto Delgado, imediatamente antes do inicio da guerra colonial! Ou se preferirem sintam o mal-estar difuso que pairava na sociedade portuguesa em 1965 ano de mais uma farsa eleitoral da ditadura; ou o mal-estar difuso de 1970, ano da morte física de Salazar já com Caetano na presidência do Concelho; ou o mal-estar difuso de 1975, palavras para quê? Ou, se preferirem, uma colheita mais “suave”, o mal-estar difuso de 1980 quando Sá Carneiro, em Janeiro, formou o Governo da Aliança Democrática, sucedendo a Maria de Lurdes Pintassilgo, tendo morrido em Dezembro, ainda se discute se de acidente ou de atentado; não esquecendo o mal-estar difuso de 1985 ano em que o PS, de Soares, à saída de um período de austeridade, com Almeida Santos, obteve a sua pior votação de sempre, colocando o poder nas mãos de Cavaco para este se engalanar com a adesão à CEE; ou o mal-estar difuso de 1990 quando o Congresso do PSD reconduziu Cavaco Silva na liderança do partido e, rezam as crónicas, as bases se queixaram de serem desprezadas pelo partido e pela maioria governamental (onde é que eu já ouvi isto?); ou o mal-estar difuso de 1995 quando Guterres ganhou as eleições legislativas e Cavaco perdeu as presidenciais para Sampaio; ou o mal-estar difuso de 2000, um ano após Guterres ter falhado a maioria absoluta, e um ano antes de ter abandonado o governo; ou o mal-estar difuso de 2005 quando Sócrates obteve a primeira maioria absoluta para o PS provando que o mal-estar difuso é, afinal, relativo. Adiante …
O hoje dos subscritores só pode ser entendido, afinal, se abarcar umas dezenas de anos, ou seja, a história inteira deste país à beira mar plantado. Tudo depende dos poderes do dia e do olhar que os apreciam e qualificam. Ora o mal-estar difuso de que se fala no documento parece ser atribuído ao governo em funções. E parece não ter sido um descuido ou um erro de redacção o facto do manifesto permitir esta leitura singela.
Ora o meu mal-estar difuso, para não ir mais longe, o meu verdadeiro mal-estar difuso que posso documentar, e documentarei, no tempo certo, não é nada difuso e tem uma origem concreta que não vou agora nomear pois seria, neste contexto, uma maçada. O mal-estar difuso, de que fala o documento, se querem que vos diga, não é nada. O governo actual, com mais ou menos habilidade, tem vindo a pôr em prática reformas que, em geral, muitos dos subscritores do documento, ao longo dos anos, preconizaram. Mais coisa menos coisa e depois há a chamada margem de manobra. Alguns deles foram membros de governos recentes – um deles mesmo ministro do governo de Sócrates – conhecem como ninguém as raízes do mal-estar difuso de que falam tendo tido oportunidade de aplicar políticas destinadas a fazer-lhe face.
Quanto ao alastramento do dito mal-estar difuso a caminho de minar “a confiança essencial à coesão nacional” só se for referência às recorrentes exibições de chantagem do Dr. Alberto João Jardim e/ou das corporações que, desde o 25 de Abril, capturaram em benefício próprio princípios, regalias e poderes que haviam de ter sido sempre mantidas na estrita esfera do interesse público. Contas de um velho rosário!
DEGRADAÇÃO DA CONFIANÇA NO SISTEMA POLÍTICO – Ao nível político, tem-se acentuado a degradação da confiança dos cidadãos nos representantes partidários, praticamente generalizada a todo o espectro político.
Neste ponto o documento navega na corrente do senso comum. Mas o fenómeno, como é sabido, não é património nacional português. Os subscritores do documento preconizam três condições para que estes (os partidos) possam cumprir adequadamente o seu papel: mobilizar os talentos; a sua presença (dos partidos) não pode ser dominadora a ponto de asfixiar a sociedade e o Estado, coarctando a necessária e vivificante diversidade e o dinamismo criativo e (os partidos) não devem ser um objectivo em si mesmos...
Exceptuando a questão da mobilização dos talentos – os talentos a ganhar para a política nascem onde? Nas associações empresariais? Nas universidades? Nos sindicatos? Nos partidos? Onde medram os talentos? - o resto é música celestial pois, em toda a parte, onde exista democracia representativa, a mesma é fundada em partidos, e estes não são mais do que uma emanação da sociedade na qual estão mergulhados. Se querem partidos diferentes emigrem e logo se darão conta da necessidade imediata de escrever novos manifestos pela reforma dos partidos que aí vão encontrar cheios de defeitos, como os nossos, pois são oriundos das respectivas sociedades…feitas de pessoas, erigidas em instituições, herdeiras da história, escravas da economia, …
VALORES, JUSTIÇA E COMUNICAÇÃO SOCIAL
Outro factor de degradação da qualidade da vida política é o resultado da combinação de alguma comunicação social sensacionalista com uma justiça ineficaz. E a sensação de que a justiça também funciona por vezes subordinada a agendas políticas.
Não posso estar mais de acordo mas convinha dar exemplos e situar, no tempo, os problemas de que se fala.
CRIMINALIDADE, INSEGURANÇA E EXAGEROS
A criminalidade violenta progride e cresce o sentimento de insegurança entre os cidadãos.
Não disponho de dados concretos, detalhados, acerca do tema mas neste ponto não posso estar mais em desacordo. Além do mais os subscritores cedem à facilidade do argumento da “Bola de Berlim” para apontar exageros em algumas práticas de fiscalização sabendo, certamente, os autores que a ASAE é um corpo de polícia criminal… e que, se querem ser olhados com o devido respeito institucional não devem brincar com coisas sérias ...
APELO DA SEDES
O mal-estar e a degradação da confiança, a espiral descendente em que o regime parece ter mergulhado, têm como consequência inevitável o seu bloqueamento. E se essa espiral descendente continuar, emergirá, mais cedo ou mais tarde, uma crise social de contornos difíceis de prever.
O apelo dos subscritores segue na peugada de certa opinião publicada, omite qualquer referência aos indicadores macro económicos actuais, participa, de forma acrítica, de certas campanhas de desinformação, descreve de forma vaga a situação sócio económica do país, antevê uma crise social grave ou, ainda mais dramático, de “contornos difíceis de prever".
Ora o que eu gostava é que as equipas de sábios que elaboram documentos como este, que a SEDES deu à estampa, é que elaborassem diagnósticos fundamentados do "estado da nação" e apresentassem propostas concretas para conjurar as dificuldades. Não foi esse o caminho que o Conselho Coordenador da SEDES seguiu. Lamento. Que saudades que eu tinha do Theias! Já ninguém se lembrava do Theias e é pena!
O Conselho Coordenador que assina o documento é constituído pelas seguintes personalidades:
(Vitor Bento (Presidente), M. Alves Monteiro, Luís Barata, L. Campos e Cunha, João Ferreira do Amaral, Henrique Neto, F. Ribeiro Mendes, Paulo Sande, Amílcar Theias)
Friday, February 22, 2008
Friday, February 01, 2008
CINCO ANOS ARDENDO EM LUME BRANDO
Um dia, nas vésperas do Natal de 2004, uma funcionária do Ministério da Educação entrou, educadamente, na minha sala e pediu-me para que tomasse conhecimento de um documento. Pedi-lhe que mo mostrasse e, num relance, percebi que se tratava da notificação de uma sanção disciplinar. Tomei conhecimento. A senhora afastou-se, encaixei o embate, e apressei-me a dar conhecimento do facto ao meu advogado.
A Ministra da Educação, a quem coube despachar a punição, dava pelo nome de Maria do Carmo Seabra e o Primeiro-ministro pelo nome do ora regressado Santana Lopes.
Em duas palavras tratava-se da pena de um ano de inactividade, com perda de vencimento, além do resto que não cabe nas linhas deste artigo, resultante do processo disciplinar na sequência da sindicância que Bagão Félix tinha mandado instaurar, em finais de 2002, ao INATEL, organização na qual eu exerci funções de presidente da direcção entre 21 de Fevereiro de 1996 e 3 de Fevereiro de 2003.
O assunto vem à baila não pela brutalidade da pena que, embora em circunstâncias diferentes, é igual à que Salazar mandou aplicar a Aristides Sousa Mendes, mas pelo facto de já ser possível falar do caso. Até hoje tenho mantido o mais rigoroso silêncio acerca deste infame processo, que me foi movido por Bagão Félix, enquanto ministro da tutela do INATEL, para não quebrar o chamado segredo de justiça.
Como devem calcular, nos últimos tempos, perante tantos casos propagandeados como de “perseguição política”, ou de ameaça à liberdade e à democracia, quiçá mesmo o advento de um novo “fascismo”, muito me tem apetecido replicar, lembrando as notícias que, desde finais de 2002 até ao verão de 2004, arrastaram pela lama o meu nome assim como os de alguns dos meus colaboradores no INATEL.
Finalmente, quase cinco anos depois de ter cessado funções como presidente da direcção do INATEL, o TAFL (Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa) julgou nulo o despacho que me aplicou aquela pena disciplinar. O Acórdão do Tribunal é de tal forma claro e incontroverso que não mereceu recurso da entidade que a ele poderia ter recorrido, em primeira linha, o Ministério da Educação a cujos quadros pertenço.
Algumas passagens do acórdão são impressivas, em particular, as que dizem respeito à nulidade insuprível por falta de audição das testemunhas indicadas pela defesa; à manifesta insuficiência da decisão de condenação quer por "total ausência de explicitação dos fundamentos de facto que permitiram imputar a título de dolo ou negligência, tal conduta …", quer ainda por manifesta insuficiência das circunstâncias atenuantes, que não foram devidamente equacionadas.
De tal modo que o despacho que me aplicou a pena foi julgado nulo, e não anulável, sendo certo que a nulidade de um acto comporta um juízo de censura e um regime bem mais exigente do que a mera anulabilidade, que constitui o regime-regra das invalidades dos actos administrativos.
Uma característica peculiar do processo é o facto de Bagão Félix, na sequência da sindicância, e posterior instaurarão do processo disciplinar, se ter dado ao luxo de interceder em favor da redução da pena que a instrutora havia proposto, dando-se o caso de a mesma ter feito tábua rasa daquele apelo magnânimo e o suposto apaziguador se ter conformado.
Finalmente perdeu esta batalha numa guerra na qual o que está em causa é, além dos prejuízos materiais e da reposição da minha honra e bom nome, a defesa dos princípios da ética republicana aos quais sempre me tenho mantido fiel, separando, de forma rigorosa, em todas as circunstâncias, o interesse público dos interesses particulares, próprios ou alheios.
Por ora assinalo cinco anos ardendo em lume brando, esquecido, como tantos outros que se não acomodam às injustiças, mas vencedor da pena disciplinar que me foi aplicada e que o tribunal, com uma fundamentação demolidora, anulou fazendo justiça. Bem-haja aqueles (poucos!) que nunca duvidaram da minha honorabilidade e sempre me obsequiaram com a sua solidariedade.
(Artigo publicado na edição de hoje do "Semanário Económico").
A Ministra da Educação, a quem coube despachar a punição, dava pelo nome de Maria do Carmo Seabra e o Primeiro-ministro pelo nome do ora regressado Santana Lopes.
Em duas palavras tratava-se da pena de um ano de inactividade, com perda de vencimento, além do resto que não cabe nas linhas deste artigo, resultante do processo disciplinar na sequência da sindicância que Bagão Félix tinha mandado instaurar, em finais de 2002, ao INATEL, organização na qual eu exerci funções de presidente da direcção entre 21 de Fevereiro de 1996 e 3 de Fevereiro de 2003.
O assunto vem à baila não pela brutalidade da pena que, embora em circunstâncias diferentes, é igual à que Salazar mandou aplicar a Aristides Sousa Mendes, mas pelo facto de já ser possível falar do caso. Até hoje tenho mantido o mais rigoroso silêncio acerca deste infame processo, que me foi movido por Bagão Félix, enquanto ministro da tutela do INATEL, para não quebrar o chamado segredo de justiça.
Como devem calcular, nos últimos tempos, perante tantos casos propagandeados como de “perseguição política”, ou de ameaça à liberdade e à democracia, quiçá mesmo o advento de um novo “fascismo”, muito me tem apetecido replicar, lembrando as notícias que, desde finais de 2002 até ao verão de 2004, arrastaram pela lama o meu nome assim como os de alguns dos meus colaboradores no INATEL.
Finalmente, quase cinco anos depois de ter cessado funções como presidente da direcção do INATEL, o TAFL (Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa) julgou nulo o despacho que me aplicou aquela pena disciplinar. O Acórdão do Tribunal é de tal forma claro e incontroverso que não mereceu recurso da entidade que a ele poderia ter recorrido, em primeira linha, o Ministério da Educação a cujos quadros pertenço.
Algumas passagens do acórdão são impressivas, em particular, as que dizem respeito à nulidade insuprível por falta de audição das testemunhas indicadas pela defesa; à manifesta insuficiência da decisão de condenação quer por "total ausência de explicitação dos fundamentos de facto que permitiram imputar a título de dolo ou negligência, tal conduta …", quer ainda por manifesta insuficiência das circunstâncias atenuantes, que não foram devidamente equacionadas.
De tal modo que o despacho que me aplicou a pena foi julgado nulo, e não anulável, sendo certo que a nulidade de um acto comporta um juízo de censura e um regime bem mais exigente do que a mera anulabilidade, que constitui o regime-regra das invalidades dos actos administrativos.
Uma característica peculiar do processo é o facto de Bagão Félix, na sequência da sindicância, e posterior instaurarão do processo disciplinar, se ter dado ao luxo de interceder em favor da redução da pena que a instrutora havia proposto, dando-se o caso de a mesma ter feito tábua rasa daquele apelo magnânimo e o suposto apaziguador se ter conformado.
Finalmente perdeu esta batalha numa guerra na qual o que está em causa é, além dos prejuízos materiais e da reposição da minha honra e bom nome, a defesa dos princípios da ética republicana aos quais sempre me tenho mantido fiel, separando, de forma rigorosa, em todas as circunstâncias, o interesse público dos interesses particulares, próprios ou alheios.
Por ora assinalo cinco anos ardendo em lume brando, esquecido, como tantos outros que se não acomodam às injustiças, mas vencedor da pena disciplinar que me foi aplicada e que o tribunal, com uma fundamentação demolidora, anulou fazendo justiça. Bem-haja aqueles (poucos!) que nunca duvidaram da minha honorabilidade e sempre me obsequiaram com a sua solidariedade.
(Artigo publicado na edição de hoje do "Semanário Económico").
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