Friday, February 02, 2007

REFORMA DA ADMINSTRAÇÃO PÚBLICA: PEQUENOS DETALHES

Já se percebeu que há atrasos na aplicação de algumas medidas previstas no âmbito da reforma da administração pública. Nada que não fosse expectável. A tarefa é difícil e as suas consequências serão, certamente, dolorosas.

Um sinal das dificuldades é o caso emblemático do Director Geral dos Impostos, Dr. Paulo Macedo, contra o qual nada me move, que aufere uma remuneração que só por milagre encontrará enquadramento na legislação que o governo socialista, recentemente, aprovou ou, no futuro próximo, aprovará.

Toda a gente concorda com a importância da arrecadação de receitas fiscais, no contexto do combate ao deficit das contas públicas, e ninguém duvida que o combate à fraude e evasão fiscais é decisivo para a afirmação do estado de direito e o prestígio da democracia.

Na verdade o Dr. Paulo Macedo, à frente da DGI, tem apresentado resultados. De tal forma que o ministro das finanças, recentemente, enfatizou a importância do contributo da administração fiscal no cumprimento do objectivo de terminar 2006 com um défice do Sector Público Administrativo (SPA) de 4,6% do PIB afirmando que a equipa de Paulo Macedo ultrapassou os objectivos previstos em cerca de 1500 milhões de euros.

Não vou aprofundar o significado destes primeiros números a não ser para sublinhar que não constituem surpresa a não ser, talvez, pelo crescimento das receitas fiscais o que, representando uma vantagem imediata para o cumprimento do objectivo do deficit, deixa em aberto a avaliação do comportamento da despesa onde se joga, a prazo, o combate decisivo da consolidação orçamental.

Se o governo, no âmbito da reforma da administração pública, for capaz de justificar, técnica e politicamente, a recondução do Dr. Paulo Macedo, mantendo as suas condições remuneratórias excepcionais, colocar-se-ão uma miríade de questões relacionadas com outras áreas da governação consideradas, de forma reiterada, como da mais alta prioridade.

Exemplifico, entre as áreas sociais, com o caso da “qualificação dos recursos humanos” já que o “Quadro de Referência Estratégico Nacional – 2007/2013”, recentemente apresentado, anuncia que “as verbas destinadas à qualificação dos recursos humanos aumentam de 26% para 37% dos apoios estruturais. Percentagem que está finalmente em linha com os países mais desenvolvidos. Isto significa 6 mil milhões de euros de aposta no potencial humano. Mais 1,4 mil milhões de euros do que no Quadro Comunitário anterior.”

E no supracitado QREN qual é a primeira das dez prioridades que o governo estabeleceu?: “Preparar os jovens para o futuro e modernizar o nosso ensino”. E como é apresentada esta prioridade, aliás, em coerência com o próprio programa do governo? :

“Queremos um país em que todos os nossos jovens concluam o ensino secundário. Um país que vença o abandono escolar. Um país que dê a todos os jovens uma educação de qualidade, a oportunidade para se qualificarem e para triunfarem num mundo global e exigente. Para serem cidadãos conscientes, activos, participativos, inovadores.”

Não posso estar mais de acordo. Mas, apesar das melhorias nos últimos anos, a situação da educação em Portugal é grave. As taxas de abandono escolar precoce e de conclusão do secundário, por exemplo, colocam Portugal no penúltimo lugar entre os países da UE, apenas ultrapassado por Malta.

A educação é não só uma prioridade política, assumida pelo governo, como uma emergência nacional que impõe a tomada de medidas cujos resultados, ao contrário do fisco, não são mensuráveis, a curto prazo, mas que exigem não menos coragem política e competência técnica.

Pergunto-me como vai o governo, em coerência com as prioridades que estabeleceu, para citar uma área crítica da acção governativa, remunerar os directores gerais que, na estrutura orgânica do Ministério da Educação, assumem a responsabilidade de combater este verdadeiro “deficit” estrutural que condiciona o desenvolvimento do país.

A reforma da administração pública pode, e deve, reconhecer o mérito através da diferenciação das remunerações dos dirigentes, eliminando as excepções, ao contrário da situação actual em que a excepção é, na verdade, a regra. Em qualquer caso, por razões financeiras e de justiça, as remunerações dos dirigentes, mesmo que sejam diferenciadas, nunca poderão ter como limite o céu.

A palavra de ordem “Todo o Poder ao Mérito”, que muitos reclamam para a administração pública, encontra os seus limites não na ideologia mas no pragmatismo. É a velha questão do “máximo razoável”, ou “tecto”, que aplicada à questão remuneratória dos dirigentes da administração pública – e não só – tem que ser igual para todos!

Porque há pequenos detalhes que fazem toda a diferença entre a política dos governos socialistas democráticos… e a dos governos de direita.
(Artigo publicado na edição de hoje do "Semanário Económico")