Mal seria que tendo manifestado o meu apoio, nestas páginas, à candidatura presidencial de Mário Soares, não voltasse ao tema após a eleição de Cavaco Silva.
Desde logo para afirmar, como mandam as regras do jogo democrático, que após o veredicto das urnas, a despeito das divergências políticas e das idiossincrasias pessoais, o candidato eleito passa a ser, como soe dizer-se, o Presidente de todos os portugueses.
Cavaco aguentou a investida das urnas. Ganhou com cerca de 64.000 votos de diferença face à soma dos votos obtidos pelos restantes candidatos. Bastava um só voto mas é, digam o que disserem, uma vitória escassa face às expectativas da direita. Mas em democracia por um voto se ganha, por um voto se perde.
Soares fez uma declaração de derrota à altura dos seus pergaminhos de democrata. Fiquei, apesar de tudo, confortado. Saber perder é uma grande virtude nas sociedades civilizadas. Honra seja feita.
Conclusões breves:
- A divisão da esquerda pode ter favorecido a vitória de Cavaco, mas um candidato único, apoiado pelo PS, seria sempre vítima do efeito do “voto de punição” face às políticas do governo; a divisão da esquerda é, além do mais, uma consequência inevitável das suas diferenças cuja exposição captou votos que uma candidatura unitária de esquerda afastaria;
- Com a presente configuração dos resultados a eleição de Cavaco, à primeira volta, é menos penalizadora para o PS, e para o governo, pois o PS teria enormes dificuldades em manter-se unido no apoio a uma candidatura de Alegre na 2ª volta;
- Cavaco precisa de tempo para iniciar o processo de reagrupamento do centro direita em torno do PSD enquanto espera recolher os frutos das políticas reformistas do governo PS;
- A acção presidencial de desgaste do governo PS está limitada pela presidência portuguesa da UE, no segundo semestre de 2007, pelo que a instabilidade política far-se-á sentir, a sério, somente a partir de inícios de 2008, considerando que a legislatura termina em Outubro de 2009;
- Cavaco corre o risco, no entanto, de desagradar, a breve prazo, ao eleitorado de centro esquerda que nele votou na expectativa da sua acção moderadora face às inevitável medidas impopulares resultantes da acção reformista do governo;
- A liderança de Sócrates não ficará substancialmente fragilizada face ao desaire eleitoral de Soares se souber assimilar, internamente, as consequências políticas do expressivo resultado de Alegre compreendendo o que ele representa como expressão da crise do actual modelo de representação política fundada nos partidos tradicionais;
- Mantenho a convicção de que a presidência de Cavaco Silva, a médio prazo, se constitui como um factor, não negligenciável, de instabilidade política. Mantenho que a tendência na relação Cavaco/Sócrates será a de crispação na concordância e conflito aberto na discordância e que só por ingenuidade, ou cinismo, se pode dar como adquirida, conhecendo as personalidades em presença, uma coabitação institucional durável entre Sócrates e Cavaco.
Veremos emergir, de forma faseada e cirúrgica, a voz dos arautos do “intervencionismo presidencial” e, a seu tempo, as acções presidenciais de constrangimento da acção do governo.
O que a vitória da Cavaco representa é a emergência de um velho sonho da direita portuguesa: “uma maioria, um governo, um presidente”. Apesar das virtudes do programa social-democrata de Cavaco (que, atentamente, li) a vocação da sua presidência não escapará, no essencial, às pressões do núcleo dos seus “grandes eleitores”, dos partidos e da maioria presidencial que o elegeram.
Tomada a Presidência, nunca antes alcançada, resta à direita esperar que, face às inadiáveis tarefas da reforma do Estado, o governo PS se desgaste, as divisões à esquerda se aprofundem, seja alcançado o equilíbrio das contas públicas, a economia ganhe alento e o pessimismo nacional se desvaneça, para que se possa revelar a verdadeira face de Cavaco na gestão da “coabitação institucional” antevista no discurso da vitória presidencial.
A mais benigna previsão para a magistratura presidencial de Cavaco Silva, seguindo a fórmula adoptada por alguns dos seus mais insignes apoiantes, é a de uma incógnita.
É essa, aliás, a sua força e a sua fraqueza!
(Artigo publicado no "Semanário Económico", edição em papel, de 3 de Fevereiro de 2006)
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