Os dias são difíceis. As notícias são más. Falo dos indicadores e previsões acerca do estado da economia e das finanças do país. Nada que não fosse previsível.
Tomando apenas dois indicadores o resumo da situação é o seguinte: no orçamento para 2005, Bagão Félix, previa um crescimento do PIB superior a 2% e um deficit inferior a 3%; o Banco de Portugal corrigiu essas previsões para um crescimento do PIB de 0,5% e um deficit de 6,2% (o contraste entre a mentira a verdade é brutal!); a UE, finalmente, aprovou uma recomendação para a implementação de medidas de correcção do deficit estrutural com um calendário que partindo dos 6,2%, em 2005, o reduza em 1,5%, no próximo ano de 2006, seguido de um esforço adicional de redução de 0,75% em 2007 e 2008.
O calendário é razoável mas o esforço de redução do deficit é brutal. Um dia após a aprovação pela Comissão Europeia deste plano o ministro das Finanças demitiu-se o que se pode explicar em poucas palavras: é a política que comanda a economia e as finanças e não o contrário.
Nestes primeiros meses de governo socialista foram anunciadas - e tomadas - medidas que, na sua maior parte, eram inevitáveis mas que não são populares. Trata-se de uma questão de cuidar da sobrevivência do nosso incipiente “estado social”. A entrada em cena de um novo ministro das Finanças não altera nada, de essencial, à natureza do problema excepto o estilo do novo ministro em lidar com a política e, em particular, com a política de austeridade e, “last but not least”, com a política de investimento público.
Se é verdade que o problema de qualquer ministro das Finanças é sempre o mesmo, ou seja, onde falta a fazenda, sobra a cobiça, não é menos verdade que, hoje, está na moda falar mal do investimento público. O novo aeroporto da Ota e o comboio de alta velocidade (TGV) fazem as delícias da maledicência nacional, dando asas à costela Salazarista que cada português trás dentro de si.
Salazar, em 40 anos de ministro das Finanças e “presidente do conselho” - de 1928 a 1968 - andou uma só vez de avião, um Lisboa/Porto, (jurou para nunca mais!) e opunha fortes reservas às grandes obras sendo que as poucas que se realizaram só foram possíveis, “apesar da opinião do chefe”, pela persistência de ministros ousados como Duarte Pacheco.
Mas a moda “anti-investimento público” passará servindo, nesta fase do ciclo político, no essencial, para vulnerabilizar as verdadeiras reformas de fundo que a maioria dos portugueses esperam que o governo concretize.
As reformas decisivas consistem em mudar o equilíbrio entre os poderes, prestigiando as instituições democráticas e os seus titulares; estabelecer uma estratégia, a prazo, para uma nova especialização produtiva do país; reinventar as alianças internacionais; mudar radicalmente o paradigma do processo de educação/formação; tornar consensual a necessidade de cada um trabalhar melhor e durante mais tempo; manter uma rede de apoio social aos sectores populares mais desfavorecidos; implodir diversas instituições “sagradas” do estado; mudar a divisão político-administrativa do país; fazer com que a lei seja aplicada e o sistema de justiça funcione; diminuir o peso do estado e qualificar as suas funções; importar contingentes de mão-de-obra imigrante qualificada; investir na modernização das infra-estruturas e perder o medo de arriscar na inovação criando um modelo eficiente de apoio efectivo do estado aos verdadeiros empreendedores.
A reforma profunda do “estado social”, que se desenha no horizonte será, para alguns, uma revolução ao contrário, que se destina a tornar o país mais competitivo no concerto das nações e a fazer participar do “estado social” o maior número de cidadãos, limitando drasticamente a captura do Estado pelos interesses particulares que se reclamam, à direita e à esquerda, como seus “donos” naturais.
Este, apesar do que afirma a propaganda de alguma esquerda, não é um programa liberal ou neo-conservador é, antes, um programa de esquerda que se resume em duas palavras: MUDAR DE VIDA, ou seja, reformar profundamente o “estado social” para preservar o “estado social". Não sei se o Governo será capaz de assumir, em pleno, tal desafio mas sei que tem por obrigação persistir no caminho que encetou.
Somos um país pequeno e que beneficia, em simultâneo, das vantagens de duas alianças com os países mais ricos do mundo: os que integram a UE e os que integram a chamada “Aliança Atlântica”. Ademais dispomos da diáspora e das vantagens do português ser a língua comum a um conjunto de países com elevado potencial de desenvolvimento, com destaque para o Brasil.
Que diabo! Os dias são difíceis mas o que importa assegurar, antes de mais, é que esta não seja mais uma crise que antecede a próxima com a mesma natureza. Por isso o Governo não pode vacilar perante as dificuldades, ceder à chantagem das corporações ou recear dar todas as explicações aos portugueses nos momentos e nas sedes próprias.
O pior que poderia acontecer seria um governo socialista, com maioria absoluta, ser tolhido pelo medo dos resultados das próximas batalhas eleitorais. A novidade, em Portugal, será, desta vez, os cálculos eleitorais, normais em democracia, não deitarem a perder uma oportunidade de ouro para dar um passo decisivo na modernização do “estado social” para a qual são essenciais o equilíbrio das contas públicas e o relançamento da economia e do emprego.
(Artigo publicado na edição de hoje, 5 de Agosto de 2005, do "Semanário Económico")