Friday, July 01, 2005

A propósito das campanhas contra a política do governo socialista

Nenhum governo socialista pode esquecer as pessoas, nem pode esquecer a luta contra as desigualdades, logo a justiça social, nem esquecer a busca dos consensos, logo o diálogo social.

Mas o que está em causa, agora e aqui, é a questão da capacidade competitiva de um país que, como Portugal, aceitou integrar uma comunidade de países mais vasta: a UE.

O comissário espanhol, Joaquín Almunia, responsável pelos Assuntos Económicos e Monetários, identificou com muita acuidade o problema quando, a propósito do chamado “procedimento por deficit excessivo” que foi levantado contra Portugal, no passado dia 22 de Junho, afirmou:

"O que Portugal e a Europa necessitam não é de um défice e de uma dívida em agravamento, mas sim de um círculo virtuoso de reformas económicas e de ajustamentos orçamentais de carácter estrutural, com o objectivo de criar margem para o tipo de despesas que fomenta a competitividade e que conduz a um crescimento mais dinâmico e à criação duradoura de emprego".

Acrescentaria que Portugal e a Europa não necessitam da mentira a propósito de tudo e de nada e, muito menos, em questões de interesse nacional, como é o caso do deficit, alvo de recentes exercícios perversos, em cartas de Santana e artigos de Bagão Félix. A máscara, finalmente, caiu.

Em Portugal é aos socialistas que cabe sempre a tarefa de aplicar os programas de austeridade. Assim foi com Mário Soares, em 1983, preparando as condições para a adesão à CEE, ocorrida em 1985, para benefício de Cavaco que, alcançado o poder, desfrutou, entre 1985 e 1995, da maior avalanche de apoios financeiros externos de que há memória na nossa história recente.

A reforma do estado, com a consequente consolidação orçamental, ficou para depois e, passados 20 anos, o país está confrontado com uma nova época de austeridade que iniciou agora a sua marcha abrindo uma “guerra de longa duração” caso se destine, como se espera e deseja, a encetar uma reforma global do Estado e a mudar a natureza do seu papel na sociedade.

Não é possível pensar qualquer modelo sustentável de “estado social” no qual os cidadãos vivem cada vez mais tempo e alcancem o direito à reforma cada vez mais cedo.

A míngua dos recursos financeiros do estado, para assegurar as pensões de reforma, cresce exponencialmente pois cada vez mais trabalhadores, de todas as profissões e escalões de qualificação, alcançam a idade da reforma quando se tornam cinquentenários (os chamados “babby-boomers”, nascidos entre 1945 e 1955), ao mesmo tempo que a esperança de vida avança a passos largos para os 80 anos. A segurança social e a saúde são os dois principais sectores onde se pressagia, desde há muito tempo, o naufrágio do “estado social” em Portugal.

Mas o que dizer da educação que apresenta dos piores indicadores (senão o pior) na relação custo/benefício entre todos os países da UE?

Os diagnósticos estão feitos e não há muitas alternativas para resolver a magna questão da mudança de paradigma do chamado “modelo social europeu”. Trata-se de encetar uma reforma profunda do Estado, modernizar, colocar a “coisa pública” ao serviço dos cidadãos, quebrar privilégios e rotinas ancestrais. As reformas são necessárias. Todos o sabemos e não vale a pena continuar a olhar para o umbigo e enterrar a cabeça na areia.

Por isso não é de estranhar que toquem tambores açulando a multidão contra as políticas dos socialistas como se estes fossem traidores ao cumprimento da esperança de redenção das velhas utopias do socialismo igualitário. Mas tal como o sonho do socialismo libertário, há muito, morreu, também a utopia igualitária é um sonho que pertence às relíquias do socialismo.

Neste contexto a esquerda não pode continuar agarrada às velhas bandeiras do socialismo igualitário entendendo, de uma vez por todas: primeiro, que a justiça social só é viável criando riqueza; segundo, que se não pode distribuir o que não há; terceiro, que é preciso trabalhar; quarto, mais do que trabalhar, é preciso trabalhar melhor e durante mais tempo.

A esquerda será mesmo o lugar da mudança? Ou o lugar do imobilismo? Há muitos portugueses que se sentem sempre devedores das benesses e da gratidão do estado. Nunca se sentem obrigados a dar nada e estão sempre prontos a tudo receber. Desprezam a iniciativa e tremem perante qualquer inovação. São os conservadores, sem princípios, que amarram a nação à perpétua humilhação de um estatuto internacional de “mão estendida”.

É em nome desses portugueses que se bate a esquerda? Para quê? Para favorecer o regresso à autarcia, ao “orgulhosamente sós” de Salazar, à negação dos próprios valores fundamentais da liberdade, ou seja, o contrário da afirmação da autonomia do homem e da sua individualidade perante todas as tutelas.

A esquerda é o lugar da liberdade! Mesmo quando parece que a liberdade está contra a justiça é sempre preferível escolher a liberdade. Porque a liberdade preserva as condições de lutar contra a injustiça. E a justiça sem liberdade é, sempre, o caminho da tirania.

Ao PS, no governo ou fora dele, compete salvaguardar estes princípios tomando como certo que, ao contrário do que alguns querem fazer crer, o somatório das corporações não é o povo português. As corporações representam apenas uma pequena parte do povo tendo-se, no entanto, apoderado de um poder desmesurado e ilegítimo que é exercido, a mais das vezes, ao arrepio dos princípios de um verdadeiro estado de direito democrático.

Não espanta que os seus beneficiários se encarnicem lançando campanhas contra as medidas anunciadas pelo governo socialista. Ora estas campanhas são a melhor contraprova da justeza, no essencial, dessas medidas.

(Artigo publicado no "Semanário Económico" na edição de 1 de Julho de 2005)

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