Friday, February 04, 2005

Eleições, continuidade e mudança

Um debate recente na RTP-1 mostrou “senadores” maduros e lúcidos. Esse debate entre Mário Soares, Freitas do Amaral, Pinto Balsemão e Adriano Moreira, ao contrário do que alguns comentadores influentes disseram, não me parece ter mostrado “senadores” desfasados da realidade como poderia parecer à primeira vista.

O que acontece é que a credibilidade da política na sociedade portuguesa atingiu o grau zero. Ninguém parece estar disponível para debater as suas próprias ideias, quanto mais aceitar ser persuadido pelas ideias dos outros. Muito menos pelas ideias dos políticos no activo. “São todos iguais” é a frase que mais se ouve por todo o lado. Mas todos sabemos que, de facto, não são todos iguais.

A televisão é vista como um ringue onde o pugilato é o mínimo que se pode exigir no argumentário dos que aceitam lutar dentro das cordas. Pouco falta para que o “assassínio”, em directo, seja considerado aceitável. Nada que não esteja presente nas antecâmaras do poder onde se movem as eminências pardas que preparam os golpes políticos “hardcore” e os “números” mediáticos que se destinam a dar-lhes credibilidade.

As ideias tornaram-se “maçadoras” e a elegância no exercício da crítica uma melodia de meninos de coro, desprezíveis e lunáticos, sem futuro na gestão da “coisa pública” e não só. Ora os “senadores”, nesta situação difícil do país, tão bem analisado por José Gil no seu livro “Portugal, hoje – O medo de existir”, têm a enorme vantagem de, tendo passado valoroso, pelo menos, na aparência, não terem “futuro promissor”.

O que foi dito era o que tinha de ser dito. O país confronta-se com uma situação de crise grave. O pano de fundo em que se inscrevem os progressos, erros e ineficiências, dos últimos 30 anos carece de ser levado em conta para o enfrentamento dos problemas presentes. Mas o Portugal contemporâneo integra a UE, aderiu à moeda única, está exposto à concorrência internacional, não é mais a autarcia do passado.

Que ninguém esqueça, ao mesmo tempo, que os aspectos positivos da política de modernização do país, sob a gestão de governos dominados pelo PSD e pelo PS, foram, desde 2002, submersos pela retórica da “pesada herança”. O governo de coligação de direita, a que presidiu José Manuel Barroso, escarneceu e humilhou, até aos limites da abjecção, os governos socialistas que o antecederam lançando os portugueses na mais profunda descrença e descredibilizando o país no concerto das nações.

De Santana Lopes não vale a pena falar pois é um caso de estudo para a ciência política; trata-se, quanto muito, de um prelúdio de ameaça autocrática, de feição mediática, que merece atenção mas que não cabe neste espaço.

O advento de uma nova maioria política, necessária para assegurar a retoma de uma dinâmica modernizadora de Portugal, desde logo na área da economia, que só pode ser protagonizada pelo PS, exige rupturas, mas não pode prescindir de todos os “outros que não os nossos”.

Não se devem esbater as diferenças políticas, programáticas e pessoais, entre os diversos partidos que disputam as eleições, mas aconselha a inteligência que se evite a política da “terra queimada” em relação à herança.

É necessário assegurar a continuidade de iniciativas, programas e projectos, em suma, de políticas nas quais o compromisso nacional é imprescindível e inadiável para evitar o abismo do adiamento sucessivo das mudanças decisivas com as quais, na essência, afinal todos concordamos. (Exemplos comezinhos: a consolidação orçamental, o combate á evasão e fraude fiscais, a “lei das rendas”, o “código da estrada”, o “abandono escolar precoce”, ...).

O que os portugueses esperam é que as políticas sufragadas nas urnas, nas eleições de 20 de Fevereiro próximo, assegurando a continuidade desejável e assumindo as rupturas necessárias, sejam levadas à prática com coragem inscrevendo, na nossa vida colectiva, esperança no futuro e confiança nas instituições democráticas.

Quando falo em coragem quero dizer que a política portuguesa não pode mais comprazer-se com posturas auto flageladoras em que a falsa humildade e o excesso de prudência excluem o enfrentamento da mediania, do medo e da inveja nacionais.

Pois se é verdade que é pequena a margem pura onde cabem as promessas eleitorais e grande a desconfiança popular na palavra dos políticos é urgente acreditar que mesmo quando tudo parece estar perdido ainda tudo, ou quase tudo, pode ser possível alcançar.

(Artigo publicado no "Semanário Económico" na sua edição de 4 de Fevereiro de 2005)

2 comments:

Maria do Rosário Sousa Fardilha said...

Desfasados da realidade? A impressão que eu tenho é a de que estes senhores, mais afastados dos aparelhos partidários, podem expressar com mais liberdade as suas reflexões. Tornaram-se muito mais interessantes.

PS: passo a ter um link permanente a este blog no Divas. para visitas mais frequentes.

Eduardo Graça said...

O seu comentário permitiu-me conhecer um novo blog por sinal muito interessante.