Para uns é corajosa e determinada. Para outros arrogante e inflexível. Tem mantido um braço-de-ferro com os sindicatos, mas admite voltar a sindicalizar-se. Para já, a ministra da Educação, que diz que se sente anarquista, tenta ter uma vida normal - ainda que tenha menos tempo para ir aos concertos da Gulbenkian e para fazer o jantar. Por Andreia Sanches, in Público.
Cansada? "Estou cansada como há muitos outros portugueses que estão cansados. Não dramatizo." Arrependida de ter suspendido a vida académica para assumir o cargo de ministra da Educação? "Todas as pessoas têm momentos em que sentem que não têm forças, tudo isso é normal, uma pessoa acha que não vai conseguir e depois consegue, porque vê que tem recursos que às vezes nem imaginava que tinha. Quando fiz o doutoramento, houve tantas vezes em que me apeteceu arrumar os papéis e desistir!" Chegou alguma vez a pedir a demissão ao primeiro-ministro? "Não vou partilhar isso com ninguém."
Maria de Lurdes Rodrigues tem 52 anos, é socióloga, professora universitária, investigadora, independente (nunca se filiou no PS porque "não aconteceu"). E mais? "A vida de uma pessoa não se resume em duas páginas." Um perfil de alguém é sempre uma coisa simplista, continua. Não acha sequer que tenha interesse.
Uma amiga próxima descreve-a como "uma pessoa low profile", com "uma vida normal", que gosta de música, de cinema, de ler e de cozinhar e que separa a esfera privada da profissional. "Há pessoas com quem trabalho há anos e que ainda assim sabem pouco da minha vida", diz a ministra da Educação.
Admite que, apesar do esforço de manter as mesmas rotinas de sempre, algumas acabaram por alterar-se, nomeadamente no último ano, o mais conturbado do mandato. "Não vou ao cinema com a mesma frequência, faço menos vezes o jantar em casa, este ano não consegui comprar os bilhetes para a Gulbenkian", onde não costuma perder a temporada de música. Mas insiste: "Ter momentos da nossa carreira em que fica mais difícil fazer o jantar para os amigos também não me distingue em nada. Toda a gente tem."
Antes avisa: "Só falo da minha vida como ministra." Comece-se por aí.
Reunir no aeroporto
Por regra entra às nove da manhã no Ministério da Educação, na movimentada Avenida 5 de Outubro, em Lisboa, e às nove da noite está em casa. Raramente faz noitadas de trabalho e, tanto quanto se lembra, houve apenas três ou quatro vezes em que foi necessário manter "as equipas a trabalhar pela noite fora". O que é preciso é que "quando se está a trabalhar se trabalhe mesmo".
Gosta de ir ao Parlamento. Diz que leva muito a sério essa função e que se prepara com cuidado. Lamenta que nem sempre os debates decorram de forma a que a opinião pública faça uma apreciação mais positiva da actividade política.
Recebe muitas cartas, não lê todas, tem uma equipa que faz a triagem. Mas já tem pegado no telefone para falar directamente com professores que lhe escrevem.
Quem com ela tem negociado nota que "não deixa transparecer muito os humores" - palavras de Albino Almeida, presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais. O homem que foi em diversos momentos o único dos parceiros do ministério a defender publicamente Maria de Lurdes Rodrigues - "com ela, os pais apresentaram um conjunto de propostas que foram atendidas pela primeira vez em 30 anos, como a generalização das refeições no 1.º ciclo", sublinha Almeida - não consegue quantificar as horas de reunião que teve com ela, porque foram muitas. "Até no aeroporto nos reunimos para tratar de assuntos urgentes."
Mesmo nos momentos mais conturbados a ministra "não revela desânimo, nem euforia, diz sempre: 'Vamos ver! ‘
Já a comunicação com os sindicatos está longe de ser tão pacífica. Um ano depois de o Governo ter tomado posse, o discurso da Federação Nacional dos Professores (Fenprof) era bem revelador de uma relação tempestuosa (já tinha havido uma greve aos exames). Comunicado de Junho de 2006: "Os professores e educadores estão fartos dos descontrolados impulsos persecutórios da ministra da Educação e Portugal não suporta mais o seu olhar de medusa."
Medusa é uma figura da mitologia grega com capacidade de transformar em pedra o que fixa com os olhos.
Mário Nogueira, secretário-geral da Fenprof, diz que esta ministra se mostrou menos dialogante do que alguns dos seus antecessores; que por vezes é inflexível; e que se disponibilizou menos para encontros "destinados a discutir questões políticas".
"Provavelmente podia ter feito mais reuniões ou devia ter feito mais – é um balanço que não fiz ainda", admite Maria de Lurdes Rodrigues.
Nas escolas, o clima foi-se tornando mais tenso. A aprovação de um estatuto da carreira docente que criou duas categorias diferentes de professores e o novo modelo de avaliação do desempenho acabaram por resultar numa contestação inédita. O Presidente da República apelou à serenidade. No PS várias vozes criticaram Maria de Lurdes Rodrigues. Publicamente, a ministra mostrou-se, em diferentes situações, exasperada quando questionada pelos jornalistas.
Nos últimos oito meses, a professora universitária que até Março de 2005 era desconhecida do grande público assistiu às duas maiores manifestações de professores de que há memória. Na última, há menos de um mês, 120 mil dos 140 mil que dão aulas no país saíram à rua. "É má, é má, é má e continua", gritaram.
Nogueira diz que Lurdes Rodrigues "teve demasiadas afirmações infelizes" contra os professores. "Lembro-me de uma frase: 'Antes de um aluno ter abandonado a escola foi abandonado pelo professor.'" E os professores não a desculpam. Mesmo depois de ela ter ido ao Parlamento dizer: "Peço desculpa aos senhores professores por ter causado tanta desmotivação."
A ministra considera que muitas vezes o que aconteceu foi pior do que ser mal interpretada: "Houve um uso ilegítimo do que eu dizia... Pode ser culpa minha, admito. Os sindicatos e alguma imprensa tiveram alguma habilidade em rotular as medidas como sendo contra os professores. Por exemplo: [criar] as aulas de substituição é chamar faltosos aos professores."
Mas os críticos da ministra estão longe de estar apenas nas fileiras da oposição ou dos sindicatos. "Tenho uma longa relação de amizade e colaboração com a Maria de Lurdes Rodrigues e não queria estragar essa relação mais do que provavelmente já está", começa Manuel Villaverde Cabral, 68 anos, investigador, presidente do conselho directivo do Instituto de Ciências Sociais.
"Vai arrastar Sócrates "
Apesar das reservas, continua. "Não se pode ser 'autoritário' com os professores", fazer deles "o bode expiatório do insucesso escolar", ser "'liberal' com os alunos e completamente 'populista' com as chamadas famílias - que, de forma geral, não são capazes nem fazem qualquer esforço para apoiar os filhos no processo de aprendizagem -, quando toda a gente sabe que, em qualquer sociedade, os alunos só têm êxito quando os pais entram com a sua quota-parte de esforço!"
O sociólogo acha que o raciocínio político de Lurdes Rodrigues foi este: "O sistema educativo não funciona; a culpa é dos professores; o castigo será a avaliação!" Resultado: "A carreira dela como ministra não tem salvação. E, como o primeiro-ministro não pode demiti-la, sob pena de perder a face, é ela quem vai arrastar o engenheiro Sócrates para o 'inferno'." Villaverde Cabral, que falou ao P2 dois dias antes de o Governo anunciar que iria rever aspectos da avaliação do desempenho docente, faz questão de sublinhar que esta é a sua apreciação de "analista político".
"Eu?!" - é a resposta espontânea da ministra quando se lhe pergunta se vai arrastar o primeiro-ministro para o inferno.
Depois, recorda o que se passou nos últimos 30 anos ("Uma das marcas da política educativa tem sido a permeabilidade daquilo que é a instabilidade política ou eleitoral, muitos ministros, muitas hesitações, muito pára-arranca.")
Garante que tem o apoio de Sócrates e de todos os colegas do Conselho de Ministros a quem, ainda na semana passada, explicou ao longo de três horas o que se está a passar. Acrescenta que as eleições estão longe. "Estar neste momento a discutir votos não ajuda à resolução do problema."
E acaba com uma confissão: "Tenho que confessar que caí na mesma armadilha... Não sei se é uma armadilha, mas tive a mesma ambição que outros ministros da Educação tiveram que é fazer e fazer rápido. Temos os piores lugares nos rankings do abandono escolar, da qualificação dos adultos, da formação contínua. É uma situação sem paralelo e precisamos de introduzir mudanças de uma forma mais acelerada. Porque temos que apanhar o comboio do progresso. Há este sentido de urgência nos últimos 30 anos na Educação.
Parecemos, por vezes, o coelho da Alice: 'Estou atrasado, estou atrasado.'"
Para António Dornelas, professor no Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE), em Lisboa, instituição onde Lurdes Rodrigues trabalhava quando foi chamada para o Governo, a contestação "atingiu níveis inaceitáveis". Houve ovos - atirados por alunos contra o carro ministerial durante os protestos contra o regime de faltas - "e insultos", lembra. "Mas quem não se recorda dos rabos ao léu em frente a São Bento contra as políticas de Manuela Ferreira Leite?", ministra da Educação no segundo Governo de Cavaco Silva, continua o ex-secretário de Estado do Emprego, antigo aluno da governante.
Assim, "não é verdade que ela [Lurdes Rodrigues] atraia conflitualidade social; é corajosa, competente, rigorosa e comparável, na ambição reformista, a Veiga Simão", ministro de Marcelo Caetano.
"Ela é obsessiva, intransigente, arrogante", contrapõe Fernando Rosas, historiador, militante do BE. Das várias reuniões que teve com ela no mundo académico ficou com boa impressão.
"Rigorosa e competente." Agora tem outra opinião. "O princípio da avaliação, por exemplo, é correcto. Mas a forma como o fez foi desastrosa. Não tem perfil político."Workaholic? Também
"O que tem revelado são características que já tinha antes", afirma, por seu lado, Maria Eduarda Gonçalves, doutorada em Ciências Jurídicas, investigadora do ISCTE. "Muito organizada, muito persistente, muito convicta; já o era nos trabalhos científicos e nas negociações", quando Lurdes Rodrigues presidia ao Observatório das Ciências e das Tecnologias.
"A minha experiência pessoal com ela no mundo académico é a de que trabalha bem em equipa. Não diria que é autoritária - diria convicta, persistente, com uma personalidade muito forte. O que na minha opinião são indicadores de que tem personalidade para resistir até à última."
Tem mesmo?
A ministra diz simplesmente que tem um mandato de quatro anos para cumprir e não se alonga. "Fazem-se análises simplistas: 'Não tem condições, não pode!' Essa análise cabe em primeiro lugar ao senhor primeiro-ministro."
Quando tudo acabar, e regressar à academia, até "pode acontecer" voltar a sindicalizar-se. Porque a sua carreira é a de professora e investigadora. Uma carreira que, diz, começou não se recorda bem como. "Quando tinha 20 anos, achava que podia ser muitas coisas diferentes."
Terá sido mais tarde que decidiu que iria ensinar. Já depois de ter passado por Moçambique, onde trabalhou como cooperante, e de ter terminado o curso de Sociologia em 1984, um ano depois do nascimento da filha (de cujo pai acabaria por divorciar-se).
António Firmino da Costa, sociólogo, colega do ISCTE, diz que Lurdes Rodrigues "era uma professora e investigadora entusiasta e muito bem preparada". Workaholic? Também.E antes disso? Sabe-se que fez o ensino primário no Colégio de Santa Clara da Casa Pia de Lisboa. Mas aí está um tema sobre o qual a ministra não fala. "Não respondo a perguntas sobre a minha vida privada ou sobre a minha infância."
Maria Alexandre Lousada, doutorada em Geografia, professora da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, conheceu-a já como estudante universitária, depois do 25 de Abril. Encontraram-se na sede do jornal anarco-sindicalista A Batalha. "Achávamos que podíamos contribuir para um mundo melhor." Mas nenhuma achava que um dia ia ter um cargo político.
Também estiveram juntas na Ideia, uma revista anarquista, de cultura e pensamento libertário. "Planeávamos, escrevíamos artigos, levávamos à tipografia, depois íamos com uns molhinhos distribuir pelas livrarias, fazíamos tudo", recorda Lousada.
"Ainda me sinto anarquista"
Lurdes Rodrigues acede a falar desse período do anarquismo - começa por dizer que não fala do passado, mas esta fase faz parte das memórias que já tem abordado nas entrevistas. "Havia uma tarefa que me dava muita paz, que era colar selos e cintas nos jornais ou nas revistas que iam ser expedidos."
Passou muitos fins-de-semana à volta de uma mesa grande a dobrar e colar, dobrar e colar, dobrar e colar. "É uma coisa muito mecânica, não exige nenhum pensamento elaborado, basta ritmo, o que permite fazer aquilo e conversar, contar histórias. É uma actividade desqualificada que mobiliza imenso outros aspectos da relação com as pessoas e essas tardes de sábado ou de domingo a colar cintas no jornal A Batalha e selos na Ideia é um trabalho de que guardo muito boa memória."
Há outros trabalhos manuais que lhe agradam, conta uma amiga. Talhava os seus vestidos. E as bonecas das filhas das amigas têm roupa feita por ela.
Mais tarde, Lurdes Rodrigues trabalhou no Arquivo Histórico-Social, na organização de espólios de diversos militantes anarquistas doados à Biblioteca Nacional. E participou na organização da exposição sobre os 100 anos do anarquismo em Portugal. "Ainda me sinto anarquista." O que é que isso significa? "É ter um quadro de valores, de pensamento que orientam a nossa acção."
Dedicou-se especialmente à sociologia do trabalho, doutorou-se em 1996 e a tese foi publicada em livro (Os Engenheiros em Portugal). No ano seguinte, o ministro da Ciência Mariano Gago convidou-a para ser presidente do Observatório das Ciências e das Tecnologias. O seu trabalho foi muito elogiado. E depois de sair, em 2005, foi sendo chamada a participar em colóquios e debates, ao mesmo tempo que no ISCTE reformulava o curso de Sociologia do Trabalho.
"Ela é uma pessoa que olha para as políticas educativas como um problema que é antes de mais de resultados. Como é que a Educação pode resolver os problemas do país?" Dar resposta a isto "implicava alterar a forma como se olha para as relações laborais dos professores, para as sujeitar à obtenção de resultados", diz Dornelas.
A carta do menino
A contestação não acabou. Esta semana houve mais protestos na rua e há uma greve marcada. "Tem-se dito que não se fazem as reformas sem os profissionais, mas a história ensina-nos que não se fazem com." Pede-se à socióloga do trabalho que explique: "Não gosto de fazer comparações, mas lembro o que foi o processo de reforma da Saúde levado a cabo pela ministra Leonor Beleza. Hoje percebemos que uma parte das medidas foram essenciais para a qualidade do sistema de Saúde. Mas foram incompreendidas na altura pela classe médica."
Actualmente, identifica como ponto crítico "a estruturação vertical da carreira" - o facto de ter passado a haver professores e professores titulares (sendo estes últimos os que assumem os cargos de coordenação e de liderança). "Os professores consideram que todos são colegas e que não há diferenças. Mas há. Mais salário e mais experiência não correspondiam a mais responsabilidade. O que estamos a propor contraria isto. Precisamos que as escolas estruturem o seu trabalho em torno de princípios de maior responsabilização."
Na rua, é por vezes abordada - "umas vezes dão-lhe os parabéns, outras vezes vão dizer que não concordam", diz Maria Lousada. A amiga acha que, apesar do clima que se vive, as abordagens não são excessivas.
Lurdes Rodrigues garante estar aberta a discutir "se a avaliação se faz com esta ou aquela componente mais". Mas entende que "não há razão para suspender o processo". E os dias de tensão vão provavelmente continuar.
Garante, contudo, que também tem tido bons momentos. "Muitos." Pede-se-lhe que partilhe um. "Uma carta que recebi de um menino que recebeu um computador para ter em casa, não sei já em que circunstância, e escreveu-me a dizer: 'Quando for grande, vou inscrever-me no PS.' É tocante."
Friday, November 28, 2008
Thursday, November 06, 2008
ENTREVISTA A D. JOSÉ POLICARPO
“Desconfiança em relação à banca seria um desastre para o país”
Cardeal Patriarca de Lisboa afirma que a confiança é um valor fundamental. Apoia o novo aeroporto, tem dúvidas sobre o TGV e pede ao Governo para não ceder a políticas eleitoralistas. D. José Policarpo aborda de forma directa os temas que têm concentrado a atenção do país. Das obras públicas (que “não devem ser abandonadas de uma maneira fácil”), à oposição (que tem sido “mais frágil do que a governação”), passando pela crise e os novos pobres (que o “discurso inflacionado dos políticos tende a esconder”).
A Igreja Católica e o senhor cardeal não têm partido político, mas não são imunes à instabilidade política do país. Um Governo de maioria ajuda a dar estabilidade?
Teoricamente sim. Uma das características dos governos democráticos que conhecemos é que são frágeis. A meio do mandato começam a pensar no próximo ciclo eleitoral. Mas não é só por isso, é também porque estão sujeitos (e bem) a mecanismos complexos de aferimento das decisões. Graças a Deus as ditaduras já acabaram. Houve ditadores que decidiram bem, mas por outro lado não estão sujeitos às peritagens das decisões. Os governos eleitos têm de convencer e não impor. Uma maioria é saudável.
E, ainda mais, no momento actual do país?
Não sei dizer, também não sou contra governos de coligação desde que apresentem perspectivas idênticas. Se uma corrente política está no governo e outra tem soluções parecidas, a convergência de soluções é boa.
Disse há pouco que esta crise vai fazer repensar modelos…
A civilização ocidental criou um paradigma de estilo de vida e de nível de vida. Há um estrato dentro da população que se sente injustiçada porque o Estado, as empresas, os sindicatos, porventura a Igreja, não lhes proporcionaram que atinjam esse nível de vida. Uma divisão social é inevitável. Todas as crises podem ter aspectos positivos. Aliás é nas grandes crises e nos grandes sofrimentos colectivos que a humanidade dá saltos qualitativos em frente.
Se fosse primeiro-ministro quais seriam as suas prioridades?
Não estou preparado para dar essa resposta. Há uma prioridade que é mais psicológica: penso que devemos fazer tudo para não criar o alarme. Já está suficientemente claro que a humanidade vai passar por um momento difícil. A pior coisa que podia acontecer agora era a desconfiança, por exemplo, em relação ao sistema bancário. Seria um desastre colectivo. Mas não é só essa confiança imediata, é também uma co-responsabilização de todos para ajudar com generosidade.
Tem visto esse discurso?
Penso que sim, esse é um dos dados positivos da reacção positiva de governos e empresas. Eu não percebo nada da Bolsa (nem da minha percebo quanto mais da dos outros...), mas é engraçado vê-la como barómetro da confiança ou desconfiança. O mundo empresarial é o que vai demorar mais tempo a recuperar porque é o que está mais ligado à circulação do dinheiro. Neste momento, é preciso um Orçamento do Estado que não renuncie ao funcionamento normal de Portugal, mas que seja muito objectivo e que dê prioridade ao problema das famílias e dos trabalhadores. Se as pessoas sentem que mais uma vez são elas que vão pagar o preço pela crise, isso não ajuda a confiança colectiva.
É uma preocupação que tem notado?
Tem havido no discurso político… mas há também uma confiança porventura inflacionada de que Portugal não correrá riscos.
O desenvolvimento do país passa por essas obras públicas?
Numa percentagem muito diminuta. Passa onde traz riqueza, emprego, desenvolvimento. Um país que não tenha as infra-estruturas necessárias não se desenvolve. Agora, se as infra-estruturas que se pretendem são mesmo essenciais, isso não sei dizer. Um bom aeroporto internacional é importante. Isso é fácil de compreender.
E as novas concessões rodoviárias?
A construção de mais uma auto-estrada pode trazer emprego a uma série de famílias, o que contribui para resolver o seu problema. Há um dado de que se tem falado pouco, que é o problema do endividamento. O que é que estes projectos significam em termos de endividamento público? Se às tantas devermos mais ao estrangeiro do que o que produzimos...
Não fazer as obras não era uma forma de parar o país?
As obras públicas devem-se fazer, se for possível. Tenho uma atracção pela modernidade, tudo o que são maravilhas da tecnologia sempre me fascinaram, por isso, ter um TGV a passar pelo nosso país fascina-me. Não vejo porque não. O problema é se é possível, necessário e há dúvidas sérias sobre isso. A minha tese em relação a estes grandes empreendimentos é que foram muito bem estudados e não há razão para serem abandonados de uma maneira fácil. Mas há-de haver a coragem para os retardar se houver razões sérias para isso.
Gostava que avaliasse os dois grandes poderes políticos e institucionais do país: por um lado, estes três anos e meio de Governo (com o momento importante de que nos aproximamos, três actos eleitorais que podem trazer importantes mudanças), por outro lado o desempenho do Presidente da República.
É evidente que não lhe vou fazer isso. Sou amigo das pessoas. Em relação ao Presidente da República- como em relação ao anterior - não tenho problemas em dizer que aprecio muito a serenidade e o equilíbrio com que tem seguido a alta magistratura da Nação. E o que digo do actual – de quem sou amigo pessoal há muito tempo -, digo em relação ao mandato de Jorge Sampaio. São pessoas que têm exercido muito dignamente o cargo. Quanto ao Governo, pessoalmente, relativizo a filiação partidária para estar mais atento às ideias, à qualidade e à acção. Nesse aspecto, penso que este Governo tem coisas notáveis, de abordagem dos problemas e de os implementar. Porventura não conseguiu todas as soluções anunciadas, como os governos anteriores também não.
Considera este um Governo reformista ?
Este Governo apareceu com algo que me foi simpático que foi a coragem de decidir – o que é bom, tendo em conta que os governos democráticos são normalmente frágeis. Há sectores da governação que me parecem globalmente positivos.
Quer dar um exemplo?
Não. Mas a este Governo, se me é devido pedir-lhe uma coisa, peço algo (que provavelmente é o impossível): que não sacrifique esta objectividade da governação ao desejo de ser eleito daqui a uns meses. Penso que os portugueses apreciariam muito um Governo que mantivesse a frieza e o objectivo de análise, mesmo em campanha eleitoral.
Disse recentemente que lhe faz muita confusão como um sistema global da economia e das finanças é tão frágil ao ponto de um banco ir à falência de um momento para o outro. Pediu “criatividade” para que se mude o sistema financeiro. Que criatividade é essa de que fala?
Penso que existem duas vertentes que se devem encontrar em busca de uma solução. Um desafio científico que envolve as ciências económica e política (que devem rever a convergência entre o papel do Estado e dos agentes da liberdade económica). A liberdade económica tem-se afirmado com uma das principais expressões de liberdade, mas como toda a liberdade tem que ser compensada com responsabilidade em ordem ao colectivo. Isto pressupõe uma dimensão ética e uma regulação de quem tem obrigação da harmonia de conjunto.
Foi-se longe de mais na liberdade económica?
Não sou técnico. Mas foi-se longe demais na ausência de dimensão ética. Hoje antes de chegarem estava a dar uma vista de olhos aos jornais e aparece mais um caso de um homem insuspeito, foi governador de velha data [no Alasca], símbolo da probidade e que está à beira de ir para a cadeia.
Mas a ética é muito difícil de regular…
A ética passa antes de mais por uma moderação na corrida ao lucro, à ganância. O sentido de todos os bens deste mundo é o bem comum. A doutrina social da Igreja sempre defendeu que a propriedade privada não é desligada do destino social dos bens. Mas parece que não houve apenas imprudência houve também incompetência e ganância na gestão destes produtos financeiros.
O Estado é co-responsável por esta matriz?
Repare, neste sistema de liberalismo económico como sabem tem-se oscilado entre uma demasiado intervenção do Estado e uma nula de intervenção do Estado. Por isso digo que a criatividade passa pela ciência política. Não sou apologista da nula intervenção do Estado mas também não sou partidário de um intervencionismo tal que condicione e limite a liberdade económica. A razão de ser do Estado é a harmonia da sociedade na medida em que a regulação ajude todos sem cortar a liberdade. Mas, por ventura, o Estado tem que ser dinamizado por dimensões éticas claras. Agora a desconfiança em relação à banca seria um desastre para o país.
A Igreja Católica acompanha de perto a evolução das franjas mais necessitadas da sociedade, nomeadamente, através das IPSS. Qual é, neste momento, o principal problema social do país?
O curioso desta crise, num certo aspecto, foi não termos a possibilidade e, porventura, critérios para embarcar nesses fundos que fazem parte do problema e ainda não se percebeu se fazem parte da solução. Portugal desse modo está numa situação menos grave porque num determinado momento (não sei por que razão, certamente porque não tinha possibilidade de o fazer) não embarcou nesses fundos. Por outro lado esta crise cai em cima de dados preocupantes: conheceis todos a taxa de desemprego, conheceis todo o trabalho precário, a institucionalização do recibo verde, conheceis bem a quantidade de cidadãos portugueses que mesmo tendo trabalho têm um ordenado que não dá para as despesas de todo o mês…
Os novos pobres, os que trabalham mas que não conhecem pagar as suas despesas…
Os novos pobres que não entram nos ‘rankings’ como desprotegidos mas que são pobres porque a sua situação económica não é suficiente. Sem me pronunciar sobre o ponto de vista técnico, acho que o sentido das medidas tomadas para ajudar estas pessoas é o correcto. Mas o consumo tem limites e a publicidade como tem sido feita também deve ser posta em causa com esta crise.
Mas qual é o maior problema social do país?
Os novos pobres são um novo dado que agrava a ideia que já tínhamos de que existe um sector vasto da nossa população nessas condições. É evidente que a Igreja não tem soluções globais para este fenómeno, nem deve tender tê-las, porque é uma função da sociedade enquanto um todo. Penso que todos devemos trabalhar para ter uma ideia mais exacta sobre isso, que o discurso político tende a esconder, a camuflar.
Não se diz a verdade em Portugal?
Penso que uma coisa ou outra se dirá. Mas o cidadão comum está numa situação de não saber se o discurso que está a ouvir é verdadeiro ou não. A desconfiança no discurso é um dos traumatismos da nossa convivência. O que não quer dizer que nunca se diz a verdade, Santo Deus! Mesmo os que mentem às vezes se distraem não é? (risos)
Mas no discurso político, mente-se?
Numa compreensão bastante global que não é apenas no discurso dos políticos. Às vezes há discursos que tem por detrás desconhecimento da realidade, incompetência. Aliás esse é um drama da nossa cultura contemporânea: o sentido das palavras esvaziou-se e não mobiliza. Essa desconfiança é perfeitamente justa. Nós sentimos esse fenómeno dentro da própria Igreja. Temos que ter sempre em conta que há duas componentes essenciais da credibilidade das palavras: ela corresponder à verdade e corresponder a um testemunho de vida (eu digo coisas em que me empenho). O fazer é mais importante do que o dizer - É um velho princípio da Sagrada Escritura.
E tem faltado esse fazer?
Não sei, não é minha intenção fazer juízos políticos. A governação também se complicou muito nos últimos tempos.
Porquê?
Porque a sociedade é complexa. Não vou transformar-me em analista político, mas tenho a sensação que o problema é tanto dos governos como da oposição. A oposição devia ser uma forma de apresentar alternativas.
E não apenas uma crítica.
A saúde e a harmonia do crescimento das sociedades ocidentais dependem muito disso. Quero dizer que as oposições têm sido mais frágeis ainda nos últimos anos do que a governação
Diário Económico - Entrevista conduzida por António Costa e Francisco Teixeira
Cardeal Patriarca de Lisboa afirma que a confiança é um valor fundamental. Apoia o novo aeroporto, tem dúvidas sobre o TGV e pede ao Governo para não ceder a políticas eleitoralistas. D. José Policarpo aborda de forma directa os temas que têm concentrado a atenção do país. Das obras públicas (que “não devem ser abandonadas de uma maneira fácil”), à oposição (que tem sido “mais frágil do que a governação”), passando pela crise e os novos pobres (que o “discurso inflacionado dos políticos tende a esconder”).
A Igreja Católica e o senhor cardeal não têm partido político, mas não são imunes à instabilidade política do país. Um Governo de maioria ajuda a dar estabilidade?
Teoricamente sim. Uma das características dos governos democráticos que conhecemos é que são frágeis. A meio do mandato começam a pensar no próximo ciclo eleitoral. Mas não é só por isso, é também porque estão sujeitos (e bem) a mecanismos complexos de aferimento das decisões. Graças a Deus as ditaduras já acabaram. Houve ditadores que decidiram bem, mas por outro lado não estão sujeitos às peritagens das decisões. Os governos eleitos têm de convencer e não impor. Uma maioria é saudável.
E, ainda mais, no momento actual do país?
Não sei dizer, também não sou contra governos de coligação desde que apresentem perspectivas idênticas. Se uma corrente política está no governo e outra tem soluções parecidas, a convergência de soluções é boa.
Disse há pouco que esta crise vai fazer repensar modelos…
A civilização ocidental criou um paradigma de estilo de vida e de nível de vida. Há um estrato dentro da população que se sente injustiçada porque o Estado, as empresas, os sindicatos, porventura a Igreja, não lhes proporcionaram que atinjam esse nível de vida. Uma divisão social é inevitável. Todas as crises podem ter aspectos positivos. Aliás é nas grandes crises e nos grandes sofrimentos colectivos que a humanidade dá saltos qualitativos em frente.
Se fosse primeiro-ministro quais seriam as suas prioridades?
Não estou preparado para dar essa resposta. Há uma prioridade que é mais psicológica: penso que devemos fazer tudo para não criar o alarme. Já está suficientemente claro que a humanidade vai passar por um momento difícil. A pior coisa que podia acontecer agora era a desconfiança, por exemplo, em relação ao sistema bancário. Seria um desastre colectivo. Mas não é só essa confiança imediata, é também uma co-responsabilização de todos para ajudar com generosidade.
Tem visto esse discurso?
Penso que sim, esse é um dos dados positivos da reacção positiva de governos e empresas. Eu não percebo nada da Bolsa (nem da minha percebo quanto mais da dos outros...), mas é engraçado vê-la como barómetro da confiança ou desconfiança. O mundo empresarial é o que vai demorar mais tempo a recuperar porque é o que está mais ligado à circulação do dinheiro. Neste momento, é preciso um Orçamento do Estado que não renuncie ao funcionamento normal de Portugal, mas que seja muito objectivo e que dê prioridade ao problema das famílias e dos trabalhadores. Se as pessoas sentem que mais uma vez são elas que vão pagar o preço pela crise, isso não ajuda a confiança colectiva.
É uma preocupação que tem notado?
Tem havido no discurso político… mas há também uma confiança porventura inflacionada de que Portugal não correrá riscos.
O desenvolvimento do país passa por essas obras públicas?
Numa percentagem muito diminuta. Passa onde traz riqueza, emprego, desenvolvimento. Um país que não tenha as infra-estruturas necessárias não se desenvolve. Agora, se as infra-estruturas que se pretendem são mesmo essenciais, isso não sei dizer. Um bom aeroporto internacional é importante. Isso é fácil de compreender.
E as novas concessões rodoviárias?
A construção de mais uma auto-estrada pode trazer emprego a uma série de famílias, o que contribui para resolver o seu problema. Há um dado de que se tem falado pouco, que é o problema do endividamento. O que é que estes projectos significam em termos de endividamento público? Se às tantas devermos mais ao estrangeiro do que o que produzimos...
Não fazer as obras não era uma forma de parar o país?
As obras públicas devem-se fazer, se for possível. Tenho uma atracção pela modernidade, tudo o que são maravilhas da tecnologia sempre me fascinaram, por isso, ter um TGV a passar pelo nosso país fascina-me. Não vejo porque não. O problema é se é possível, necessário e há dúvidas sérias sobre isso. A minha tese em relação a estes grandes empreendimentos é que foram muito bem estudados e não há razão para serem abandonados de uma maneira fácil. Mas há-de haver a coragem para os retardar se houver razões sérias para isso.
Gostava que avaliasse os dois grandes poderes políticos e institucionais do país: por um lado, estes três anos e meio de Governo (com o momento importante de que nos aproximamos, três actos eleitorais que podem trazer importantes mudanças), por outro lado o desempenho do Presidente da República.
É evidente que não lhe vou fazer isso. Sou amigo das pessoas. Em relação ao Presidente da República- como em relação ao anterior - não tenho problemas em dizer que aprecio muito a serenidade e o equilíbrio com que tem seguido a alta magistratura da Nação. E o que digo do actual – de quem sou amigo pessoal há muito tempo -, digo em relação ao mandato de Jorge Sampaio. São pessoas que têm exercido muito dignamente o cargo. Quanto ao Governo, pessoalmente, relativizo a filiação partidária para estar mais atento às ideias, à qualidade e à acção. Nesse aspecto, penso que este Governo tem coisas notáveis, de abordagem dos problemas e de os implementar. Porventura não conseguiu todas as soluções anunciadas, como os governos anteriores também não.
Considera este um Governo reformista ?
Este Governo apareceu com algo que me foi simpático que foi a coragem de decidir – o que é bom, tendo em conta que os governos democráticos são normalmente frágeis. Há sectores da governação que me parecem globalmente positivos.
Quer dar um exemplo?
Não. Mas a este Governo, se me é devido pedir-lhe uma coisa, peço algo (que provavelmente é o impossível): que não sacrifique esta objectividade da governação ao desejo de ser eleito daqui a uns meses. Penso que os portugueses apreciariam muito um Governo que mantivesse a frieza e o objectivo de análise, mesmo em campanha eleitoral.
Disse recentemente que lhe faz muita confusão como um sistema global da economia e das finanças é tão frágil ao ponto de um banco ir à falência de um momento para o outro. Pediu “criatividade” para que se mude o sistema financeiro. Que criatividade é essa de que fala?
Penso que existem duas vertentes que se devem encontrar em busca de uma solução. Um desafio científico que envolve as ciências económica e política (que devem rever a convergência entre o papel do Estado e dos agentes da liberdade económica). A liberdade económica tem-se afirmado com uma das principais expressões de liberdade, mas como toda a liberdade tem que ser compensada com responsabilidade em ordem ao colectivo. Isto pressupõe uma dimensão ética e uma regulação de quem tem obrigação da harmonia de conjunto.
Foi-se longe de mais na liberdade económica?
Não sou técnico. Mas foi-se longe demais na ausência de dimensão ética. Hoje antes de chegarem estava a dar uma vista de olhos aos jornais e aparece mais um caso de um homem insuspeito, foi governador de velha data [no Alasca], símbolo da probidade e que está à beira de ir para a cadeia.
Mas a ética é muito difícil de regular…
A ética passa antes de mais por uma moderação na corrida ao lucro, à ganância. O sentido de todos os bens deste mundo é o bem comum. A doutrina social da Igreja sempre defendeu que a propriedade privada não é desligada do destino social dos bens. Mas parece que não houve apenas imprudência houve também incompetência e ganância na gestão destes produtos financeiros.
O Estado é co-responsável por esta matriz?
Repare, neste sistema de liberalismo económico como sabem tem-se oscilado entre uma demasiado intervenção do Estado e uma nula de intervenção do Estado. Por isso digo que a criatividade passa pela ciência política. Não sou apologista da nula intervenção do Estado mas também não sou partidário de um intervencionismo tal que condicione e limite a liberdade económica. A razão de ser do Estado é a harmonia da sociedade na medida em que a regulação ajude todos sem cortar a liberdade. Mas, por ventura, o Estado tem que ser dinamizado por dimensões éticas claras. Agora a desconfiança em relação à banca seria um desastre para o país.
A Igreja Católica acompanha de perto a evolução das franjas mais necessitadas da sociedade, nomeadamente, através das IPSS. Qual é, neste momento, o principal problema social do país?
O curioso desta crise, num certo aspecto, foi não termos a possibilidade e, porventura, critérios para embarcar nesses fundos que fazem parte do problema e ainda não se percebeu se fazem parte da solução. Portugal desse modo está numa situação menos grave porque num determinado momento (não sei por que razão, certamente porque não tinha possibilidade de o fazer) não embarcou nesses fundos. Por outro lado esta crise cai em cima de dados preocupantes: conheceis todos a taxa de desemprego, conheceis todo o trabalho precário, a institucionalização do recibo verde, conheceis bem a quantidade de cidadãos portugueses que mesmo tendo trabalho têm um ordenado que não dá para as despesas de todo o mês…
Os novos pobres, os que trabalham mas que não conhecem pagar as suas despesas…
Os novos pobres que não entram nos ‘rankings’ como desprotegidos mas que são pobres porque a sua situação económica não é suficiente. Sem me pronunciar sobre o ponto de vista técnico, acho que o sentido das medidas tomadas para ajudar estas pessoas é o correcto. Mas o consumo tem limites e a publicidade como tem sido feita também deve ser posta em causa com esta crise.
Mas qual é o maior problema social do país?
Os novos pobres são um novo dado que agrava a ideia que já tínhamos de que existe um sector vasto da nossa população nessas condições. É evidente que a Igreja não tem soluções globais para este fenómeno, nem deve tender tê-las, porque é uma função da sociedade enquanto um todo. Penso que todos devemos trabalhar para ter uma ideia mais exacta sobre isso, que o discurso político tende a esconder, a camuflar.
Não se diz a verdade em Portugal?
Penso que uma coisa ou outra se dirá. Mas o cidadão comum está numa situação de não saber se o discurso que está a ouvir é verdadeiro ou não. A desconfiança no discurso é um dos traumatismos da nossa convivência. O que não quer dizer que nunca se diz a verdade, Santo Deus! Mesmo os que mentem às vezes se distraem não é? (risos)
Mas no discurso político, mente-se?
Numa compreensão bastante global que não é apenas no discurso dos políticos. Às vezes há discursos que tem por detrás desconhecimento da realidade, incompetência. Aliás esse é um drama da nossa cultura contemporânea: o sentido das palavras esvaziou-se e não mobiliza. Essa desconfiança é perfeitamente justa. Nós sentimos esse fenómeno dentro da própria Igreja. Temos que ter sempre em conta que há duas componentes essenciais da credibilidade das palavras: ela corresponder à verdade e corresponder a um testemunho de vida (eu digo coisas em que me empenho). O fazer é mais importante do que o dizer - É um velho princípio da Sagrada Escritura.
E tem faltado esse fazer?
Não sei, não é minha intenção fazer juízos políticos. A governação também se complicou muito nos últimos tempos.
Porquê?
Porque a sociedade é complexa. Não vou transformar-me em analista político, mas tenho a sensação que o problema é tanto dos governos como da oposição. A oposição devia ser uma forma de apresentar alternativas.
E não apenas uma crítica.
A saúde e a harmonia do crescimento das sociedades ocidentais dependem muito disso. Quero dizer que as oposições têm sido mais frágeis ainda nos últimos anos do que a governação
Diário Económico - Entrevista conduzida por António Costa e Francisco Teixeira
Saturday, October 25, 2008
Crisis financiera mundial - La reacción de los mercados NOURIEL ROUBINI - Profesor de la Universidad de Nueva York
"El miedo domina los mercados, sólo queda la opción de cerrarlos"
"Espero no haberle deprimido demasiado". Nouriel Roubini (Estambul, Turquía, 1958) cierra la entrevista con una amable sonrisa para quitar hierro a la andanada de malos augurios que acaba de lanzar. Este profesor de Economía de la Universidad de Nueva York es muy consciente del impacto que causan sus palabras. No siempre fue así. Sus investigaciones vaticinaron, con escaso eco, un colapso del sistema financiero de EE UU ya en 2004. Y cuando expuso sus conclusiones ante la flor y nata de los economistas del FMI, en 2006, cundió el escepticismo. Ahora, con el acierto de su parte, sus duras advertencias se rumian una y otra vez.
Porque Roubini cree que lo que otros consideraron exageraciones han acabado por quedarse cortas. "Lo que ha ocurrido esta mañana en Estados Unidos es otra señal de que los mercados están en caída libre, tratar de estabilizarlos es como que te lancen un cuchillo e intentar pararlo con las manos desnudas", dijo en referencia a la suspensión de los mercados de futuros en Wall Street ayer tras caer más de un 6%.
"El miedo se ha adueñado de los mercados, todo el mundo quiere vender y nadie compra, sólo va quedando la alternativa de cerrarlos un tiempo", afirma sin pestañear. Cuando el presidente italiano, Silvio Berlusconi, dijo algo parecido hace tres semanas, todo el mundo lo tomó como una más de sus célebres meteduras de pata. Pero ahora que lo vaticina Roubini, nadie se lo toma a chanza.
Porque el profesor universitario constata lo que ya a estas alturas resulta obvio: "El efecto positivo en los mercados del anuncio de intervenciones multimillonarias por los Gobiernos sólo duró un par de días". Roubini cree que las inyecciones de capital a los bancos y el aval a los préstamos son medidas correctas, aunque tardías. Y aboga por decisiones más radicales aún, con "paquetes fiscales amplios" y mayores recortes de tipos. Pero ni eso serviría.
"Los mercados ya saben que los Gobiernos harán todo lo que esté en su mano para apoyar al sector financiero, pero siguen desplomándose. Ya no funcionan, no responden a ningún incentivo, están en un proceso imparable de liquidación de activos, se han convertido en una fuerza destructiva. Cada vez estoy más convencido de que la única solución es un cortocircuito temporal".
Roubini ya esbozó su idea de un cierre de los mercados el jueves en Londres, en una conferencia mundial de gestores de fondos de alto riesgo. Ayer, en Madrid, fue más contundente aún ante los directivos convocados por la escuela de negocios IESE, que celebraba su 50º aniversario. Y repitió su lúgubre pronóstico, infatigable, en conferencia de prensa y entrevistas con los medios.
Su agenda está cada vez más repleta. El reconocimiento mediático y académico crece al mismo ritmo que el sistema financiero se tambalea. The New York Times le ha bautizado como Dr. Doom (doctor calamidad). Y el World Economic Forum, la institución que organiza los encuentros de líderes políticos y empresariales en Davos (Suiza) le encargó la coordinación de su reciente informe sobre el sistema financiero.
"El impacto en la economía real será muy duro, la recesión mundial es inevitable y durará al menos dos años", sentencia. Obviamente, no cree posible una recuperación en 2009. Ni que las economías emergentes se salven de la quema. Recita sin respirar una veintena de países que ya afrontan problemas. Y advierte que "para China crecer menos que un 7% o para Brasil menos que un 2% es lo mismo que una recesión, aumentaría la pobreza".
Cuando se le pregunta por la economía española, reparte estopa. "En España, la recesión será más dolorosa, la burbuja inmobiliaria ha ocultado los problemas de falta de competitividad, los avances en productividad son aún más débiles que en Italia, Grecia o Portugal". Y es aún más contundente cuando se le inquiere por Alan Greenspan, ex presidente de la Reserva Federal. "Con Greenspan y ahora con [Ben] Bernanke, la Reserva Federal ha sido la principal cheerleader [animadora] de la ingeniería financiera que nos ha llevado a este desastre".
"Cuando la supervisión se guía por la ceguera ideológica se va de un extremo a otro: antes eran defensores a ultranza de una autorregulación que no ha funcionado, ahora parecen la Unión Soviética", bromea.
Roubini cree que esta vez no habrá más remedio que "construir de verdad un sistema de regulación global". Porque él lo tiene claro: "Prefiero el coste de una sobrerregulación que el peligro de una falta total de regulación". Una reforma que extendería a las agencias de calificación o al sistema de compensación de los altos ejecutivos. Pero antes habrá que gastar mucho dinero público en taponar la sangría del sistema financiero. "Decir que no habrá coste para los contribuyentes es un disparate", dispara.
A.BOLAÑOS / C. DELGADO – El Pais - Madrid - 25/10/2008
"Espero no haberle deprimido demasiado". Nouriel Roubini (Estambul, Turquía, 1958) cierra la entrevista con una amable sonrisa para quitar hierro a la andanada de malos augurios que acaba de lanzar. Este profesor de Economía de la Universidad de Nueva York es muy consciente del impacto que causan sus palabras. No siempre fue así. Sus investigaciones vaticinaron, con escaso eco, un colapso del sistema financiero de EE UU ya en 2004. Y cuando expuso sus conclusiones ante la flor y nata de los economistas del FMI, en 2006, cundió el escepticismo. Ahora, con el acierto de su parte, sus duras advertencias se rumian una y otra vez.
Porque Roubini cree que lo que otros consideraron exageraciones han acabado por quedarse cortas. "Lo que ha ocurrido esta mañana en Estados Unidos es otra señal de que los mercados están en caída libre, tratar de estabilizarlos es como que te lancen un cuchillo e intentar pararlo con las manos desnudas", dijo en referencia a la suspensión de los mercados de futuros en Wall Street ayer tras caer más de un 6%.
"El miedo se ha adueñado de los mercados, todo el mundo quiere vender y nadie compra, sólo va quedando la alternativa de cerrarlos un tiempo", afirma sin pestañear. Cuando el presidente italiano, Silvio Berlusconi, dijo algo parecido hace tres semanas, todo el mundo lo tomó como una más de sus célebres meteduras de pata. Pero ahora que lo vaticina Roubini, nadie se lo toma a chanza.
Porque el profesor universitario constata lo que ya a estas alturas resulta obvio: "El efecto positivo en los mercados del anuncio de intervenciones multimillonarias por los Gobiernos sólo duró un par de días". Roubini cree que las inyecciones de capital a los bancos y el aval a los préstamos son medidas correctas, aunque tardías. Y aboga por decisiones más radicales aún, con "paquetes fiscales amplios" y mayores recortes de tipos. Pero ni eso serviría.
"Los mercados ya saben que los Gobiernos harán todo lo que esté en su mano para apoyar al sector financiero, pero siguen desplomándose. Ya no funcionan, no responden a ningún incentivo, están en un proceso imparable de liquidación de activos, se han convertido en una fuerza destructiva. Cada vez estoy más convencido de que la única solución es un cortocircuito temporal".
Roubini ya esbozó su idea de un cierre de los mercados el jueves en Londres, en una conferencia mundial de gestores de fondos de alto riesgo. Ayer, en Madrid, fue más contundente aún ante los directivos convocados por la escuela de negocios IESE, que celebraba su 50º aniversario. Y repitió su lúgubre pronóstico, infatigable, en conferencia de prensa y entrevistas con los medios.
Su agenda está cada vez más repleta. El reconocimiento mediático y académico crece al mismo ritmo que el sistema financiero se tambalea. The New York Times le ha bautizado como Dr. Doom (doctor calamidad). Y el World Economic Forum, la institución que organiza los encuentros de líderes políticos y empresariales en Davos (Suiza) le encargó la coordinación de su reciente informe sobre el sistema financiero.
"El impacto en la economía real será muy duro, la recesión mundial es inevitable y durará al menos dos años", sentencia. Obviamente, no cree posible una recuperación en 2009. Ni que las economías emergentes se salven de la quema. Recita sin respirar una veintena de países que ya afrontan problemas. Y advierte que "para China crecer menos que un 7% o para Brasil menos que un 2% es lo mismo que una recesión, aumentaría la pobreza".
Cuando se le pregunta por la economía española, reparte estopa. "En España, la recesión será más dolorosa, la burbuja inmobiliaria ha ocultado los problemas de falta de competitividad, los avances en productividad son aún más débiles que en Italia, Grecia o Portugal". Y es aún más contundente cuando se le inquiere por Alan Greenspan, ex presidente de la Reserva Federal. "Con Greenspan y ahora con [Ben] Bernanke, la Reserva Federal ha sido la principal cheerleader [animadora] de la ingeniería financiera que nos ha llevado a este desastre".
"Cuando la supervisión se guía por la ceguera ideológica se va de un extremo a otro: antes eran defensores a ultranza de una autorregulación que no ha funcionado, ahora parecen la Unión Soviética", bromea.
Roubini cree que esta vez no habrá más remedio que "construir de verdad un sistema de regulación global". Porque él lo tiene claro: "Prefiero el coste de una sobrerregulación que el peligro de una falta total de regulación". Una reforma que extendería a las agencias de calificación o al sistema de compensación de los altos ejecutivos. Pero antes habrá que gastar mucho dinero público en taponar la sangría del sistema financiero. "Decir que no habrá coste para los contribuyentes es un disparate", dispara.
A.BOLAÑOS / C. DELGADO – El Pais - Madrid - 25/10/2008
Thursday, October 23, 2008
A intervenção silenciada de ANTÓNIO SANTOS JÚNIOR no 1º de Maio de 1974
Camaradas!
Trabalhadores!
Para os que não me conhecem: Eu fui presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Lisboa e da Federação dos Sindicatos dos Metalúrgicos durante 4 meses até ser destituído pelo Governo de Marcelo Caetano.
Estou aqui para, com a minha voz de trabalhador, vos falar em nome do Movimento de Esquerda Socialista (em organização).
Antes de mim falaram representantes do Movimento Democrático, do Partido Socialista, do Partido Comunista.
Já antes do 25 de Abril não eram só estas organizações que existiam.
Existiam outros movimentos que se manifestavam em lutas operárias:
- Na Fábrica.
- Nos Sindicatos.
- No nível político através dos grupos socioprofissionais mistos (surgidos na movimentação do período eleitoral de 1973 e que desde então continuam a trabalhar).
Manifestavam-se também nas lutas estudantis e na luta anti-colonial.
Em todas estas lutas fez-se sentir o peso esmagador dos trabalhadores que as levaram por diante, embora nelas também se tenham integrado cristãos revolucionários e elementos socialistas.
No fim de contas um grande grupo de pessoas lutava, luta e jamais deixará de lutar por um socialismo perfeitamente controlado em todos os seus aspectos, desde o económico ao político, do cultural ao social, pela classe operária! Repito, uma sociedade que seja controlada em todos os seus aspectos pela classe operária!
Camaradas Trabalhadores, neste momento saudamos os soldados de Portugal, o Movimento das Forças Armadas que derrubaram os aparelhos de Opressão constituídos e que criaram, portanto, condições absolutamente novas para o desenvolvimento da nossa luta de trabalhadores.
- efectivamente a censura acabou
- a PIDE, Legião e outras organizações estão a ser destruídas.
Mas … Tenhamos atenção. Nem todas as formas de repressão foram já abolidas.
Todos nós sabemos que a repressão que até agora vínhamos sentindo e sofrendo nas fábricas e em todos os locais de trabalho vai pretender continuar!
Formas de repressão tais como: despedimentos repressivos nas fábricas e em todos os locais de trabalho. As cargas policiais sempre que nós trabalhadores entrávamos em greve ou por qualquer outra forma lutávamos pela defesa dos nossos interesses. A recente luta dos trabalhadores da TAP foi disso o mais recente exemplo, mas foi também um dos raros momentos na história recente das nossas lutas em que nós trabalhadores nos conseguimos opor vitoriosamente à repressão: as forças policiais tiveram de recuar e nem um só dos nossos camaradas foi despedido. A acção dos bufos e de todos aqueles que nos locais de trabalho ajudam o patronato a impor-nos a sua tirania.
Contudo … Também a nossa exploração continua! Concerteza que os patrões vão pretender continuar a pagar-nos salários miseráveis e ajudados por essa miséria onde nos lançam obrigar-nos a aceitar horas extraordinárias em série em vez de satisfazerem as nossas reivindicações de redução de horário de trabalho.
Vão continuar a obrigar-nos a trabalhar em péssimas condições de higiene e segurança, vão no fim de contas continuar a explorar-nos!
Por isso perguntamos:
A exploração irá continuar?
As Caixas de Previdência vão continuar a estar ao serviço dos capitalistas e dos colonialistas ou vão passar a estar nas nossas mãos e portanto ao serviço do todo o povo?
Será que muitos de nós vão continuar em casas miseráveis ou em barracas enquanto outros vivem em luxuosas vivendas que são autênticos palácios?
Será que vamos continuar a perder longas horas do nosso dia em transportes incómodos e cada dia mais caros, enquanto outros têm vários automóveis, qual deles mais caro e com os seus motoristas particulares?
Será que as escolas dos nossos filhos vão continuar a ser fábricas e oficinas ou será que as escolas neste país se vão finalmente abrir para todos os filhos do povo?
Será que a Guerra e exploração coloniais vão continuar?
Se queremos ser nós a construir o futuro do nosso país e não admitimos que ninguém o faça em nosso nome, não devemos contribuir para que os povos das colónias possam também tomar nas suas próprias mãos os destinos dos seus países?
A resposta a todas estas perguntas devemos ser todos nós a dá-la diariamente da única forma que serve efectivamente os nossos interesses de trabalhadores, que serve efectivamente os interesses do povo!
A nossa luta tem de continuar sem desfalecimentos e só terminará com a construção de uma sociedade sem classes sem exploradores nem explorados, de uma sociedade onde não tenhamos de nos vender diariamente!
Temos de construir uma sociedade socialista!
Este é o nosso objectivo e para o atingir estamos abertos à mais ampla colaboração com todas as forças políticas que igualmente lutam pela emancipação de todo o povo, pela construção do socialismo.
CAMARADAS!
É necessário não esquecer nunca uma verdade que a história das lutas dos trabalhadores em todo o mundo tem demonstrado!
A EMANCIPAÇÃO DOS TRABALHADORES SÓ PODE SER OBRA DE NÓS PRÓPRIOS TRABALHADORES!!!
Trabalhadores!
Para os que não me conhecem: Eu fui presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Lisboa e da Federação dos Sindicatos dos Metalúrgicos durante 4 meses até ser destituído pelo Governo de Marcelo Caetano.
Estou aqui para, com a minha voz de trabalhador, vos falar em nome do Movimento de Esquerda Socialista (em organização).
Antes de mim falaram representantes do Movimento Democrático, do Partido Socialista, do Partido Comunista.
Já antes do 25 de Abril não eram só estas organizações que existiam.
Existiam outros movimentos que se manifestavam em lutas operárias:
- Na Fábrica.
- Nos Sindicatos.
- No nível político através dos grupos socioprofissionais mistos (surgidos na movimentação do período eleitoral de 1973 e que desde então continuam a trabalhar).
Manifestavam-se também nas lutas estudantis e na luta anti-colonial.
Em todas estas lutas fez-se sentir o peso esmagador dos trabalhadores que as levaram por diante, embora nelas também se tenham integrado cristãos revolucionários e elementos socialistas.
No fim de contas um grande grupo de pessoas lutava, luta e jamais deixará de lutar por um socialismo perfeitamente controlado em todos os seus aspectos, desde o económico ao político, do cultural ao social, pela classe operária! Repito, uma sociedade que seja controlada em todos os seus aspectos pela classe operária!
Camaradas Trabalhadores, neste momento saudamos os soldados de Portugal, o Movimento das Forças Armadas que derrubaram os aparelhos de Opressão constituídos e que criaram, portanto, condições absolutamente novas para o desenvolvimento da nossa luta de trabalhadores.
- efectivamente a censura acabou
- a PIDE, Legião e outras organizações estão a ser destruídas.
Mas … Tenhamos atenção. Nem todas as formas de repressão foram já abolidas.
Todos nós sabemos que a repressão que até agora vínhamos sentindo e sofrendo nas fábricas e em todos os locais de trabalho vai pretender continuar!
Formas de repressão tais como: despedimentos repressivos nas fábricas e em todos os locais de trabalho. As cargas policiais sempre que nós trabalhadores entrávamos em greve ou por qualquer outra forma lutávamos pela defesa dos nossos interesses. A recente luta dos trabalhadores da TAP foi disso o mais recente exemplo, mas foi também um dos raros momentos na história recente das nossas lutas em que nós trabalhadores nos conseguimos opor vitoriosamente à repressão: as forças policiais tiveram de recuar e nem um só dos nossos camaradas foi despedido. A acção dos bufos e de todos aqueles que nos locais de trabalho ajudam o patronato a impor-nos a sua tirania.
Contudo … Também a nossa exploração continua! Concerteza que os patrões vão pretender continuar a pagar-nos salários miseráveis e ajudados por essa miséria onde nos lançam obrigar-nos a aceitar horas extraordinárias em série em vez de satisfazerem as nossas reivindicações de redução de horário de trabalho.
Vão continuar a obrigar-nos a trabalhar em péssimas condições de higiene e segurança, vão no fim de contas continuar a explorar-nos!
Por isso perguntamos:
A exploração irá continuar?
As Caixas de Previdência vão continuar a estar ao serviço dos capitalistas e dos colonialistas ou vão passar a estar nas nossas mãos e portanto ao serviço do todo o povo?
Será que muitos de nós vão continuar em casas miseráveis ou em barracas enquanto outros vivem em luxuosas vivendas que são autênticos palácios?
Será que vamos continuar a perder longas horas do nosso dia em transportes incómodos e cada dia mais caros, enquanto outros têm vários automóveis, qual deles mais caro e com os seus motoristas particulares?
Será que as escolas dos nossos filhos vão continuar a ser fábricas e oficinas ou será que as escolas neste país se vão finalmente abrir para todos os filhos do povo?
Será que a Guerra e exploração coloniais vão continuar?
Se queremos ser nós a construir o futuro do nosso país e não admitimos que ninguém o faça em nosso nome, não devemos contribuir para que os povos das colónias possam também tomar nas suas próprias mãos os destinos dos seus países?
A resposta a todas estas perguntas devemos ser todos nós a dá-la diariamente da única forma que serve efectivamente os nossos interesses de trabalhadores, que serve efectivamente os interesses do povo!
A nossa luta tem de continuar sem desfalecimentos e só terminará com a construção de uma sociedade sem classes sem exploradores nem explorados, de uma sociedade onde não tenhamos de nos vender diariamente!
Temos de construir uma sociedade socialista!
Este é o nosso objectivo e para o atingir estamos abertos à mais ampla colaboração com todas as forças políticas que igualmente lutam pela emancipação de todo o povo, pela construção do socialismo.
CAMARADAS!
É necessário não esquecer nunca uma verdade que a história das lutas dos trabalhadores em todo o mundo tem demonstrado!
A EMANCIPAÇÃO DOS TRABALHADORES SÓ PODE SER OBRA DE NÓS PRÓPRIOS TRABALHADORES!!!
Sunday, October 19, 2008
REPORTAJE: LA BANCARROTA DE ISLANDIA (El primero en caer)
Hasta hace unas semanas era considerado el mejor lugar para vivir del mundo. Y sus habitantes, los más felices del planeta. Pero, arrasada por el terremoto de la crisis financiera, Islandia se ha convertido en un país en bancarrota, con una población en estado de 'shock' y unas autoridades balbuceantes. ¿Un anticipo de lo que les espera a otros países?
Gente mayor que ha visto desaparecer sus ahorros de toda la vida; padres de familia incapaces de pagar sus deudas hipotecarias; jóvenes con estudios universitarios obligados a abandonar pisos recién comprados, sus sueños de prosperidad aniquilados: no es la excepción, es la nueva norma en Islandia, país cuya población, la más devastada por la actual crisis financiera mundial, se encuentra en estado de shock. "Como los sobrevivientes de un terremoto", se lamenta uno. "Nuestro 11 de septiembre", llora otro.
Islandia, una pequeña y desorbitada caricatura del crecimiento sin fin que parecía estar viviendo el mundo desarrollado, ofrece de repente una temible primicia de la debacle económica que amenaza con reproducirse en Europa, en Estados Unidos y en el resto de los países ricos. Sin reservas de moneda extranjera, con casi la totalidad de la banca nacionalizada, y el país declarado prácticamente "en bancarrota" por el primer ministro, el país está en el epicentro de un terremoto global cuyo impacto ni el más alocado cómplice del ataque a las Torres Gemelas se hubiera atrevido a imaginar.
El trauma -que se expresa con rabia, vergüenza, miedo- parte del choque entre la enorme autosatisfacción acumulada durante años de desaforado crecimiento y lo estrepitosa que ha sido la caída. Un informe de Naciones Unidas identificó a Islandia a principios de año como el mejor lugar del mundo para vivir. Un estudio académico publicado en importantes periódicos mundiales en 2006 afirmó que los islandeses eran la gente más feliz de la tierra. Hoy Islandia está a merced del Fondo Monetario Internacional, como si ocupara no el primer lugar, sino, como Sierra Leona, el último en la lista del Índice de Desarrollo Humano de la ONU. Como síntoma de la desesperación reinante, el Gobierno analiza la posibilidad de aceptar un préstamo gigantesco de Rusia, país cuya población, según el estudio académico de 2006, es la más infeliz del mundo.
Los criterios de desarrollo en los que se basó la ONU no consistían únicamente en el hecho de que este país de 300.000 habitantes, ubicado en uno de los ecosistemas más inhóspitos de la Tierra, había llegado a colocarse en el sexto lugar del mundo por su producto interior bruto per cápita.
Cuando los islandeses se recuperen del susto recordarán que sus sistemas públicos de sanidad y educación no tienen parangón. Que el Estado contribuye de manera activa a que las madres tengan las mismas posibilidades de acceder al mercado laboral que los padres. Que Islandia es líder mundial en cuanto a energía limpia y renovable: el uso de agua caliente proveniente de las entrañas volcánicas de la isla nutre al país de electricidad. Que hay una cultura de lectura y de música que se encuentra en poquísimos lugares del planeta.
Pero los logros acumulados a lo largo de los mil años de presencia humana en la isla se ven ahora en riesgo debido a la exuberancia vikinga, que muchos habían identificado como el motor del milagro islandés, como el motivo por el cual el país pasó en medio siglo de ser el más pobre de Europa a uno de los más ricos, con desempleo cero. En mayo pasado, el propio presidente, Ólafur Ragnar Grímsson, se había jactado, en un discurso en Londres, de las ancestrales virtudes vikingas -la osadía masculina por excelencia de salir a conquistar el mundo en pequeños barcos de madera, sin miedo alguno- como motivo de "la superioridad empresarial" del islandés. Hace dos semanas, en plena caída libre de la economía, Grímsson fue operado del corazón, y el lunes pasado apareció en televisión pidiendo disculpas a la nación por haber hecho el ridículo ante el mundo. Los banqueros islandeses, la vanguardia vikinga, operaban en 20 países y habían comprado grandes empresas en Inglaterra y Dinamarca, sin excluir, como si fueran jeques árabes u oligarcas rusos, un equipo de fútbol londinense. Pero, al hacerlo, la deuda nacional se multiplicó; se rompieron los vínculos bancarios en los que se sustenta el sistema financiero mundial, y la burbuja islandesa explotó.
Los islandeses se debaten hoy entre echarle la culpa al Gobierno, por haber desregulado las leyes de manera tal que todo valía, o a los banqueros, cuya extravagancia era observada por el resto de los ciudadanos en las fiestas espontáneas que montaban en los bares de Reikiavik, la capital, donde consumían champán a 1.000 euros la botella como si fuera cerveza.
Thorir Bergsson es de los que se inclinan por culpar al Gobierno, y de los que espera que el Gobierno dé ahora con una solución a su apremiante, y absolutamente típico, dilema.
Bergsson, de 39 años, es cocinero en el que había sido hasta hace un mes un exitoso restaurante en el centro de Reikiavik. Ahora ha bajado la clientela en un 40%, han despedido a varios empleados y él mismo se plantea la posibilidad de aceptar una reducción de su salario. Su mujer es antropóloga y trabaja en el municipio de Reikiavik en el departamento de inmigrantes, un puesto de trabajo que pronto podría tener poca relevancia, ya que los inmigrantes -de los países bálticos principalmente- se están yendo, debido a que la moneda islandesa, el krona, está en caída libre y que de repente se plantea la seria posibilidad de que los propios islandeses empiecen a competir "por los trabajos de manos sucias", como dice Bergsson.
Pero esto no es lo peor. Lo peor es que Bergsson, sencillamente, no puede pagar su mensualidad hipotecaria, ni la del préstamo de su coche, sin que los cuatro niños que viven con él y su mujer pasen hambre. La pareja tiene dos hijos pequeños, pero cada uno cuenta además con un hijo adolescente de anteriores relaciones -situación que en Islandia no sólo es común, sino que se vive con entera naturalidad-. Entre los dos se ganaban muy bien la vida: lo que hace muy poco hubieran sido unos 8.500 euros al mes, o 850.000 kronas, y ahora son 6.000, con tendencia clara a bajar. Como muchos islandeses, optaron, aconsejados por el banco, por una hipoteca calculada en una mezcla de monedas extranjeras. La consecuencia ha sido que, si antes pagaban 160.000 kronas al mes por la casa, el banco les ha informado de que la próxima cuota será de 400.000. Por el coche tiene que pagar 60.000. "Si agregamos el 36% de impuestos que nos quitan de nuestros sueldos, nos quedamos prácticamente con nada", dice Bergsson. "Por eso pienso ir al banco y decirles que no vamos a pagar. Todo el mundo está en las mismas. El país entero está congelado, a la espera de algo".
Por ejemplo: que con las divisas que lleguen del FMI, de los rusos, o, como muchos desean, de los primos escandinavos (ya que todos temen las condiciones que podrían imponer los otros dos), el gobierno pueda montar un plan de rescate. "Hay otra cosa que prefiero ni pensar", dice Bergsson, que insiste en que está manteniendo la calma aunque sus ojos no oculten un aire de ansiedad que roza el dolor. "Mi casa, en la que había invertido tanta ilusión, además de dinero, pierde valor cada día que pasa. ¿Qué va a significar eso para mis ahorros cuando sea mayor?".
Bergsson reconoce, de todos modos, que hay "mucha gente" pasándolo peor que él. Por ejemplo, los 1.000 jóvenes empleados de banco -en muchos casos, la flor y nata del sistema universitario islandés, con masters y doctorados en el extranjero- que han sido despedidos este mes y que habían apostado por la buena vida con mucha más exuberancia crediticia que él. "Yo todavía puedo reconstruirme, pero los que más pena me dan son todos los mayores que han perdido sus ahorros".
Ha sido sorprendente ver la reticencia de los islandeses (Bergsson es un caso excepcional) a contar los dramas que están viviendo. Se demuestra en el hecho de que los periódicos islandeses casi no hayan publicado ninguna historia con nombre y apellidos sobre el impacto de la crisis en la calle. Es como si los periodistas entendieran que a los islandeses les da vergüenza mirarse en el espejo. Por eso, la mayoría de las historias que uno oye son de segunda mano.
Como el caso, también típico, del suegro del escritor Throstur Helgason, que se jubiló el viernes anterior al lunes en el que nacionalizaron su banco, el Glitnir. "Tiene 70 años. Fue ejecutivo de una gran empresa hidroeléctrica", cuenta Helgason. "A principios de año, el banco le convenció, a él y a muchos en su situación, para que pasara sus ahorros de toda la vida de una cuenta sólida que daba un interés del 14% a una que daba un 20%, y le aseguraron que, aunque en teoría tenía más riesgo, en la práctica era igual de segura. La solidez de la banca mundial era su garantía, le dijeron. Así que transfirió los fondos y, apenas 48 horas después de haber concluido su vida laboral, vio cómo todo el dinero acumulado a lo largo de su vida, para disfrutar de una feliz jubilación, había desaparecido del mapa".
Helgason, que tiene tres hijos pequeños, tiene la enorme suerte de haber terminado prácticamente de pagar su hipoteca. Pero tampoco se considera a salvo. Por un lado, porque su esposa, la directora del Festival de Cine Internacional Anual de Reikiavik, no sabe si la muestra se celebrará el año que viene, ya que el principal patrocinador es un banco islandés. Por otro, porque Helgason ha escrito tres libros que su editorial se había comprometido a publicar, pero ahora no posee el dinero para imprimir. Encima, dice Helgason, que es jefe de la sección de cultura de un diario islandés, hay indicios de que la mayor cadena de distribución de libros del país está a punto de quebrar, lo que arrastraría a la ruina a la principal editorial islandesa. "¡Y todo esto en un país en el que, hasta ahora, la gente ha comprado más libros que en cualquier otro!".
En cuanto a su tradición musical, el país ha sufrido otro duro golpe moral al anunciarse la cancelación de una gira de la orquesta sinfónica nacional programada en Japón este mes. "Los organizadores japoneses escribieron para decir que, dada la crisis que atravesaba Islandia, mejor que no vinieran", cuenta Helgason.
Una salida para los músicos -y los demás islandeses preparados para competir en el ámbito internacional, que son muchos- es emigrar. Este, precisamente, es el temor más grande de la docena de personas con las que EL PAÍS habló para este reportaje. "Si vamos a salir del lío, si vamos a reconstruir el país sobre bases más sólidas y duraderas, si vamos a dar el paso esencial de diversificar nuestra economía, lo que no debe ocurrir es una estampida de cerebros", argumenta Svafa Gronfeldt, rectora de la Universidad de Reikiavik. "Somos un pueblo de sobrevivientes por definición. El haber creado una buena vida aquí ha sido fruto de una tremenda imaginación y capacidad práctica. Nuestra gran ventaja hoy es que tenemos a gente joven altamente competitiva en el mercado mundial, que además se maneja a la perfección en inglés. Ahora, si se van...".
Thorir Bergsson no es un caso típico, porque es cocinero (aunque uno de los síntomas del éxito islandés ha sido la proliferación de excelentes restaurantes en la capital), pero sí refleja la actitud de mucha gente que comparte la opción de buscarse la vida en el extranjero. "No queremos irnos, aunque tanto mi mujer como yo sabemos que podríamos conseguir empleo fuera. Sin duda", dice. "Pero es que sería terrible que gente de mi generación abandonara el barco ahora. Aunque, claro, si el bienestar de nuestros hijos está en juego, nuestro idealismo no durará para siempre".
Dagur Eggertson, ex alcalde de Reikiavik y médico de profesión, asegura que el trauma que vive el país se multiplica, especialmente en el caso de gente mayor que ha perdido sus ahorros, ante la posibilidad de que "los mejores y los más listos" se vayan. "No sólo es que nos costaría muchísimo más levantarnos económicamente; es que éste es un país en el que las familias están muy unidas, quizá más unidas ahora que nunca, y el impacto emocional sería atroz. Conozco a un señor que trabaja para el Gobierno cuyos tres hijos -dos de ellos banqueros; el otro, ejecutivo de una empresa de telefonía- acaban de perder sus trabajos. Ve casi inevitable que emigren los tres".
Pero Eggertson comparte la opinión de Svafa Gronfeldt, la rectora de la universidad, de que Islandia puede dar una lección al mundo sobre cómo salir de la actual crisis. "Debemos reflexionar sobre la humillación que hemos sufrido, abandonar estos viejos valores vikingos y reemplazarlos por otros".
¿Qué otros? La respuesta la tienen Gronfeldt y otra media docena de mujeres entrevistadas por este periódico: "Con valores femeninos". Islandia es el país con el porcentaje más alto de mujeres con empleo. Pero, como dice Gronfeldt, hasta ahora casi todas se han quedado estancadas en el segundo o tercer nivel empresarial. "Las mujeres tienen la preparación y la habilidad, y esta crisis va a acelerar el movimiento hacia arriba".
Ya se ha comenzado a experimentar el fenómeno, y de manera fulminante. Los nuevos presidentes de los dos grandes bancos nacionalizados son, por primera vez, mujeres, lo que un ministro describió como un intento de implantar "una nueva cultura" en el mundo bancario y lo que provocó este titular del Financial Times: "Mujeres islandesas, a limpiar el desorden masculino".
"Sí", dice Halla Tomasdottir, "pero esta vez, después de limpiar, nos vamos a quedar". Tomasdottir ha aparecido como la portavoz de una nueva corriente a favor de que las mujeres ocupen puestos clave de liderazgo en la nueva Islandia, que se espera que emerja de las ruinas de la antigua. "Antes sólo remábamos; ahora vamos a decidir adónde vamos".
Tomasdottir posee, hoy más que nunca, los atributos de una gran capitana. Es la presidenta de Audur Capital, la única consultora financiera de Islandia cuyos clientes no sólo no han perdido dinero en la crisis, sino que han salido ganando. "Los últimos cuatro años he estado observando, incrédula, el modelo imperante de inversiones. Todo pensado a corto plazo, sin tomar en cuenta las consecuencias sociales; apostar todo a enormes ganancias sin evaluar seriamente los riesgos; un grotesco exceso en los incentivos a los individuos que lideran las inversiones, y, en general, una preponderancia desmesurada de testosterona en la toma de decisiones".
"Las mujeres islandesas y en todo el mundo son más prácticas que los hombres, tienen los pies más firmemente plantados en la tierra y estudian con más mesura las consecuencias de los riesgos que toman", dice Tomasdottir, que el martes pronunció un discurso sobre el tema -recibido con fervor- ante 100 de las mujeres más influyentes de Islandia.
"No es el fin del capitalismo, como algunos dicen", explica Tomasdottir. "Es el comienzo de un capitalismo mejorado, dirigido no por las mujeres solas, claro que no, sino guiado por un concepto más femenino de la vida". Eso consiste "en pensar más a largo plazo, trabajar más en equipo y tomar en cuenta no sólo las ganancias inmediatas de los inversores, sino valores más amplios, como el bienestar de la sociedad en su conjunto".
Tomasdottir, una mujer de una tremenda energía y extravagante buen humor, dice estar entusiasmada ante los retos que hay por delante. "Sorprenderemos al mundo, saldremos fortalecidos de todo esto, y el mundo imitará nuestro ejemplo. ¡Ya verá!".
Pero antes, y esto no lo niega ni ella, tendrán que pasar tres o cuatro años duros. Habrá desempleo por primera vez en Islandia, quizá por mucho tiempo; la moneda bajará antes de volver a subir; algunos de los "mejores" se irán para siempre, y los mayores se lamentarán de haber perdido la oportunidad de celebrar su largamente anticipado retiro. "La fiesta", como dice Throstur Helgason, "se acabó". "Les contaré a mis hijos las grandes borracheras con champán que montaban los jóvenes banqueros y no se lo creerán".
JOHN CARLIN in EL PAIS - 19/10/2008
Gente mayor que ha visto desaparecer sus ahorros de toda la vida; padres de familia incapaces de pagar sus deudas hipotecarias; jóvenes con estudios universitarios obligados a abandonar pisos recién comprados, sus sueños de prosperidad aniquilados: no es la excepción, es la nueva norma en Islandia, país cuya población, la más devastada por la actual crisis financiera mundial, se encuentra en estado de shock. "Como los sobrevivientes de un terremoto", se lamenta uno. "Nuestro 11 de septiembre", llora otro.
Islandia, una pequeña y desorbitada caricatura del crecimiento sin fin que parecía estar viviendo el mundo desarrollado, ofrece de repente una temible primicia de la debacle económica que amenaza con reproducirse en Europa, en Estados Unidos y en el resto de los países ricos. Sin reservas de moneda extranjera, con casi la totalidad de la banca nacionalizada, y el país declarado prácticamente "en bancarrota" por el primer ministro, el país está en el epicentro de un terremoto global cuyo impacto ni el más alocado cómplice del ataque a las Torres Gemelas se hubiera atrevido a imaginar.
El trauma -que se expresa con rabia, vergüenza, miedo- parte del choque entre la enorme autosatisfacción acumulada durante años de desaforado crecimiento y lo estrepitosa que ha sido la caída. Un informe de Naciones Unidas identificó a Islandia a principios de año como el mejor lugar del mundo para vivir. Un estudio académico publicado en importantes periódicos mundiales en 2006 afirmó que los islandeses eran la gente más feliz de la tierra. Hoy Islandia está a merced del Fondo Monetario Internacional, como si ocupara no el primer lugar, sino, como Sierra Leona, el último en la lista del Índice de Desarrollo Humano de la ONU. Como síntoma de la desesperación reinante, el Gobierno analiza la posibilidad de aceptar un préstamo gigantesco de Rusia, país cuya población, según el estudio académico de 2006, es la más infeliz del mundo.
Los criterios de desarrollo en los que se basó la ONU no consistían únicamente en el hecho de que este país de 300.000 habitantes, ubicado en uno de los ecosistemas más inhóspitos de la Tierra, había llegado a colocarse en el sexto lugar del mundo por su producto interior bruto per cápita.
Cuando los islandeses se recuperen del susto recordarán que sus sistemas públicos de sanidad y educación no tienen parangón. Que el Estado contribuye de manera activa a que las madres tengan las mismas posibilidades de acceder al mercado laboral que los padres. Que Islandia es líder mundial en cuanto a energía limpia y renovable: el uso de agua caliente proveniente de las entrañas volcánicas de la isla nutre al país de electricidad. Que hay una cultura de lectura y de música que se encuentra en poquísimos lugares del planeta.
Pero los logros acumulados a lo largo de los mil años de presencia humana en la isla se ven ahora en riesgo debido a la exuberancia vikinga, que muchos habían identificado como el motor del milagro islandés, como el motivo por el cual el país pasó en medio siglo de ser el más pobre de Europa a uno de los más ricos, con desempleo cero. En mayo pasado, el propio presidente, Ólafur Ragnar Grímsson, se había jactado, en un discurso en Londres, de las ancestrales virtudes vikingas -la osadía masculina por excelencia de salir a conquistar el mundo en pequeños barcos de madera, sin miedo alguno- como motivo de "la superioridad empresarial" del islandés. Hace dos semanas, en plena caída libre de la economía, Grímsson fue operado del corazón, y el lunes pasado apareció en televisión pidiendo disculpas a la nación por haber hecho el ridículo ante el mundo. Los banqueros islandeses, la vanguardia vikinga, operaban en 20 países y habían comprado grandes empresas en Inglaterra y Dinamarca, sin excluir, como si fueran jeques árabes u oligarcas rusos, un equipo de fútbol londinense. Pero, al hacerlo, la deuda nacional se multiplicó; se rompieron los vínculos bancarios en los que se sustenta el sistema financiero mundial, y la burbuja islandesa explotó.
Los islandeses se debaten hoy entre echarle la culpa al Gobierno, por haber desregulado las leyes de manera tal que todo valía, o a los banqueros, cuya extravagancia era observada por el resto de los ciudadanos en las fiestas espontáneas que montaban en los bares de Reikiavik, la capital, donde consumían champán a 1.000 euros la botella como si fuera cerveza.
Thorir Bergsson es de los que se inclinan por culpar al Gobierno, y de los que espera que el Gobierno dé ahora con una solución a su apremiante, y absolutamente típico, dilema.
Bergsson, de 39 años, es cocinero en el que había sido hasta hace un mes un exitoso restaurante en el centro de Reikiavik. Ahora ha bajado la clientela en un 40%, han despedido a varios empleados y él mismo se plantea la posibilidad de aceptar una reducción de su salario. Su mujer es antropóloga y trabaja en el municipio de Reikiavik en el departamento de inmigrantes, un puesto de trabajo que pronto podría tener poca relevancia, ya que los inmigrantes -de los países bálticos principalmente- se están yendo, debido a que la moneda islandesa, el krona, está en caída libre y que de repente se plantea la seria posibilidad de que los propios islandeses empiecen a competir "por los trabajos de manos sucias", como dice Bergsson.
Pero esto no es lo peor. Lo peor es que Bergsson, sencillamente, no puede pagar su mensualidad hipotecaria, ni la del préstamo de su coche, sin que los cuatro niños que viven con él y su mujer pasen hambre. La pareja tiene dos hijos pequeños, pero cada uno cuenta además con un hijo adolescente de anteriores relaciones -situación que en Islandia no sólo es común, sino que se vive con entera naturalidad-. Entre los dos se ganaban muy bien la vida: lo que hace muy poco hubieran sido unos 8.500 euros al mes, o 850.000 kronas, y ahora son 6.000, con tendencia clara a bajar. Como muchos islandeses, optaron, aconsejados por el banco, por una hipoteca calculada en una mezcla de monedas extranjeras. La consecuencia ha sido que, si antes pagaban 160.000 kronas al mes por la casa, el banco les ha informado de que la próxima cuota será de 400.000. Por el coche tiene que pagar 60.000. "Si agregamos el 36% de impuestos que nos quitan de nuestros sueldos, nos quedamos prácticamente con nada", dice Bergsson. "Por eso pienso ir al banco y decirles que no vamos a pagar. Todo el mundo está en las mismas. El país entero está congelado, a la espera de algo".
Por ejemplo: que con las divisas que lleguen del FMI, de los rusos, o, como muchos desean, de los primos escandinavos (ya que todos temen las condiciones que podrían imponer los otros dos), el gobierno pueda montar un plan de rescate. "Hay otra cosa que prefiero ni pensar", dice Bergsson, que insiste en que está manteniendo la calma aunque sus ojos no oculten un aire de ansiedad que roza el dolor. "Mi casa, en la que había invertido tanta ilusión, además de dinero, pierde valor cada día que pasa. ¿Qué va a significar eso para mis ahorros cuando sea mayor?".
Bergsson reconoce, de todos modos, que hay "mucha gente" pasándolo peor que él. Por ejemplo, los 1.000 jóvenes empleados de banco -en muchos casos, la flor y nata del sistema universitario islandés, con masters y doctorados en el extranjero- que han sido despedidos este mes y que habían apostado por la buena vida con mucha más exuberancia crediticia que él. "Yo todavía puedo reconstruirme, pero los que más pena me dan son todos los mayores que han perdido sus ahorros".
Ha sido sorprendente ver la reticencia de los islandeses (Bergsson es un caso excepcional) a contar los dramas que están viviendo. Se demuestra en el hecho de que los periódicos islandeses casi no hayan publicado ninguna historia con nombre y apellidos sobre el impacto de la crisis en la calle. Es como si los periodistas entendieran que a los islandeses les da vergüenza mirarse en el espejo. Por eso, la mayoría de las historias que uno oye son de segunda mano.
Como el caso, también típico, del suegro del escritor Throstur Helgason, que se jubiló el viernes anterior al lunes en el que nacionalizaron su banco, el Glitnir. "Tiene 70 años. Fue ejecutivo de una gran empresa hidroeléctrica", cuenta Helgason. "A principios de año, el banco le convenció, a él y a muchos en su situación, para que pasara sus ahorros de toda la vida de una cuenta sólida que daba un interés del 14% a una que daba un 20%, y le aseguraron que, aunque en teoría tenía más riesgo, en la práctica era igual de segura. La solidez de la banca mundial era su garantía, le dijeron. Así que transfirió los fondos y, apenas 48 horas después de haber concluido su vida laboral, vio cómo todo el dinero acumulado a lo largo de su vida, para disfrutar de una feliz jubilación, había desaparecido del mapa".
Helgason, que tiene tres hijos pequeños, tiene la enorme suerte de haber terminado prácticamente de pagar su hipoteca. Pero tampoco se considera a salvo. Por un lado, porque su esposa, la directora del Festival de Cine Internacional Anual de Reikiavik, no sabe si la muestra se celebrará el año que viene, ya que el principal patrocinador es un banco islandés. Por otro, porque Helgason ha escrito tres libros que su editorial se había comprometido a publicar, pero ahora no posee el dinero para imprimir. Encima, dice Helgason, que es jefe de la sección de cultura de un diario islandés, hay indicios de que la mayor cadena de distribución de libros del país está a punto de quebrar, lo que arrastraría a la ruina a la principal editorial islandesa. "¡Y todo esto en un país en el que, hasta ahora, la gente ha comprado más libros que en cualquier otro!".
En cuanto a su tradición musical, el país ha sufrido otro duro golpe moral al anunciarse la cancelación de una gira de la orquesta sinfónica nacional programada en Japón este mes. "Los organizadores japoneses escribieron para decir que, dada la crisis que atravesaba Islandia, mejor que no vinieran", cuenta Helgason.
Una salida para los músicos -y los demás islandeses preparados para competir en el ámbito internacional, que son muchos- es emigrar. Este, precisamente, es el temor más grande de la docena de personas con las que EL PAÍS habló para este reportaje. "Si vamos a salir del lío, si vamos a reconstruir el país sobre bases más sólidas y duraderas, si vamos a dar el paso esencial de diversificar nuestra economía, lo que no debe ocurrir es una estampida de cerebros", argumenta Svafa Gronfeldt, rectora de la Universidad de Reikiavik. "Somos un pueblo de sobrevivientes por definición. El haber creado una buena vida aquí ha sido fruto de una tremenda imaginación y capacidad práctica. Nuestra gran ventaja hoy es que tenemos a gente joven altamente competitiva en el mercado mundial, que además se maneja a la perfección en inglés. Ahora, si se van...".
Thorir Bergsson no es un caso típico, porque es cocinero (aunque uno de los síntomas del éxito islandés ha sido la proliferación de excelentes restaurantes en la capital), pero sí refleja la actitud de mucha gente que comparte la opción de buscarse la vida en el extranjero. "No queremos irnos, aunque tanto mi mujer como yo sabemos que podríamos conseguir empleo fuera. Sin duda", dice. "Pero es que sería terrible que gente de mi generación abandonara el barco ahora. Aunque, claro, si el bienestar de nuestros hijos está en juego, nuestro idealismo no durará para siempre".
Dagur Eggertson, ex alcalde de Reikiavik y médico de profesión, asegura que el trauma que vive el país se multiplica, especialmente en el caso de gente mayor que ha perdido sus ahorros, ante la posibilidad de que "los mejores y los más listos" se vayan. "No sólo es que nos costaría muchísimo más levantarnos económicamente; es que éste es un país en el que las familias están muy unidas, quizá más unidas ahora que nunca, y el impacto emocional sería atroz. Conozco a un señor que trabaja para el Gobierno cuyos tres hijos -dos de ellos banqueros; el otro, ejecutivo de una empresa de telefonía- acaban de perder sus trabajos. Ve casi inevitable que emigren los tres".
Pero Eggertson comparte la opinión de Svafa Gronfeldt, la rectora de la universidad, de que Islandia puede dar una lección al mundo sobre cómo salir de la actual crisis. "Debemos reflexionar sobre la humillación que hemos sufrido, abandonar estos viejos valores vikingos y reemplazarlos por otros".
¿Qué otros? La respuesta la tienen Gronfeldt y otra media docena de mujeres entrevistadas por este periódico: "Con valores femeninos". Islandia es el país con el porcentaje más alto de mujeres con empleo. Pero, como dice Gronfeldt, hasta ahora casi todas se han quedado estancadas en el segundo o tercer nivel empresarial. "Las mujeres tienen la preparación y la habilidad, y esta crisis va a acelerar el movimiento hacia arriba".
Ya se ha comenzado a experimentar el fenómeno, y de manera fulminante. Los nuevos presidentes de los dos grandes bancos nacionalizados son, por primera vez, mujeres, lo que un ministro describió como un intento de implantar "una nueva cultura" en el mundo bancario y lo que provocó este titular del Financial Times: "Mujeres islandesas, a limpiar el desorden masculino".
"Sí", dice Halla Tomasdottir, "pero esta vez, después de limpiar, nos vamos a quedar". Tomasdottir ha aparecido como la portavoz de una nueva corriente a favor de que las mujeres ocupen puestos clave de liderazgo en la nueva Islandia, que se espera que emerja de las ruinas de la antigua. "Antes sólo remábamos; ahora vamos a decidir adónde vamos".
Tomasdottir posee, hoy más que nunca, los atributos de una gran capitana. Es la presidenta de Audur Capital, la única consultora financiera de Islandia cuyos clientes no sólo no han perdido dinero en la crisis, sino que han salido ganando. "Los últimos cuatro años he estado observando, incrédula, el modelo imperante de inversiones. Todo pensado a corto plazo, sin tomar en cuenta las consecuencias sociales; apostar todo a enormes ganancias sin evaluar seriamente los riesgos; un grotesco exceso en los incentivos a los individuos que lideran las inversiones, y, en general, una preponderancia desmesurada de testosterona en la toma de decisiones".
"Las mujeres islandesas y en todo el mundo son más prácticas que los hombres, tienen los pies más firmemente plantados en la tierra y estudian con más mesura las consecuencias de los riesgos que toman", dice Tomasdottir, que el martes pronunció un discurso sobre el tema -recibido con fervor- ante 100 de las mujeres más influyentes de Islandia.
"No es el fin del capitalismo, como algunos dicen", explica Tomasdottir. "Es el comienzo de un capitalismo mejorado, dirigido no por las mujeres solas, claro que no, sino guiado por un concepto más femenino de la vida". Eso consiste "en pensar más a largo plazo, trabajar más en equipo y tomar en cuenta no sólo las ganancias inmediatas de los inversores, sino valores más amplios, como el bienestar de la sociedad en su conjunto".
Tomasdottir, una mujer de una tremenda energía y extravagante buen humor, dice estar entusiasmada ante los retos que hay por delante. "Sorprenderemos al mundo, saldremos fortalecidos de todo esto, y el mundo imitará nuestro ejemplo. ¡Ya verá!".
Pero antes, y esto no lo niega ni ella, tendrán que pasar tres o cuatro años duros. Habrá desempleo por primera vez en Islandia, quizá por mucho tiempo; la moneda bajará antes de volver a subir; algunos de los "mejores" se irán para siempre, y los mayores se lamentarán de haber perdido la oportunidad de celebrar su largamente anticipado retiro. "La fiesta", como dice Throstur Helgason, "se acabó". "Les contaré a mis hijos las grandes borracheras con champán que montaban los jóvenes banqueros y no se lo creerán".
JOHN CARLIN in EL PAIS - 19/10/2008
Saturday, October 11, 2008
El 'crash' de octubre de 2008
La desconfianza hunde las Bolsas en la peor semana de su historia - En una jornada errática, Wall Street abre en caída libre y al final recupera buena parte de lo perdido
Cada generación tiene su propio hundimiento bursátil, que además suele ser la antesala de una recesión global, o a lo peor de una depresión profunda. En el imaginario popular han quedado grabados a fuego el crash de 1929 y el lunes negro de 1987, en los que el veneno de la desconfianza provocó desplomes espectaculares en los mercados y acabó teniendo consecuencias devastadoras sobre el resto de la economía. Hay que conocer la historia para escapar de ella: la semana que culminaron ayer los mercados mundiales es peor incluso que las peores semanas de los meses de octubre de 1929 y 1987. En algunos aspectos, peor que ningún otro crash, a la espera de que los países más ricos, reunidos en Washington en un G-7 que se adivina clave,
encuentren la varita mágica para salir del túnel.
· Esto ya es un 'crash'
· Desplome histórico de la Bolsa española
· Días grises, semana negra
· ¿Cuánto más caerán las Bolsas?
Crisis financiera mundial
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En una jornada de grandes vaivenes, Wall Street estuvo ayer unos minutos en caída libre, los posteriores a una apertura demoledora. El día anterior se había desplomado víctima del miedo, de los recelos, de la incertidumbre en el sistema financiero que ha desembocado en un ataque de pánico sensacional. Los planes de emergencia de las autoridades políticas y de los grandes bancos centrales no consiguen detener la sangría: bastaron esas dos referencias procedentes de Nueva York para que el pánico corriera como la pólvora por todos los rincones del globo: Tokio, Londres y Madrid se despeñaron un 9%.
El Dow Jones se situó a niveles de 10 años atrás, aunque a última hora experimentó una recuperación espectacular que permite vislumbrar cierta esperanza a partir de la próxima semana. De nuevo la intervención estatal: la Administración Bush aseguró que la quiebra de Lehman no provocará grandes quebrantos a la banca.
Pero eso fue a última hora. A lo largo de la jornada, Wall Street llegó a perder hasta el 8% y sembró el miedo en los inversores. Varios parqués -tan alejados como Rusia, Tailandia, Austria, Rumania, Brasil e Islandia- cerraron sus puertas o suspendieron durante unas horas la cotización.
Los desplomes fueron la tónica de la jornada en todo el mundo, en un derrumbe en cascada que coronó la peor semana bursátil que se recuerda.
Pero no es sólo una cuestión de las Bolsas, habituadas a sobreactuar para bien o para mal. Hay más. El mercado interbancario no existe, con el sistema financiero al borde del colapso. Los mercados de bonos públicos -y sobre todo, privados-, las materias primas y el petróleo cerraron también una semana de pesadilla, un crash en cascada.
La crisis financiera es más profunda que ninguna otra porque afecta a varios mercados (Bolsas, interbancario, divisas, bonos y un largo etcétera) y es más internacional que nunca. Y la economía real -es decir, todo el entramado no financiero- empieza a sufrir: los tres grandes grupos automovilísticos de Detroit amenazan ruina, según Standard & Poor's, y la General Motors tuvo incluso que salir ayer al paso de las informaciones que aseguraban que iba a declararse en bancarrota. Los bancos están en el origen y son el epicentro de las turbulencias, pero el contagio ha llegado a la construcción y a la industria en muchos países. Incluido España.
Como fichas de dominó, los desplomes bursátiles se iniciaron en Australia, barrieron los mercados asiáticos y después los europeos y latinoamericanos, arrastrados por los primeros minutos de Wall Street, que cedió un 8% en la apertura y a una hora del cierre se dejaba aún más del 5%, aunque al final perdió poco más del 1%. Los principales parqués europeos llegaron a caer más del 10% a media sesión, pese a las nuevas inyecciones de liquidez de los bancos centrales en Europa y Japón. El petróleo brent -de referencia en Europa- bajó a plomo, hasta los 73 dólares por barril, lastrado por la amenaza de recesión y los temores sobre una acusada caída de la demanda. Sólo el cierre de Wall Street escapó al pánico generalizado en los mercados.
Las acciones de los grandes Gobiernos no surten efecto, de momento. Las declaraciones tampoco, y en algunos casos incluso acentúan los números rojos. El secretario del Tesoro, Henry Paulson, advirtió el jueves de que puede haber nuevas quiebras de bancos. El primer ministro italiano, Silvio Berlusconi, sugirió ayer la posibilidad de cerrar las grandes Bolsas. El presidente estadounidense, George W. Bush, acusó a la "incertidumbre y el miedo" del colapso. "Podemos resolver la crisis y devolver la estabilidad a los mercados, y lo haremos", prometió. Tras esas afirmaciones, Wall Street, que había logrado reducir al mínimo las pérdidas, volvió a retroceder con fuerza, hasta el inesperado rebote final.
Las voces más influyentes de la economía mundial claman por un golpe de efecto del G-7, convertido casi en la última bala para evitar que la situación caótica en los mercados arrastre a la economía. El G-7 "debe hacer algo pronto o será el peor desplome desde la Gran Depresión", escribía ayer el economista Paul Krugman en The New York Times. "Además de un cambio radical en el liderazgo económico, debe haber acciones políticas radicales y coordinadas entre las economías avanzadas y emergentes para evitar el desastre", explicó a Bloomberg Nouriel Roubini, que hace dos años fue uno de los pocos expertos que se atrevieron a predecir la crisis.
Incluso el oráculo de las Bolsas durante los últimos años, Alan Greenspan -señalado ahora como el gran causante de los problemas por su política monetaria al frente de la Reserva Federal- afirmó que los inversores sólo "volverán a tomar riesgos" en torno al primer semestre de 2009, cuando se estabilice el mercado inmobiliario. Y para ello es necesaria una acción decidida del G-7, coinciden los expertos. "La crisis demuestra que los mercados no funcionan muy bien solos", resumió el Nobel Joseph Stiglitz.
Las circunstancias excepcionales en las que está sumida la economía mundial duran ya 14 meses. El reventón de la burbuja inmobiliaria norteamericana desató la crisis subprime, con una gran incertidumbre sobre el alcance y la duración del episodio que entonces se iniciaba.
Al principio, las dificultades se circunscribían a un puñado de fondos de inversión e instituciones financieras, pero con el paso de los meses se han sucedido, sin solución de continuidad, nacionalizaciones, quiebras, intervenciones de entidades, creación de nuevos esquemas de garantías para inversores y limitaciones importantes de prácticas de mercado, como las ventas a la baja de acciones.
EE UU puso en marcha un plan de rescate multimillonario, a los que han seguido medidas similares en Europa. Pero la situación sigue sin normalizarse. "Las condiciones financieras se han endurecido, y la crisis se transmite así a la economía real", explicó ayer José Carlos Díez, economista jefe de Intermoney. "Las Bolsas pueden bajar o subir mucho en un día, pero el auténtico problema es el colapso financiero y sus efectos sobre la economía", afirmó Díez.
La Bolsa española cerró con una caída del 9,1%, que eleva las pérdidas semanales al 21%. Como en otros países, el plan de rescate financiero no impidió que los grandes bancos (Santander y BBVA) cayeran un 12%. Al margen del peligro de recesión mundial y de los problemas domésticos en la construcción, los problemas recientes de América Latina -que hasta ahora había capeado bien el temporal- perjudican a las grandes empresas españolas. Brasil y México salieron ayer, otra vez, a defender sus monedas.
Los analistas bursátiles no son optimistas a corto plazo. "En una situación de pánico, de nada sirven los fundamentales, la espiral arrastra a todos los valores", explicó desde Londres Juergen Michels, de Citi.
En octubre de 1929, el pánico suicida en los mercados financieros acabó contagiando al resto de la economía, que se sumió en una gran depresión por la falta de reacción de los Gobiernos. A diferencia de entonces, tanto EE UU como los grandes Gobiernos de la eurozona y los bancos centrales de todo el mundo han empezado a reaccionar, pese a la falta de coordinación y a las dudas sobre algunas medidas de emergencia. La llave de la situación está ahora en manos del G-7. "Prepárense para un súper bazuca", vaticinaban los analistas de Citigroup.
El Pais - CLAUDI PÉREZ - Madrid - 11/10/2008
Cada generación tiene su propio hundimiento bursátil, que además suele ser la antesala de una recesión global, o a lo peor de una depresión profunda. En el imaginario popular han quedado grabados a fuego el crash de 1929 y el lunes negro de 1987, en los que el veneno de la desconfianza provocó desplomes espectaculares en los mercados y acabó teniendo consecuencias devastadoras sobre el resto de la economía. Hay que conocer la historia para escapar de ella: la semana que culminaron ayer los mercados mundiales es peor incluso que las peores semanas de los meses de octubre de 1929 y 1987. En algunos aspectos, peor que ningún otro crash, a la espera de que los países más ricos, reunidos en Washington en un G-7 que se adivina clave,
encuentren la varita mágica para salir del túnel.
· Esto ya es un 'crash'
· Desplome histórico de la Bolsa española
· Días grises, semana negra
· ¿Cuánto más caerán las Bolsas?
Crisis financiera mundial
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En una jornada de grandes vaivenes, Wall Street estuvo ayer unos minutos en caída libre, los posteriores a una apertura demoledora. El día anterior se había desplomado víctima del miedo, de los recelos, de la incertidumbre en el sistema financiero que ha desembocado en un ataque de pánico sensacional. Los planes de emergencia de las autoridades políticas y de los grandes bancos centrales no consiguen detener la sangría: bastaron esas dos referencias procedentes de Nueva York para que el pánico corriera como la pólvora por todos los rincones del globo: Tokio, Londres y Madrid se despeñaron un 9%.
El Dow Jones se situó a niveles de 10 años atrás, aunque a última hora experimentó una recuperación espectacular que permite vislumbrar cierta esperanza a partir de la próxima semana. De nuevo la intervención estatal: la Administración Bush aseguró que la quiebra de Lehman no provocará grandes quebrantos a la banca.
Pero eso fue a última hora. A lo largo de la jornada, Wall Street llegó a perder hasta el 8% y sembró el miedo en los inversores. Varios parqués -tan alejados como Rusia, Tailandia, Austria, Rumania, Brasil e Islandia- cerraron sus puertas o suspendieron durante unas horas la cotización.
Los desplomes fueron la tónica de la jornada en todo el mundo, en un derrumbe en cascada que coronó la peor semana bursátil que se recuerda.
Pero no es sólo una cuestión de las Bolsas, habituadas a sobreactuar para bien o para mal. Hay más. El mercado interbancario no existe, con el sistema financiero al borde del colapso. Los mercados de bonos públicos -y sobre todo, privados-, las materias primas y el petróleo cerraron también una semana de pesadilla, un crash en cascada.
La crisis financiera es más profunda que ninguna otra porque afecta a varios mercados (Bolsas, interbancario, divisas, bonos y un largo etcétera) y es más internacional que nunca. Y la economía real -es decir, todo el entramado no financiero- empieza a sufrir: los tres grandes grupos automovilísticos de Detroit amenazan ruina, según Standard & Poor's, y la General Motors tuvo incluso que salir ayer al paso de las informaciones que aseguraban que iba a declararse en bancarrota. Los bancos están en el origen y son el epicentro de las turbulencias, pero el contagio ha llegado a la construcción y a la industria en muchos países. Incluido España.
Como fichas de dominó, los desplomes bursátiles se iniciaron en Australia, barrieron los mercados asiáticos y después los europeos y latinoamericanos, arrastrados por los primeros minutos de Wall Street, que cedió un 8% en la apertura y a una hora del cierre se dejaba aún más del 5%, aunque al final perdió poco más del 1%. Los principales parqués europeos llegaron a caer más del 10% a media sesión, pese a las nuevas inyecciones de liquidez de los bancos centrales en Europa y Japón. El petróleo brent -de referencia en Europa- bajó a plomo, hasta los 73 dólares por barril, lastrado por la amenaza de recesión y los temores sobre una acusada caída de la demanda. Sólo el cierre de Wall Street escapó al pánico generalizado en los mercados.
Las acciones de los grandes Gobiernos no surten efecto, de momento. Las declaraciones tampoco, y en algunos casos incluso acentúan los números rojos. El secretario del Tesoro, Henry Paulson, advirtió el jueves de que puede haber nuevas quiebras de bancos. El primer ministro italiano, Silvio Berlusconi, sugirió ayer la posibilidad de cerrar las grandes Bolsas. El presidente estadounidense, George W. Bush, acusó a la "incertidumbre y el miedo" del colapso. "Podemos resolver la crisis y devolver la estabilidad a los mercados, y lo haremos", prometió. Tras esas afirmaciones, Wall Street, que había logrado reducir al mínimo las pérdidas, volvió a retroceder con fuerza, hasta el inesperado rebote final.
Las voces más influyentes de la economía mundial claman por un golpe de efecto del G-7, convertido casi en la última bala para evitar que la situación caótica en los mercados arrastre a la economía. El G-7 "debe hacer algo pronto o será el peor desplome desde la Gran Depresión", escribía ayer el economista Paul Krugman en The New York Times. "Además de un cambio radical en el liderazgo económico, debe haber acciones políticas radicales y coordinadas entre las economías avanzadas y emergentes para evitar el desastre", explicó a Bloomberg Nouriel Roubini, que hace dos años fue uno de los pocos expertos que se atrevieron a predecir la crisis.
Incluso el oráculo de las Bolsas durante los últimos años, Alan Greenspan -señalado ahora como el gran causante de los problemas por su política monetaria al frente de la Reserva Federal- afirmó que los inversores sólo "volverán a tomar riesgos" en torno al primer semestre de 2009, cuando se estabilice el mercado inmobiliario. Y para ello es necesaria una acción decidida del G-7, coinciden los expertos. "La crisis demuestra que los mercados no funcionan muy bien solos", resumió el Nobel Joseph Stiglitz.
Las circunstancias excepcionales en las que está sumida la economía mundial duran ya 14 meses. El reventón de la burbuja inmobiliaria norteamericana desató la crisis subprime, con una gran incertidumbre sobre el alcance y la duración del episodio que entonces se iniciaba.
Al principio, las dificultades se circunscribían a un puñado de fondos de inversión e instituciones financieras, pero con el paso de los meses se han sucedido, sin solución de continuidad, nacionalizaciones, quiebras, intervenciones de entidades, creación de nuevos esquemas de garantías para inversores y limitaciones importantes de prácticas de mercado, como las ventas a la baja de acciones.
EE UU puso en marcha un plan de rescate multimillonario, a los que han seguido medidas similares en Europa. Pero la situación sigue sin normalizarse. "Las condiciones financieras se han endurecido, y la crisis se transmite así a la economía real", explicó ayer José Carlos Díez, economista jefe de Intermoney. "Las Bolsas pueden bajar o subir mucho en un día, pero el auténtico problema es el colapso financiero y sus efectos sobre la economía", afirmó Díez.
La Bolsa española cerró con una caída del 9,1%, que eleva las pérdidas semanales al 21%. Como en otros países, el plan de rescate financiero no impidió que los grandes bancos (Santander y BBVA) cayeran un 12%. Al margen del peligro de recesión mundial y de los problemas domésticos en la construcción, los problemas recientes de América Latina -que hasta ahora había capeado bien el temporal- perjudican a las grandes empresas españolas. Brasil y México salieron ayer, otra vez, a defender sus monedas.
Los analistas bursátiles no son optimistas a corto plazo. "En una situación de pánico, de nada sirven los fundamentales, la espiral arrastra a todos los valores", explicó desde Londres Juergen Michels, de Citi.
En octubre de 1929, el pánico suicida en los mercados financieros acabó contagiando al resto de la economía, que se sumió en una gran depresión por la falta de reacción de los Gobiernos. A diferencia de entonces, tanto EE UU como los grandes Gobiernos de la eurozona y los bancos centrales de todo el mundo han empezado a reaccionar, pese a la falta de coordinación y a las dudas sobre algunas medidas de emergencia. La llave de la situación está ahora en manos del G-7. "Prepárense para un súper bazuca", vaticinaban los analistas de Citigroup.
El Pais - CLAUDI PÉREZ - Madrid - 11/10/2008
Thursday, September 18, 2008
MES – O DOCUMENTO DA RUPTURA DO GRUPO DE JORGE SAMPAIO NO I CONGRESSO (III)
Pretendia abordar, tão só, a temática dos dirigentes fundadores do MES, neste caso os que foram eleitos no I Congresso, realizado nos dias 21 e 22 de Dezembro de 1974, na Aula Magna da Cidade Universitária, de Lisboa. Mas, neste caso, terei que ser um pouco mais extenso já que o I Congresso, como é do conhecimento geral, foi marcado pela cisão protagonizada pelo grupo que viria a dar origem ao GIS (“Grupo de Intervenção Socialista”).
Esse conjunto de activistas do MES apresentaram ao Congresso um longo, e muito bem estruturado, documento intitulado: “O MES E A ACTUAL FASE DA LUTA REVOLUCIONÁRIA – AS TAREFAS IMEDIATAS DO MOVIMENTO”, datado de 30 Novembro de 1974, subscrito por Armando Trigo e Abreu, César Oliveira, Francisco Soares, Joaquim Mestre, João Benard da Costa, João Cravinho, Jorge Sampaio, José Manuel Galvão Teles e Nuno Brederode Santos.
Reli, quase 34 anos depois, com os olhos de hoje, as 39 páginas (3 delas quase ilegíveis) do documento em apreço e senti uma inesperada sensação de espanto e perplexidade acerca das razões dessa ruptura protagonizada por algumas das personalidades mais proeminentes da esquerda portuguesa.
Serei o mais breve possível, atendendo, em particular, à natureza deste meio, tomando como base desta reflexão o reencontro tardio com um documento que pairava na minha memória e que logo na apresentação toma todos os cuidados sendo apresentado, pelos seus autores, como base de uma iniciativa destinada a “contribuir para o debate interno com vista à preparação do Congresso”.
Há neste documento, pelo menos, dois aspectos a sublinhar:
1) Desde logo o seu título: “O M.E.S E A ACTUAL FASE DA LUTA REVOLUCIONÁRIA – AS TAREFAS IMEDIATAS DO MOVIMENTO” que parece denotar uma verdadeira, e autêntica, intenção de participação. No documento é apresentada uma proposta de metodologia e são avançados os temas destinados a alimentar a discussão no qual avultam dois pontos genéricos: “Análise da situação actual e as tarefas imediatas” e as “Linhas Programáticas Sectoriais”. No entanto, atentas as datas e a memória que guardo, a discussão, anterior ao Congresso, foi bastante irrelevante o que demonstra que a iniciativa deste grupo de personalidades, tendo sido precedida de um confronto prático aceso acerca do papel de um Partido de “esquerda socialista” naquele concreto “processo revolucionário”, deve ter sido encarada como uma espécie de anúncio e explicação de uma ruptura inevitável.
2) O documento surge, em qualquer caso, como uma tentativa notável, no contexto da época, de encontrar os temas e o tom para um debate sério em torno de “soluções políticas”, ou seja, das diversas alternativas de regime político que se poderiam perfilar como saída possível para a designada “actual fase da luta revolucionária”. É notório, ao longo do texto, que os autores não escaparam à utilização dos estereótipos da linguagem revolucionária nem à adopção de propostas cujo teor – à luz dos condicionalismos da época - poderiam ter sido, caso tivesse havido vontade e capacidade negocial de ambas as partes, uma boa base para a criação de um partido que teria, certamente, relevância política e eleitoral após aquele Congresso inaugural. Assim não aconteceu e, pela parte que me toca, muito me penalizo por isso.
Poder-se-á questionar, então, quais as diferenças políticas entre as duas posições que se confrontaram no I Congresso do MES e as verdadeiras razões da ruptura que se produziu para além dos aspectos meramente pessoais que, tendo existido, terão sido irrelevantes. Não vou tentar construir uma teoria acerca do assunto. Mas é de todo evidente que no período que decorreu desde as vésperas do 25 de Abril de 1974 até ao final do mês de Dezembro desse ano, data de realização do I Congresso, (os meses de uma verdadeira, e rara, “fusão” revolucionária”) se delapidou o capital de confiança, pessoal e política, que permitiria conciliar um modelo de “esquerda socialista”, inspirado no PSU, de Rocard, e um outro de “esquerda revolucionária”, influenciado pela ideologia da “democracia directa”, designada por “Poder Popular”, na linha da tradição anarco-sindicalista e dos movimentos revolucionários da América latina (Chile de Allende incluído), que pensava encontrar legitimidade no próprio curso dos acontecimentos que se viviam, freneticamente, em Portugal, sob o olhar atónito do mundo.
É claro que as propostas levadas ao debate por Jorge Sampaio, e seus companheiros, não deixavam de fazer referência ao “poder popular”, mas preocupavam-se, numa leitura mais distanciada e atenta, em atenuar a deriva revolucionária como, por exemplo, quando se escrevia no final do ponto 3), intitulado, significativamente, “As soluções políticas”:
“A eventualidade da revolução socialista em Portugal e mau grado certo desenvolvimento das forças produtivas parece afastada, pelas razões seguintes:
a) A posição que Portugal ocupa no contexto capitalista europeu e internacional, faz cair o país na órbita da esfera da influência americana e torna-o peça essencial no sistema da NATO e do imperialismo donde sairia com extrema dificuldade e necessariamente a médio ou longo prazo;
b) A ausência de memória colectiva das classes trabalhadoras e, por conseguinte, de uma consciência de classe e de organização autónomas dado, por um lado, a repressão fascista das lutas de classe e, por outro, o facto de toda a mobilização popular e luta politica se haver feito em torno da luta anti-fascista e democrática que conjugavam classes e sectores sociais com interesses objectivos diversos, o que implicou a confusão sistemática entre objectivos de luta proletária e objectivos de luta democrática.”
E este capítulo que escolhi como paradigma das dificuldades de afirmação de uma ideia de “reforma da revolução” remata com uma cautelosa, e surpreendente, solução que busca, em qualquer caso, atentos os condicionalismos da época, conciliar o inconciliável:
“Neste quadro restará questionar a viabilidade de uma solução que evitando o autoritarismo burguês e o militarismo progressista avance formas transitórias no sentido da instauração a médio ou longo prazo de um futuro regime socialista que se reconhece impossível de instituir a breve trecho.
Este projecto será revolucionário na medida em que se proporá a alteração das relações de produção substituindo a propriedade colectiva à propriedade privada mas terá de saber inserir-se no contexto específico da sociedade portuguesa actual evitando a transposição mecânica de estratégias ou modelos exteriores e a repetição verbalista de fórmulas vazias de conteúdo prático”.
O ponto 4), intitulado “A crise do reformismo e do esquerdismo”, elabora, por outro lado, uma crítica radical às orientações políticas do PS e do PCP que culmina com a rejeição da chamada “democracia burguesa”:
“O reformismo, ao defender a democracia burguesa, apoia, no fundo, a única forma possível dessa democracia: o autoritarismo burguês de fachada democrática”; critica, depois, de forma não menos radical o “esquerdismo”, ou seja, a própria essência da orientação com a qual se confrontava no seio do MES: “O esquerdismo tem a vantagem da simplicidade e os inconvenientes da abstracção”; “O esquerdismo é incapaz de propor etapas, estádios, e objectivos intermédios susceptíveis de mobilizar as massas. O esquerdismo é, assim, uma teoria apocalíptica da tomada do poder”; “O esquerdismo esquece que todo o projecto político exige uma alternativa concreta e também uma aliança de forças políticas capazes de o apoiar e levar a cabo.”
E depois de escalpelizar o reformismo e o esquerdismo conclui: “ Saber ligar a mobilização de base à luta política, a luta no local de trabalho à luta global, ou seja, encontrar a tradução na instância política das lutas de massa, é tarefa revolucionária principal das organizações políticas verdadeiramente de esquerda.”
Mas é no ponto 6) do documento, sob o título “O M.E.S. e as tarefas actuais” que, deverá ter estado o busílis da questão da ruptura política deste I Congresso. Nunca abandonando a defesa da autonomia política do M.E.S., nem o jargão revolucionário próprio da época, os autores avançam com uma proposta de um “pacto” que permitisse “agrupar um conjunto de forças políticas e organizações partidárias capazes de veicular, ao nível das instâncias políticas, a luta de massas e de traduzir politicamente essa alternativa apoiada nas massas” (…) “a constituição de um bloco de forças de esquerda não terá impacto político nem credibilidade se não for capaz de aliar as forças socialistas não dogmáticas com forças reformistas (P.C. e P. S) numa unidade de tipo popular” salvaguardando, no entanto, que “esta unidade pode não revestir a natureza de uma frente política limitando-se a um acordo sobre uma base de realizações mínimas aceitáveis pelo MFA”.
O “pacto” político a que se faz apelo, fosse qual fosse a fórmula adoptada, e a sua viabilidade prática, teria uma repercussão significativa no posicionamento do MES face às eleições que estavam no horizonte: “Julga-se que a participação eleitoral do M.E.S. se deveria fazer no âmbito do pacto político explicitado acima, agrupando um conjunto significativo de forças da esquerda, incluindo as reformistas, cujo apoio popular é inegável.
Este pacto político seria, no tocante à generalidade das forças agrupadas, um acordo de princípio salvaguardando a total autonomia política do M.E.S. e a possibilidade de explicitação da sua perspectiva revolucionária, alternativa ao reformismo e expressão da autonomia de classe do proletariado.”
Vista com o distanciamento que só a passagem do tempo permite, apesar de todas as salvaguardas, que este último parágrafo ilustra, as teses contidas nesta proposta apresentada ao I Congresso, na verdade, pouco discutida, estavam condenadas à derrota por uma maioria radicalizada sendo apelidadas de “posições oportunistas quase sempre encobertas na ambiguidade da fazer o “máximo de revolução possível”, o que sempre veio a dar em não “fazer “revolução nenhuma” [2] … originando a ruptura que designei, noutro texto, como “a primeira morte do MES”.
[1] A Joana Lopes teve a amabilidade de me enviar uma cópia em papel desse documento pois, na verdade, não o tinha na minha posse.
[2] In “Relatório da Comissão Política ao II Congresso – 13, 14 e 15 de Fevereiro de 1976.
Esse conjunto de activistas do MES apresentaram ao Congresso um longo, e muito bem estruturado, documento intitulado: “O MES E A ACTUAL FASE DA LUTA REVOLUCIONÁRIA – AS TAREFAS IMEDIATAS DO MOVIMENTO”, datado de 30 Novembro de 1974, subscrito por Armando Trigo e Abreu, César Oliveira, Francisco Soares, Joaquim Mestre, João Benard da Costa, João Cravinho, Jorge Sampaio, José Manuel Galvão Teles e Nuno Brederode Santos.
Reli, quase 34 anos depois, com os olhos de hoje, as 39 páginas (3 delas quase ilegíveis) do documento em apreço e senti uma inesperada sensação de espanto e perplexidade acerca das razões dessa ruptura protagonizada por algumas das personalidades mais proeminentes da esquerda portuguesa.
Serei o mais breve possível, atendendo, em particular, à natureza deste meio, tomando como base desta reflexão o reencontro tardio com um documento que pairava na minha memória e que logo na apresentação toma todos os cuidados sendo apresentado, pelos seus autores, como base de uma iniciativa destinada a “contribuir para o debate interno com vista à preparação do Congresso”.
Há neste documento, pelo menos, dois aspectos a sublinhar:
1) Desde logo o seu título: “O M.E.S E A ACTUAL FASE DA LUTA REVOLUCIONÁRIA – AS TAREFAS IMEDIATAS DO MOVIMENTO” que parece denotar uma verdadeira, e autêntica, intenção de participação. No documento é apresentada uma proposta de metodologia e são avançados os temas destinados a alimentar a discussão no qual avultam dois pontos genéricos: “Análise da situação actual e as tarefas imediatas” e as “Linhas Programáticas Sectoriais”. No entanto, atentas as datas e a memória que guardo, a discussão, anterior ao Congresso, foi bastante irrelevante o que demonstra que a iniciativa deste grupo de personalidades, tendo sido precedida de um confronto prático aceso acerca do papel de um Partido de “esquerda socialista” naquele concreto “processo revolucionário”, deve ter sido encarada como uma espécie de anúncio e explicação de uma ruptura inevitável.
2) O documento surge, em qualquer caso, como uma tentativa notável, no contexto da época, de encontrar os temas e o tom para um debate sério em torno de “soluções políticas”, ou seja, das diversas alternativas de regime político que se poderiam perfilar como saída possível para a designada “actual fase da luta revolucionária”. É notório, ao longo do texto, que os autores não escaparam à utilização dos estereótipos da linguagem revolucionária nem à adopção de propostas cujo teor – à luz dos condicionalismos da época - poderiam ter sido, caso tivesse havido vontade e capacidade negocial de ambas as partes, uma boa base para a criação de um partido que teria, certamente, relevância política e eleitoral após aquele Congresso inaugural. Assim não aconteceu e, pela parte que me toca, muito me penalizo por isso.
Poder-se-á questionar, então, quais as diferenças políticas entre as duas posições que se confrontaram no I Congresso do MES e as verdadeiras razões da ruptura que se produziu para além dos aspectos meramente pessoais que, tendo existido, terão sido irrelevantes. Não vou tentar construir uma teoria acerca do assunto. Mas é de todo evidente que no período que decorreu desde as vésperas do 25 de Abril de 1974 até ao final do mês de Dezembro desse ano, data de realização do I Congresso, (os meses de uma verdadeira, e rara, “fusão” revolucionária”) se delapidou o capital de confiança, pessoal e política, que permitiria conciliar um modelo de “esquerda socialista”, inspirado no PSU, de Rocard, e um outro de “esquerda revolucionária”, influenciado pela ideologia da “democracia directa”, designada por “Poder Popular”, na linha da tradição anarco-sindicalista e dos movimentos revolucionários da América latina (Chile de Allende incluído), que pensava encontrar legitimidade no próprio curso dos acontecimentos que se viviam, freneticamente, em Portugal, sob o olhar atónito do mundo.
É claro que as propostas levadas ao debate por Jorge Sampaio, e seus companheiros, não deixavam de fazer referência ao “poder popular”, mas preocupavam-se, numa leitura mais distanciada e atenta, em atenuar a deriva revolucionária como, por exemplo, quando se escrevia no final do ponto 3), intitulado, significativamente, “As soluções políticas”:
“A eventualidade da revolução socialista em Portugal e mau grado certo desenvolvimento das forças produtivas parece afastada, pelas razões seguintes:
a) A posição que Portugal ocupa no contexto capitalista europeu e internacional, faz cair o país na órbita da esfera da influência americana e torna-o peça essencial no sistema da NATO e do imperialismo donde sairia com extrema dificuldade e necessariamente a médio ou longo prazo;
b) A ausência de memória colectiva das classes trabalhadoras e, por conseguinte, de uma consciência de classe e de organização autónomas dado, por um lado, a repressão fascista das lutas de classe e, por outro, o facto de toda a mobilização popular e luta politica se haver feito em torno da luta anti-fascista e democrática que conjugavam classes e sectores sociais com interesses objectivos diversos, o que implicou a confusão sistemática entre objectivos de luta proletária e objectivos de luta democrática.”
E este capítulo que escolhi como paradigma das dificuldades de afirmação de uma ideia de “reforma da revolução” remata com uma cautelosa, e surpreendente, solução que busca, em qualquer caso, atentos os condicionalismos da época, conciliar o inconciliável:
“Neste quadro restará questionar a viabilidade de uma solução que evitando o autoritarismo burguês e o militarismo progressista avance formas transitórias no sentido da instauração a médio ou longo prazo de um futuro regime socialista que se reconhece impossível de instituir a breve trecho.
Este projecto será revolucionário na medida em que se proporá a alteração das relações de produção substituindo a propriedade colectiva à propriedade privada mas terá de saber inserir-se no contexto específico da sociedade portuguesa actual evitando a transposição mecânica de estratégias ou modelos exteriores e a repetição verbalista de fórmulas vazias de conteúdo prático”.
O ponto 4), intitulado “A crise do reformismo e do esquerdismo”, elabora, por outro lado, uma crítica radical às orientações políticas do PS e do PCP que culmina com a rejeição da chamada “democracia burguesa”:
“O reformismo, ao defender a democracia burguesa, apoia, no fundo, a única forma possível dessa democracia: o autoritarismo burguês de fachada democrática”; critica, depois, de forma não menos radical o “esquerdismo”, ou seja, a própria essência da orientação com a qual se confrontava no seio do MES: “O esquerdismo tem a vantagem da simplicidade e os inconvenientes da abstracção”; “O esquerdismo é incapaz de propor etapas, estádios, e objectivos intermédios susceptíveis de mobilizar as massas. O esquerdismo é, assim, uma teoria apocalíptica da tomada do poder”; “O esquerdismo esquece que todo o projecto político exige uma alternativa concreta e também uma aliança de forças políticas capazes de o apoiar e levar a cabo.”
E depois de escalpelizar o reformismo e o esquerdismo conclui: “ Saber ligar a mobilização de base à luta política, a luta no local de trabalho à luta global, ou seja, encontrar a tradução na instância política das lutas de massa, é tarefa revolucionária principal das organizações políticas verdadeiramente de esquerda.”
Mas é no ponto 6) do documento, sob o título “O M.E.S. e as tarefas actuais” que, deverá ter estado o busílis da questão da ruptura política deste I Congresso. Nunca abandonando a defesa da autonomia política do M.E.S., nem o jargão revolucionário próprio da época, os autores avançam com uma proposta de um “pacto” que permitisse “agrupar um conjunto de forças políticas e organizações partidárias capazes de veicular, ao nível das instâncias políticas, a luta de massas e de traduzir politicamente essa alternativa apoiada nas massas” (…) “a constituição de um bloco de forças de esquerda não terá impacto político nem credibilidade se não for capaz de aliar as forças socialistas não dogmáticas com forças reformistas (P.C. e P. S) numa unidade de tipo popular” salvaguardando, no entanto, que “esta unidade pode não revestir a natureza de uma frente política limitando-se a um acordo sobre uma base de realizações mínimas aceitáveis pelo MFA”.
O “pacto” político a que se faz apelo, fosse qual fosse a fórmula adoptada, e a sua viabilidade prática, teria uma repercussão significativa no posicionamento do MES face às eleições que estavam no horizonte: “Julga-se que a participação eleitoral do M.E.S. se deveria fazer no âmbito do pacto político explicitado acima, agrupando um conjunto significativo de forças da esquerda, incluindo as reformistas, cujo apoio popular é inegável.
Este pacto político seria, no tocante à generalidade das forças agrupadas, um acordo de princípio salvaguardando a total autonomia política do M.E.S. e a possibilidade de explicitação da sua perspectiva revolucionária, alternativa ao reformismo e expressão da autonomia de classe do proletariado.”
Vista com o distanciamento que só a passagem do tempo permite, apesar de todas as salvaguardas, que este último parágrafo ilustra, as teses contidas nesta proposta apresentada ao I Congresso, na verdade, pouco discutida, estavam condenadas à derrota por uma maioria radicalizada sendo apelidadas de “posições oportunistas quase sempre encobertas na ambiguidade da fazer o “máximo de revolução possível”, o que sempre veio a dar em não “fazer “revolução nenhuma” [2] … originando a ruptura que designei, noutro texto, como “a primeira morte do MES”.
[1] A Joana Lopes teve a amabilidade de me enviar uma cópia em papel desse documento pois, na verdade, não o tinha na minha posse.
[2] In “Relatório da Comissão Política ao II Congresso – 13, 14 e 15 de Fevereiro de 1976.
Wednesday, September 03, 2008
Sócrates visita escolas em obras e fica com sensação de que chegou "tarde"
O programa de modernização do secundário foi lançado há um ano. Sócrates visitou estabelecimentos de ensino onde os trabalhos estão finalmente a começar
Há operários de capacete a trabalhar, muitos móveis e mesas foram empilhados, salas de paredes bolorentas estão vazias. O ano lectivo está prestes a arrancar, mas nas escolas secundárias Filipa de Lencastre, Passos Manuel e Pedro Nunes, em Lisboa, nunca começou assim. Nos pátios e recreios foram colocados contentores onde algumas aulas vão acontecer à medida que as obras de remodelação que por estes dias estão a começar forem avançado nos edifícios.
A sensação de estaleiro tem uma explicação: "Queremos construir escolas do nosso tempo", disse Sócrates que, já no final, admitiria que "a sensação que temos é que já vamos tarde". O primeiro-ministro visitou ontem os três antigos liceus. E ficou "espantado" com o estado "deprimente" a que o parque escolar chegou. Com o périplo pelos estabelecimentos de Lisboa, assinalou o início da primeira fase do Programa de Modernização das Escolas com Ensino Secundário que foi lançado há mais de um ano com um objectivo: "Requalificar e modernizar", até 2015, 330 escolas. "Esta é talvez a melhor forma de começar o ano lectivo", diria, a certa altura, o primeiro-ministro, durante uma visita em que toda a comitiva se deslocou de escola para escola em autocarros fretados.
Logo pela manhã, a ministra da educação, Maria de Lurdes Rodrigues, antecipava o discurso optimista: "[Este] é um ano em que teremos mais cursos profissionais, mais investimento nas escolas, mais apoio para as famílias...", declarava à TSF
Na primeira fase do Programa de Modernização são 26 os estabelecimentos alvo de intervenção, 11 dos quais em Lisboa e Vale do Tejo. O que implica um investimento de 209 milhões. Mas implica também alguma paciência de alunos e professores. "Não vai ser fácil", dizia Manuela Sena, presidente da comissão instaladora da Filipa de Lencastre. É que as aulas não serão interrompidas, apesar de muitas das obras serem profundas, eventualmente ruidosas, e poderem prolongar-se por 16 meses.
Chove "como na rua"Para já, o investimento é de 209 milhões de euros e beneficiará 32 mil alunos. Sócrates diz que a comunidade escolar está mobilizada. Até porque trabalhou, nos últimos meses, com os arquitectos, na definição dos projectos de intervenção. "Demorou mais tempo" do que era suposto, reconheceu. "Mas ficou melhor."Na Secundária com Ensino Básico Pedro Nunes, Sócrates viveu a primeira surpresa do dia. Perante um recreio cheio de contentores brancos, Sintra Nunes, director da Parque Escolar EPE (a entidade que tem por missão concretizar o Programa de Modernização), explicou ao primeiro-ministro que nas 26 escolas há 240 contentores assim: "São os monovolumes onde vai haver aulas à medida que a intervenção vai sendo feita".
Sócrates supreendeu--se: "Pensava que fossem contentores para as obras." Engano. Não só não são meros "contentores para as obras", como, explicou-lhe Maria de Lurdes Rodrigues, são salas de aula "do melhor" e muito apreciadas. De resto, já houve quatro escolas que, a título de fase experimental do Programa de Modernização, foram sujeitas a intervenções e estão prestes a abrir portas quando a 15 de Setembro as aulas começarem.
A saber: Escola Secundária Rodrigues de Freitas e Escola Soares dos Reis, no Porto, e Secundária D. Dinis e Pólo de Educação D. João de Castro, em Lisboa.Seja como for, todos os eventuais incómodos que resultem das obras valem a pena, acredita o Governo. E o presidente da Câmara Municipal de Lisboa, António Costa, que dizia, enquanto olhava para uma grande mancha de humidade no tecto de uma sala de aula, que "o estado do parque escolar é catastrófico".
Nas salas da Filipa de Lencastre, por exemplo, chove durante o Inverno "como na rua" (expressão de uma professora), a humidade tomou conta das paredes, os fios eléctricos estão à vista. E no Passos Manuel e no Pedro Nunes, que abriram as portas em 1911, ainda há equipamentos que nunca foram substituídos."Educação é a prioridade""Queremos fazer uma escola que represente um orgulho para os portugueses", afirmou depois da apresentação dos objectivos do Programa de Modernização: melhorar as condições, o conforto, os laboratórios, as oficinas, garantir a eficiência energética dos edifícios. "A Educação é a prioridade das prioridades ao nível das políticas públicas", frisou. Até ao ano passado só 26 por cento dos fundos comunitários estavam dedicados à Educação "e, neste momento, são 37 por cento".
"Todas as escolas do país que precisem de obras de requalificação vão tê-las", disse. Para o ano, arrancam outros projectos, em mais 75 escolas, que envolverão mais de 536 milhões de euros. "Não estamos a tapar buracos", garantiu o primeiro-ministro. "O desafio é requalificar", mantendo a identidade destas escolas. No Pedro Nunes, por exemplo, haverá um novo polidesportivo coberto e um novo edifício central com cinco laboratórios e salas para tecnologias de informação e comunicação.
Na Filipa de Lencastre as obras estendem-se às duas escolas de 1.º ciclo das redondezas, com o financiamento da câmara municipal, e duplicam a sua área. Um exemplo que Maria de Lurdes Rodrigues gostaria de ver disseminado porque "o ministério preocupa-se com todos os alunos", independentemente de serem de escolas que estão sob a alçada das câmaras ou da administração central.
Público - 03.09.2008, Andreia Sanches
Há operários de capacete a trabalhar, muitos móveis e mesas foram empilhados, salas de paredes bolorentas estão vazias. O ano lectivo está prestes a arrancar, mas nas escolas secundárias Filipa de Lencastre, Passos Manuel e Pedro Nunes, em Lisboa, nunca começou assim. Nos pátios e recreios foram colocados contentores onde algumas aulas vão acontecer à medida que as obras de remodelação que por estes dias estão a começar forem avançado nos edifícios.
A sensação de estaleiro tem uma explicação: "Queremos construir escolas do nosso tempo", disse Sócrates que, já no final, admitiria que "a sensação que temos é que já vamos tarde". O primeiro-ministro visitou ontem os três antigos liceus. E ficou "espantado" com o estado "deprimente" a que o parque escolar chegou. Com o périplo pelos estabelecimentos de Lisboa, assinalou o início da primeira fase do Programa de Modernização das Escolas com Ensino Secundário que foi lançado há mais de um ano com um objectivo: "Requalificar e modernizar", até 2015, 330 escolas. "Esta é talvez a melhor forma de começar o ano lectivo", diria, a certa altura, o primeiro-ministro, durante uma visita em que toda a comitiva se deslocou de escola para escola em autocarros fretados.
Logo pela manhã, a ministra da educação, Maria de Lurdes Rodrigues, antecipava o discurso optimista: "[Este] é um ano em que teremos mais cursos profissionais, mais investimento nas escolas, mais apoio para as famílias...", declarava à TSF
Na primeira fase do Programa de Modernização são 26 os estabelecimentos alvo de intervenção, 11 dos quais em Lisboa e Vale do Tejo. O que implica um investimento de 209 milhões. Mas implica também alguma paciência de alunos e professores. "Não vai ser fácil", dizia Manuela Sena, presidente da comissão instaladora da Filipa de Lencastre. É que as aulas não serão interrompidas, apesar de muitas das obras serem profundas, eventualmente ruidosas, e poderem prolongar-se por 16 meses.
Chove "como na rua"Para já, o investimento é de 209 milhões de euros e beneficiará 32 mil alunos. Sócrates diz que a comunidade escolar está mobilizada. Até porque trabalhou, nos últimos meses, com os arquitectos, na definição dos projectos de intervenção. "Demorou mais tempo" do que era suposto, reconheceu. "Mas ficou melhor."Na Secundária com Ensino Básico Pedro Nunes, Sócrates viveu a primeira surpresa do dia. Perante um recreio cheio de contentores brancos, Sintra Nunes, director da Parque Escolar EPE (a entidade que tem por missão concretizar o Programa de Modernização), explicou ao primeiro-ministro que nas 26 escolas há 240 contentores assim: "São os monovolumes onde vai haver aulas à medida que a intervenção vai sendo feita".
Sócrates supreendeu--se: "Pensava que fossem contentores para as obras." Engano. Não só não são meros "contentores para as obras", como, explicou-lhe Maria de Lurdes Rodrigues, são salas de aula "do melhor" e muito apreciadas. De resto, já houve quatro escolas que, a título de fase experimental do Programa de Modernização, foram sujeitas a intervenções e estão prestes a abrir portas quando a 15 de Setembro as aulas começarem.
A saber: Escola Secundária Rodrigues de Freitas e Escola Soares dos Reis, no Porto, e Secundária D. Dinis e Pólo de Educação D. João de Castro, em Lisboa.Seja como for, todos os eventuais incómodos que resultem das obras valem a pena, acredita o Governo. E o presidente da Câmara Municipal de Lisboa, António Costa, que dizia, enquanto olhava para uma grande mancha de humidade no tecto de uma sala de aula, que "o estado do parque escolar é catastrófico".
Nas salas da Filipa de Lencastre, por exemplo, chove durante o Inverno "como na rua" (expressão de uma professora), a humidade tomou conta das paredes, os fios eléctricos estão à vista. E no Passos Manuel e no Pedro Nunes, que abriram as portas em 1911, ainda há equipamentos que nunca foram substituídos."Educação é a prioridade""Queremos fazer uma escola que represente um orgulho para os portugueses", afirmou depois da apresentação dos objectivos do Programa de Modernização: melhorar as condições, o conforto, os laboratórios, as oficinas, garantir a eficiência energética dos edifícios. "A Educação é a prioridade das prioridades ao nível das políticas públicas", frisou. Até ao ano passado só 26 por cento dos fundos comunitários estavam dedicados à Educação "e, neste momento, são 37 por cento".
"Todas as escolas do país que precisem de obras de requalificação vão tê-las", disse. Para o ano, arrancam outros projectos, em mais 75 escolas, que envolverão mais de 536 milhões de euros. "Não estamos a tapar buracos", garantiu o primeiro-ministro. "O desafio é requalificar", mantendo a identidade destas escolas. No Pedro Nunes, por exemplo, haverá um novo polidesportivo coberto e um novo edifício central com cinco laboratórios e salas para tecnologias de informação e comunicação.
Na Filipa de Lencastre as obras estendem-se às duas escolas de 1.º ciclo das redondezas, com o financiamento da câmara municipal, e duplicam a sua área. Um exemplo que Maria de Lurdes Rodrigues gostaria de ver disseminado porque "o ministério preocupa-se com todos os alunos", independentemente de serem de escolas que estão sob a alçada das câmaras ou da administração central.
Público - 03.09.2008, Andreia Sanches
Wednesday, July 16, 2008
1932- 2008 - Bronislaw Geremek - O polaco que queria "fazer os europeus"
Judeu do gueto de Varsóvia, historiador dos marginais da Idade Média, foi comunista e depois estratego da transição democrática polaca. Foi sobretudo um "europeu". Dedicou a parte final da vida à luta contra os demónios dos nacionalismos e por uma Europa dos cidadãos
A biografia de Bronislaw Geremek, "Bronek" para os amigos, é uma ponte entre o século passado e o presente, o caminho que conduz do gueto de Varsóvia ao Parlamento Europeu ou que ilustra, disse alguém, a fundação da Europa dos 27 sobre as cinzas de Auschwitz. Polaco, judeu, historiador, comunista, dissidente, estratego da transição de 1989, ministro, eurodeputado, terá sido sempre, e sobretudo, um "intelectual comprometido".
O seu percurso deve ser narrado a partir do fim. Geremek, 76 anos, morreu no domingo, numa estrada polaca, a caminho de Bruxelas. Depois de ter vivido uma vida em contramão, o Mercedes que conduzia saiu subitamente da sua faixa e foi colidir com uma carrinha. Geremek apagou-se imediatamente. Os passageiros da FIAT Ducato ficaram feridos. A polícia ignora se houve falha mecânica ou uma perda de consciência.
O historiador Nasceu em Varsóvia em 1932, filho de um rabi, que veio a morrer em Auschwitz. Passou a infância no gueto de Varsóvia, de onde fugiu pela mão da mãe, em 1943. Teve um segundo pai, um agricultor católico, que o educou. Formou-se em História na Universidade de Varsóvia, fez o doutoramento e passou a ensinar na Academia das Ciências.
Medievalista, cedo elegeu o seu tema de investigação: pobres, vagabundos, delinquentes, prostitutas, os mecanismos sociais da caridade, do controlo e da exclusão.Estudou em Paris, com bolsas francesas, integrando-se na escola dos Annales. Foi discípulo de Fernand Braudel e amigo de Georges Duby e Jacques Le Goff. Defenderá, em 1972, uma segunda tese: Marginais parisienses nos séculos XIV e XV. Seguem-se Inúteis no mundo. Vagabundos e marginais na Europa nos séculos XIV e XV; A Piedade e a Forca. História da Miséria e da Caridade na Europa (tradução portuguesa, Terramar); ou Os Filhos de Caim. Imagens dos pobres e dos vagabundos na literatura dos século XV ao XVII. Investigará até ao fim da vida. Em 1993, ocupa uma cadeira no Collège de France.
Nos anos 1990 é eleito para várias academias. O político Marxista, Geremek adere ao Partido Socialista Unificado da Polónia (POUP, comunista) na universidade, em 1950. Só em 1968 rompe com o partido, em plena revolta dos estudantes polacos, perante a vaga de anti-semitismo lançada pelo ministro do Interior, general Moczar, e a soviética invasão da Checoslováquia.
No fim dos anos 70, colabora com o Comité de Defesa dos Operários (KOR), animado por Adam Michnik e Jacek Kuron. Não se limitam à luta contra a repressão que se seguiu às greves de 1970, promovem também uma "universidade itinerante", a primeira tentativa de aliar intelectuais e operários, que antecipará a aliança de 1980 em Gdansk.Gdansk, exactamente.
O medievalista é um dos portadores da declaração de 64 grandes intelectuais polacos de apoio aos grevistas do Estaleiro Lenine, onde se destaca o electricista Lech Walesa. Nasce o Solidariedade, o primeiro sindicato livre do bloco soviético. Michnik falou na era dos "três milagres". A visita de João Paulo II, em 1979, em que disse aos polacos: "Não tenhais medo!" e "E o povo deixou de ter medo." Foi o Prémio Nobel para o escritor Czeslaw Milosz. E, por fim, Walesa e o Solidariedade.
Em Dezembro de 1981, o general Jaruzelski decreta o estado de sítio e encerra o Solidariedade em nome do "mal menor", a ameaça de invasão soviética. Geremek será preso, várias vezes. Expulso da Academia das Ciências por "anti-sovietismo", ensina num instituto de jesuítas. A Rádio Varsóvia trata-o de forma simpática: "judeu chauvinista", ligado à "franco-maçonaria internacional", especialista de "assuntos escabrosos como a prostituição" na Idade Média. Ironia: três décadas mais tarde, a católica e integrista Radio Mariya repete os mesmos insultos.
No fim dos anos 80, o regime comunista não tem saída. A evolução da perestroika de Gorbatchov e um poderoso movimento social levam os intelectuais do Solidariedade a imaginar uma "transição pacífica". A 6 de Fevereiro, inicia-se a negociação da "Mesa Redonda". A 5 de Abril, há o acordo sobre o pluralismo sindical e, a 5 de Maio, um acordo político que prevê eleições "semi-livres": a oposição poderá concorrer a 35 dos lugares da Dieta e a todo o Senado.
O Solidariedade elege todos os 35 deputados e 99 dos 100 senadores. O primeiro governo democrático desde a guerra, chefiado por Tadeusz Mazowiecki, toma posse em Agosto. A Polónia arrasta a Hungria. Quando esta abre as fronteiras, os alemães de Leste "viajam" em massa. O Muro de Berlim cai na madrugada de 12 de Novembro.
Em Praga, a "Revolução de Veludo" coloca Vaclav Havel na Presidência da República. Geremek, Michnik, Kuron e Mazowiecki foram os teóricos desta revolução da "sociedade civil" e da "resistência moral" contra um partido e um Estado que detinham o monopólio da força política e militar mas eram "uma vasta máquina vulnerável" porque tinham perdido toda a legitimidade.
Foi um compromisso, uma transição sem sangue e sem vingança. Realizava-se a profecia do medievalista no momento da assinatura dos acordos de Gdansk em Agosto de 1980: "A originalidade da situação polaca é que torna indispensável o impossível."O europeu é um dos fundadores do partido União das Liberdades, liderado por Mazowiecki.
Deputado, será um dos autores da nova Constituição. Rapidamente entram em colisão com Walesa. A segunda etapa da vida política de Geremek começa em 1997, quando é nomeado ministro dos Negócios Estrangeiros, no governo de Jerzy Buzek. A meta passa a ser a rápida integração na União Europeia. Quando o governo cai, em Dezembro de 2000, já as negociações estão avançadas.
Não cessará de batalhar contra as muitas resistências ao alargamento, os egoísmos e temores dos grandes e pequenos Estados, que menosprezam a "dimensão histórica" da reunificação da Europa. Advertiu, em 1999, numa entrevista ao PÚBLICO: "Tenho a impressão de que a Europa não consegue perceber os efeitos nocivos da sua inacção - que a Europa tem medo de si própria. (...) Hoje assistimos à reaparição na cena europeia da noção de interesse nacional como referência principal. Para usar termos menos delicados, ao ressurgimento do espírito nacionalista na política europeia, que tem como resultado o predomínio do egoísmo nacional sobre a solidariedade europeia."
A Polónia entra na UE em 2004, ano em que Geremek é eleito eurodeputado. Há um movimento para o eleger presidente do Parlamento Europeu - uma grande figura europeia no ano simbólico do alargamento ao Leste. Mas socialistas e conservadores tinham outra contabilidade e optaram pelo catalão Josep Borrell. Continuou a luta contra os demónios da Polónia e da Europa.
Em 2007, reassume a condição de dissidente na Polónia, denunciando a "lei da lustração" imposta pelos gémeos Kaczynski. "A lei da lustração (...) engendra uma espécie de 'ministério da verdade' e uma 'polícia da memória'. Desarma o cidadão perante as campanhas de calúnia (...) e suscita um sentimento de inquietação e de completa dependência perante o poder." Não assina a declaração sobre as relações com a antiga polícia comunista e os Kaczynski tentam retirar-lhe o mandato. Mas o Supremo Tribunal polaco deu-lhe razão.
Quanto à Europa, obcecava-o a relação entre as nações e com os cidadãos. Após o "não" da Irlanda, reafirmou "a urgência de abandonar o princípio da unanimidade", que bloqueia a dimensão política da Europa, sublinhando ao mesmo tempo que "a Europa unida deve ser a dos cidadãos". Contra os referendos "plebiscitários", propunha "uma consulta popular europeia", após debate geral nos 27 países, com uma só questão: "Quer mudar o sistema de voto na UE?". "Não se deve temer o povo, antes o populismo que explora a ausência do povo na cena política."
Resumiu no prefácio de Visions d'Europe (2007): "Depois de termos feito a Europa, devemos agora fazer os europeus. Senão, corremos o risco de a perder."
Jorge Almeida Fernandes
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A biografia de Bronislaw Geremek, "Bronek" para os amigos, é uma ponte entre o século passado e o presente, o caminho que conduz do gueto de Varsóvia ao Parlamento Europeu ou que ilustra, disse alguém, a fundação da Europa dos 27 sobre as cinzas de Auschwitz. Polaco, judeu, historiador, comunista, dissidente, estratego da transição de 1989, ministro, eurodeputado, terá sido sempre, e sobretudo, um "intelectual comprometido".
O seu percurso deve ser narrado a partir do fim. Geremek, 76 anos, morreu no domingo, numa estrada polaca, a caminho de Bruxelas. Depois de ter vivido uma vida em contramão, o Mercedes que conduzia saiu subitamente da sua faixa e foi colidir com uma carrinha. Geremek apagou-se imediatamente. Os passageiros da FIAT Ducato ficaram feridos. A polícia ignora se houve falha mecânica ou uma perda de consciência.
O historiador Nasceu em Varsóvia em 1932, filho de um rabi, que veio a morrer em Auschwitz. Passou a infância no gueto de Varsóvia, de onde fugiu pela mão da mãe, em 1943. Teve um segundo pai, um agricultor católico, que o educou. Formou-se em História na Universidade de Varsóvia, fez o doutoramento e passou a ensinar na Academia das Ciências.
Medievalista, cedo elegeu o seu tema de investigação: pobres, vagabundos, delinquentes, prostitutas, os mecanismos sociais da caridade, do controlo e da exclusão.Estudou em Paris, com bolsas francesas, integrando-se na escola dos Annales. Foi discípulo de Fernand Braudel e amigo de Georges Duby e Jacques Le Goff. Defenderá, em 1972, uma segunda tese: Marginais parisienses nos séculos XIV e XV. Seguem-se Inúteis no mundo. Vagabundos e marginais na Europa nos séculos XIV e XV; A Piedade e a Forca. História da Miséria e da Caridade na Europa (tradução portuguesa, Terramar); ou Os Filhos de Caim. Imagens dos pobres e dos vagabundos na literatura dos século XV ao XVII. Investigará até ao fim da vida. Em 1993, ocupa uma cadeira no Collège de France.
Nos anos 1990 é eleito para várias academias. O político Marxista, Geremek adere ao Partido Socialista Unificado da Polónia (POUP, comunista) na universidade, em 1950. Só em 1968 rompe com o partido, em plena revolta dos estudantes polacos, perante a vaga de anti-semitismo lançada pelo ministro do Interior, general Moczar, e a soviética invasão da Checoslováquia.
No fim dos anos 70, colabora com o Comité de Defesa dos Operários (KOR), animado por Adam Michnik e Jacek Kuron. Não se limitam à luta contra a repressão que se seguiu às greves de 1970, promovem também uma "universidade itinerante", a primeira tentativa de aliar intelectuais e operários, que antecipará a aliança de 1980 em Gdansk.Gdansk, exactamente.
O medievalista é um dos portadores da declaração de 64 grandes intelectuais polacos de apoio aos grevistas do Estaleiro Lenine, onde se destaca o electricista Lech Walesa. Nasce o Solidariedade, o primeiro sindicato livre do bloco soviético. Michnik falou na era dos "três milagres". A visita de João Paulo II, em 1979, em que disse aos polacos: "Não tenhais medo!" e "E o povo deixou de ter medo." Foi o Prémio Nobel para o escritor Czeslaw Milosz. E, por fim, Walesa e o Solidariedade.
Em Dezembro de 1981, o general Jaruzelski decreta o estado de sítio e encerra o Solidariedade em nome do "mal menor", a ameaça de invasão soviética. Geremek será preso, várias vezes. Expulso da Academia das Ciências por "anti-sovietismo", ensina num instituto de jesuítas. A Rádio Varsóvia trata-o de forma simpática: "judeu chauvinista", ligado à "franco-maçonaria internacional", especialista de "assuntos escabrosos como a prostituição" na Idade Média. Ironia: três décadas mais tarde, a católica e integrista Radio Mariya repete os mesmos insultos.
No fim dos anos 80, o regime comunista não tem saída. A evolução da perestroika de Gorbatchov e um poderoso movimento social levam os intelectuais do Solidariedade a imaginar uma "transição pacífica". A 6 de Fevereiro, inicia-se a negociação da "Mesa Redonda". A 5 de Abril, há o acordo sobre o pluralismo sindical e, a 5 de Maio, um acordo político que prevê eleições "semi-livres": a oposição poderá concorrer a 35 dos lugares da Dieta e a todo o Senado.
O Solidariedade elege todos os 35 deputados e 99 dos 100 senadores. O primeiro governo democrático desde a guerra, chefiado por Tadeusz Mazowiecki, toma posse em Agosto. A Polónia arrasta a Hungria. Quando esta abre as fronteiras, os alemães de Leste "viajam" em massa. O Muro de Berlim cai na madrugada de 12 de Novembro.
Em Praga, a "Revolução de Veludo" coloca Vaclav Havel na Presidência da República. Geremek, Michnik, Kuron e Mazowiecki foram os teóricos desta revolução da "sociedade civil" e da "resistência moral" contra um partido e um Estado que detinham o monopólio da força política e militar mas eram "uma vasta máquina vulnerável" porque tinham perdido toda a legitimidade.
Foi um compromisso, uma transição sem sangue e sem vingança. Realizava-se a profecia do medievalista no momento da assinatura dos acordos de Gdansk em Agosto de 1980: "A originalidade da situação polaca é que torna indispensável o impossível."O europeu é um dos fundadores do partido União das Liberdades, liderado por Mazowiecki.
Deputado, será um dos autores da nova Constituição. Rapidamente entram em colisão com Walesa. A segunda etapa da vida política de Geremek começa em 1997, quando é nomeado ministro dos Negócios Estrangeiros, no governo de Jerzy Buzek. A meta passa a ser a rápida integração na União Europeia. Quando o governo cai, em Dezembro de 2000, já as negociações estão avançadas.
Não cessará de batalhar contra as muitas resistências ao alargamento, os egoísmos e temores dos grandes e pequenos Estados, que menosprezam a "dimensão histórica" da reunificação da Europa. Advertiu, em 1999, numa entrevista ao PÚBLICO: "Tenho a impressão de que a Europa não consegue perceber os efeitos nocivos da sua inacção - que a Europa tem medo de si própria. (...) Hoje assistimos à reaparição na cena europeia da noção de interesse nacional como referência principal. Para usar termos menos delicados, ao ressurgimento do espírito nacionalista na política europeia, que tem como resultado o predomínio do egoísmo nacional sobre a solidariedade europeia."
A Polónia entra na UE em 2004, ano em que Geremek é eleito eurodeputado. Há um movimento para o eleger presidente do Parlamento Europeu - uma grande figura europeia no ano simbólico do alargamento ao Leste. Mas socialistas e conservadores tinham outra contabilidade e optaram pelo catalão Josep Borrell. Continuou a luta contra os demónios da Polónia e da Europa.
Em 2007, reassume a condição de dissidente na Polónia, denunciando a "lei da lustração" imposta pelos gémeos Kaczynski. "A lei da lustração (...) engendra uma espécie de 'ministério da verdade' e uma 'polícia da memória'. Desarma o cidadão perante as campanhas de calúnia (...) e suscita um sentimento de inquietação e de completa dependência perante o poder." Não assina a declaração sobre as relações com a antiga polícia comunista e os Kaczynski tentam retirar-lhe o mandato. Mas o Supremo Tribunal polaco deu-lhe razão.
Quanto à Europa, obcecava-o a relação entre as nações e com os cidadãos. Após o "não" da Irlanda, reafirmou "a urgência de abandonar o princípio da unanimidade", que bloqueia a dimensão política da Europa, sublinhando ao mesmo tempo que "a Europa unida deve ser a dos cidadãos". Contra os referendos "plebiscitários", propunha "uma consulta popular europeia", após debate geral nos 27 países, com uma só questão: "Quer mudar o sistema de voto na UE?". "Não se deve temer o povo, antes o populismo que explora a ausência do povo na cena política."
Resumiu no prefácio de Visions d'Europe (2007): "Depois de termos feito a Europa, devemos agora fazer os europeus. Senão, corremos o risco de a perder."
Jorge Almeida Fernandes
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Tuesday, July 15, 2008
BANCO DE PORTUGAL - Boletim Económico | Verão 2008
8. CONCLUSÃO
As actuais projecções apontam para um fraco crescimento da economia portuguesa em 2008 e 2009, contemplando desta forma a interrupção do processo de recuperação gradual da actividade económica verificado nos anos anteriores, o qual tinha sido caracterizado por uma evolução mais favorável das exportações a partir de 2006 e por uma expressiva aceleração do investimento em 2007.
Na segunda metade de 2007, ocorreram vários choques de origem externa, nomeadamente a eclosão de uma turbulência sem precedentes nos mercados financeiros internacionais, associada a uma rápida e significativa reavaliação do risco pelos investi dores. As indicações mais recentes apontam para uma maior persistência desta situação de turbulência face ao inicialmente esperado, afectando em especial a evolução dos mercados de exportação e as condições de financiamento dos agentes económicos. Ao mesmo tempo, verificou-se uma intensificação do aumento do preço do petróleo nos mercados internacionais, para níveis historicamente elevados em termos nominais e reais.
Neste contexto, as actuais projecções reflectem, por um lado, a deterioração dos indicadores disponíveis para a primeira metade de 2008, não só os relaciona dos com a evolução da confiança dos agentes económicos como também os indicadores de natureza quantitativa relativos às exportações e ao investimento. Por outro lado, relativamente ao Boletim Económico do Inverno de 2007, a actual projecção considera um enquadramento internacional significativamente mais desfavorável, caracterizado simultaneamente por uma procura externa mais contida, um nível do preço do petróleo mais elevado, taxas de juro mais altas e uma taxa de câmbio do euro mais apreciada. Estas revisões afectam negativamente a projecção para a actividade económica em Portugal, em particular tendo em conta o elevado endividamento do sector privado não financeiro e a intensiva utilização de petróleo por unidade produzida.
A actual projecção aponta para que o aumento da inflação em 2008 assuma uma natureza temporária. A evolução contida dos custos salariais, num contexto de manutenção da taxa de desemprego em níveis elevados, e a estabilização do crescimento dos preços das matérias -primas - embora sem reversão para os níveis verificados anterior mente a 2007 – deverá permitir uma gradual redução da taxa de inflação no horizonte de projecção.
Apesar da revisão em baixa das projecções para a actividade económica corresponder, em parte, à concretização de alguns riscos descendentes identificados no Boletim Económico do Inverno de 2007, a actual projecção continua a ser caracterizada por uma elevada incerteza e por um balanço de riscos predominantemente no sentido de um menor ritmo de crescimento da actividade económica no horizonte de projecção, em especial em 2009.
O principal risco da actual projecção relaciona-se com uma intensificação da instabilidade nos mercados financeiros internacionais. Um maior aumento dos custos de financiamento à escala global, um ajustamento mais abrupto do mercado imobiliário em alguns países que registaram um forte aumento de preços nos anos mais recentes, bem como uma correcção mais rápida e desordenada dos desequilíbrios macroeconómicos globais implicariam um menor crescimento dos mercados de destino das exportações portuguesas e afectariam as decisões intertemporais de consumo e de investimento dos agentes económicos.
As actuais projecções apontam para um fraco crescimento da economia portuguesa em 2008 e 2009, contemplando desta forma a interrupção do processo de recuperação gradual da actividade económica verificado nos anos anteriores, o qual tinha sido caracterizado por uma evolução mais favorável das exportações a partir de 2006 e por uma expressiva aceleração do investimento em 2007.
Na segunda metade de 2007, ocorreram vários choques de origem externa, nomeadamente a eclosão de uma turbulência sem precedentes nos mercados financeiros internacionais, associada a uma rápida e significativa reavaliação do risco pelos investi dores. As indicações mais recentes apontam para uma maior persistência desta situação de turbulência face ao inicialmente esperado, afectando em especial a evolução dos mercados de exportação e as condições de financiamento dos agentes económicos. Ao mesmo tempo, verificou-se uma intensificação do aumento do preço do petróleo nos mercados internacionais, para níveis historicamente elevados em termos nominais e reais.
Neste contexto, as actuais projecções reflectem, por um lado, a deterioração dos indicadores disponíveis para a primeira metade de 2008, não só os relaciona dos com a evolução da confiança dos agentes económicos como também os indicadores de natureza quantitativa relativos às exportações e ao investimento. Por outro lado, relativamente ao Boletim Económico do Inverno de 2007, a actual projecção considera um enquadramento internacional significativamente mais desfavorável, caracterizado simultaneamente por uma procura externa mais contida, um nível do preço do petróleo mais elevado, taxas de juro mais altas e uma taxa de câmbio do euro mais apreciada. Estas revisões afectam negativamente a projecção para a actividade económica em Portugal, em particular tendo em conta o elevado endividamento do sector privado não financeiro e a intensiva utilização de petróleo por unidade produzida.
A actual projecção aponta para que o aumento da inflação em 2008 assuma uma natureza temporária. A evolução contida dos custos salariais, num contexto de manutenção da taxa de desemprego em níveis elevados, e a estabilização do crescimento dos preços das matérias -primas - embora sem reversão para os níveis verificados anterior mente a 2007 – deverá permitir uma gradual redução da taxa de inflação no horizonte de projecção.
Apesar da revisão em baixa das projecções para a actividade económica corresponder, em parte, à concretização de alguns riscos descendentes identificados no Boletim Económico do Inverno de 2007, a actual projecção continua a ser caracterizada por uma elevada incerteza e por um balanço de riscos predominantemente no sentido de um menor ritmo de crescimento da actividade económica no horizonte de projecção, em especial em 2009.
O principal risco da actual projecção relaciona-se com uma intensificação da instabilidade nos mercados financeiros internacionais. Um maior aumento dos custos de financiamento à escala global, um ajustamento mais abrupto do mercado imobiliário em alguns países que registaram um forte aumento de preços nos anos mais recentes, bem como uma correcção mais rápida e desordenada dos desequilíbrios macroeconómicos globais implicariam um menor crescimento dos mercados de destino das exportações portuguesas e afectariam as decisões intertemporais de consumo e de investimento dos agentes económicos.
Thursday, July 10, 2008
Intervenção do Primeiro-Ministro no debate sobre o Estado da Nação, na Assembleia da República
1. Determinação e confiança
Senhor Presidente, senhoras e senhores Deputados:
A acção do Governo tem, como orientações fundamentais, o impulso reformista, a disciplina orçamental, a aposta na economia, na qualificação e no emprego, e o desenvolvimento das políticas sociais. Estas orientações exigem determinação: a determinação necessária para enfrentar os problemas e concretizar as soluções que modernizem o país, dinamizem o crescimento e melhorem o bem-estar das pessoas.
Esta determinação é ainda mais necessária quando, por efeito da crise internacional, Portugal vive dificuldades. Mas é no tempo das dificuldades que melhor se vê a diferença entre aqueles que só propõem a resignação e a desistência, porque nada têm a apresentar de novo e de positivo ao país, e todos quantos olham de frente e com coragem para o futuro, investindo no progresso e na modernização.
As dificuldades, que Portugal e os restantes países desenvolvidos enfrentam, exigem determinação e não desistência. E este é, não tenho dúvidas, o ponto mais importante do debate sobre o estado da Nação.
A perspectiva do Governo é muito clara. Assumimos as dificuldades originadas pela conjuntura internacional de subida dos preços do petróleo e dos bens alimentares e de alta das taxas de juro. Mas sabemos que, mercê da consolidação orçamental e dos progressos que fizemos nos últimos anos, estamos hoje mais bem preparados para enfrentar as dificuldades. E enfrentá-las significa manter o rigor orçamental, continuar a apostar na dinamização da economia e prosseguir as reformas modernizadoras. Em suma, manter o rumo modernizador para Portugal.
Não se pode, porém, dizer sim ao progresso económico e social, sem dizer não, um rotundo não, à cultura do «bota-abaixo», da resignação, da desistência, que parece ser a única coisa que algumas forças políticas têm a oferecer ao país. Essa linha destrutiva, que mina a confiança e cultiva o desalento, é além do mais requentada, porque penalizou Portugal entre 2002 e 2005. É uma linha irresponsável, que a única coisa que propõe é parar, desistir ou adiar. É uma linha política que mais parece opor-se ao país do que ao Governo.
Todos já sentimos na prática os efeitos profundamente negativos da teoria de que o país não teria supostamente dinheiro para nada e teria de desistir de qualquer investimento no seu futuro. Alguns querem, pelos vistos, regressar a essa nefasta teoria. Mas a nossa escolha é completamente diferente: a nossa escolha é da determinação e da coragem para manter o rumo face às dificuldades, apostando nas reformas, no investimento e na justiça social.
2. Reformar para um novo compromisso social
Ora, em matéria de reformas de fundo, este ano foi particularmente intenso. Dou apenas três exemplos. Concluímos as peças-chave da reforma da administração pública. Aprovámos o novo regime de gestão das escolas básicas e secundárias e a avaliação de desempenho do pessoal docente. Concluímos a reforma da justiça, cumprindo totalmente, ao contrário da outra parte, o compromisso assumido no Pacto da Justiça.
Mas deixem-me destacar a revisão da legislação laboral. Depois de concertação com os parceiros sociais, apresentámos ao Parlamento a proposta de um novo Código de Trabalho, que representa o mais poderoso combate dos últimos 30 anos à precariedade laboral, ao mesmo tempo que favorece a negociação colectiva, promove a adaptabilidade das empresas e alarga os direitos das famílias.
Este conjunto de reformas é a prova real e concreta de que o Governo é fiel ao seu programa, prosseguindo com determinação as mudanças de que o país necessita, sem qualquer cálculo eleitoralista. Mas mostra também dois outros aspectos, que importa realçar.
Por um lado, o Governo tem reformado o Estado e a administração para modernizar e qualificar os serviços públicos. E que diferença política está aqui! Nós não dizemos, como outros, que a universalidade do Serviço Nacional de Saúde tem de ser repensada, ou que a classe média tem de pagar duas vezes a saúde, como contribuinte e como utente. Nós fizemos a reforma da Segurança Social para reforçar a justiça e a sustentabilidade da segurança social pública, quando outros queriam a sua privatização. Nós trabalhamos para que a escola pública funcione melhor e não, como outros propõem, para que seja entregue a exploração privada.
Eis a diferença básica e essencial. Serviço Nacional de Saúde, segurança social pública e escola para todos não são, para nós, funções descartáveis. São, isso sim, os pilares do Estado social moderno, que queremos para Portugal.
Por outro lado, o Governo tem procurado apoiar as principais reformas na concertação e no compromisso social. A reforma da administração pública tem por base sucessivos acordos com organizações sindicais. Reformas tão importantes como a revisão do subsídio de desemprego ou o aumento histórico do salário mínimo tiveram como suporte acordos de concertação social. E o acordo celebrado com parceiros sociais, para a revisão da legislação laboral, é a melhor prova de que a nossa determinação reformista vai de par com a abertura à concertação e ao compromisso
Isto significa que as duas mais decisivas reformas no âmbito dos direitos sociais – a reforma da Segurança Social e a reforma da legislação laboral – estão sustentadas por apoios alargados dos parceiros sociais, o que quer dizer que estão para além do circunstancialismo político do momento.
3. A consolidação orçamental permite lançar novas medidas sociais
Senhor Presidente, senhoras e senhores Deputados:
A disciplina orçamental é um ponto essencial da acção do Governo. Em dois anos, conseguimos resolver a gravíssima crise orçamental que herdámos, tendo Portugal saído do procedimento por défices excessivos em Junho passado, isto é, um ano antes do prazo acordado. Procedemos à consolidação das contas públicas através de reformas que reduziram a despesa e sem recurso a receitas extraordinárias geradoras de encargos futuros.
Equilibrando as contas públicas, vencemos, portanto, onde antes outros falharam. E duplamente falharam: porque não resolveram a crise orçamental e porque o disfarce que tentaram fazer gerou custos que temos agora de pagar. Esses que tão flagrantemente falharam não têm, por isso, nenhuma legitimidade para virem agora pôr em dúvida o nosso trabalho e mérito.
4. O investimento público é necessário para o crescimento da economia
Senhor Presidente, senhoras e senhores Deputados:
A atenção à economia e ao emprego é especialmente importante quando nos defrontamos, agora, com as dificuldades geradas pela conjuntura internacional.
Para enfrentá-las, é preciso ter consciência da sua origem. A subida do preço do petróleo e dos bens alimentares, a subida das taxas de juro e a apreciação do euro face ao dólar são constrangimentos exteriores à economia portuguesa, que têm efeitos sobre ela mas não dependem do Governo, dos empresários ou dos trabalhadores portugueses. Pretender o contrário não é apenas fazer a mais descarada demagogia; é também não compreender quais são as responsabilidades próprias das autoridades nacionais.
E deixem-me ser aqui totalmente claro.
A nossa responsabilidade é, primeiro, não esconder nem disfarçar a dimensão do problema causado pelo terceiro choque petrolífero. Por isso é preciso ser firme na recusa das pretensas soluções que, como a baixa de impostos sobre os combustíveis, dariam aos consumidores a mensagem errada de que não seria preciso ajustar os comportamentos à nova realidade dos preços, e significariam pôr todos os contribuintes a pagar os custos de sectores particulares.
A nossa responsabilidade é, em segundo lugar, apostar tudo nas respostas estruturais a um problema energético que também é estrutural. E fizemos bem em andar depressa. E andámos depressa desde início, na definição de metas ambiciosas para as energias renováveis, no aproveitamento dos nossos recursos hídricos, eólicos e de energia solar, e na promoção da eficiência energética. O programa nacional de barragens, em curso, deve ser destacado como uma dessas respostas estruturais. Por isso mesmo, aqueles que usam de todos os expedientes para criticar esse programa põem em causa, isso sim, o desenvolvimento do país e a resposta de fundo à actual crise energética.
A nossa responsabilidade é, em terceiro lugar, incentivar o investimento e a modernização económica e apoiar a criação de emprego. Conseguimos atrair investimento privado qualificante nas áreas cruciais da petroquímica, da construção automóvel, do papel, do mobiliário, da energia, do turismo. Foram estes investimentos que permitiram à economia portuguesa recuperar a sua capacidade de crescimento e de gerar emprego. É este o caminho a seguir.
Mas para ter mais e melhor emprego, precisamos também de mais qualificações. Daí a aposta essencial na formação e na qualificação dos portugueses. Temos hoje mais alunos no ensino secundário e no ensino superior e, no próximo ano lectivo, metade dos alunos do secundário estarão em cursos tecnológicos e profissionais. Até ao momento, mais de 400 mil portugueses se inscreveram no programa Novas Oportunidades. Com o Plano Tecnológico da Educação, as escolas estão a apetrechar-se com todos os recursos indispensáveis ao uso universal das tecnologias de informação e comunicação. O país gastará este ano 1% do produto nacional em investigação e desenvolvimento. E a maior fatia do QREN está consagrada ao potencial humano.
Porque soubemos resolver a tempo o nosso problema do défice orçamental excessivo, estamos hoje em melhores condições para enfrentar a difícil conjuntura económica internacional.
Em primeiro lugar, reduzimos em 1 ponto percentual a taxa normal de IVA, medida que está em vigor desde o passado dia 1 de Julho e significa devolver aos consumidores e à economia cerca de 600 milhões de euros por ano.
Em segundo lugar, o QREN é hoje um poderoso apoio à economia portuguesa, com especial atenção às pequenas e médias empresas, ao sector exportador e à modernização tecnológica.
Em terceiro lugar, o reforço do investimento público é muito importante, a vários títulos. É importante para a modernização do país, para a melhoria das acessibilidades rodo e ferroviárias, assim como portuárias e aeroportuárias. É importante para a coesão do território e, em particular, para o desenvolvimento das regiões mais desfavorecidas. É importante para a melhoria dos equipamentos sociais, como hospitais e centros de saúde, escolas e creches. É importante, enfim, para o crescimento da economia e do emprego.
Por isso, aqueles que querem pôr agora em causa os investimentos públicos podem pedir ao Governo as explicações que entenderem; mas são verdadeiramente eles quem deve explicações ao país.
Devem, primeiro, explicações pela ausência de responsabilidade institucional. Um só exemplo: em 2004, o Estado português comprometeu-se com a construção de cinco linhas de TGV; e definiu datas, traçados e estações. Agora que o projecto foi redimensionado por este Governo com prioridade às duas ligações essenciais entre Lisboa e Madrid e entre Lisboa e o Porto, com que legitimidade é que vêm atacar a construção destas duas linhas exactamente os mesmos que, enquanto ministros, se comprometeram em 2004 com o dobro?
E, depois, devem também explicações pela falta intencional de clareza política. Porque lançam a suspeição geral sobre as obras públicas, mas não têm a coragem de dizer às populações que obras em concreto quereriam sacrificar: isto é, que estradas, que ferrovias, que barragens, que escolas, que hospitais propõem que se deixe de construir!
Devem, finalmente, explicações pela óbvia incoerência política. Na fase de maior esforço de contenção orçamental e redução da despesa pública, Orçamento após Orçamento, os partidos da direita protestaram contra o alegado sacrifício do investimento público. Pois agora que o investimento público cresce, querem manifestar-se contra ele? E, depois, basta observar as constantes mudanças de posição: num dia, são as barragens que são postas em causa, no outro o novo aeroporto de Lisboa. Vem outra manhã e já é o TGV; ou então, as estradas; ou ainda, os hospitais. E nem uma imaginária "terceira via" da auto-estrada de Lisboa ao Porto escapa a este rosário de contradições, que só demonstra uma coisa: onde devia haver ideias claras e firmes, só reina a desorientação e o oportunismo; onde se devia olhar para o futuro, só se vê o regresso a um passado de má memória. Quando o país precisa de esperança e confiança, o que se faz é cultivar o pessimismo e o desalento.
5. A justiça social no centro da acção do Governo.
Senhor Presidente, senhoras e senhores Deputados:
O Governo coloca a política social no centro da sua acção. Ano após ano, num contexto de redução da despesa pública, cresce, como é necessário que cresça, a parte do PIB afecta à despesa social. Na saúde, na educação e na segurança social, fizeram-se as reformas indispensáveis a que os serviços públicos sirvam melhor, durante mais tempo, mais pessoas. E, ano após ano, têm sido lançadas novas medidas de apoio e protecção social, que constituem a melhor marca deste Governo.
A nossa inspiração diz-se em duas palavras: justiça social. É mesmo disso que se trata, de justiça social. Nós não confundimos protecção social com assistencialismo, nem, ao contrário de outros, nos propomos reduzir as funções sociais do Estado. Foi em nome da justiça e da equidade que realizámos a convergência entre os regimes da função pública e da segurança social, que eliminámos os regimes especiais de protecção, a começar pelos dos titulares de cargos políticos, que acabámos com as regras especiais de aposentação dos gestores públicos, que introduzimos a taxa de 42% no IRS. É em nome da justiça que melhoramos a eficiência da administração fiscal e combatemos a evasão e a fraude contributiva. E é convictamente em nome da justiça social que vamos sucessivamente lançando novas medidas de política social.
A direita parece ter descoberto, em 2008, a necessidade de proteger os mais pobres. Mas eu tenho uma pergunta simples: entre 2002 e 2005, quando estava no Governo, o que é que a direita fez em prol da protecção social? Eis o seu registo: congelou o PIDDAC nacional para a construção de novos equipamentos sociais; centenas de milhar de pensionistas viram a actualização das suas pensões ficar sistematicamente abaixo da inflação; quis liquidar o rendimento mínimo garantido; baixou a protecção na doença; aumentou de três para seis anos o prazo máximo de duração dos contratos a termo. Com que legitimidade quer agora a direita falar?
Pelo contrário, o Governo tem lançado sucessivamente, desde 2005, novas medidas sociais. Dou apenas exemplos: o Complemento Solidário para Idosos, de que beneficiam hoje 90 mil pessoas, com apoios complementares na área da saúde; a garantia de pelo menos a reposição do poder de compra nos aumentos das pensões mais baixas, garantia que beneficia 93% das pensões; o aumento histórico do salário mínimo, duas vezes acima da inflação, de que beneficiam centenas de milhar de trabalhadores; a redução em 50% das taxas moderadoras para maiores de 65 anos, de que beneficiam 350 mil utentes; o financiamento da acção social das IPSS, que atingiu em 2007 o valor máximo de 1.094 milhões de euros; o programa PARES, para creches e outros equipamentos de apoio às famílias, completamente dirigido às IPSS e que mobiliza um investimento público superior a 250 milhões de euros; a duplicação das deduções fiscais por cada filho menor de três anos; a duplicação do abono de família para o segundo filho e a triplicação para o terceiro filho e seguintes, nos primeiros três anos de idade; o novo abono pré-natal para mulheres grávidas, de que beneficiam 94 mil mulheres; e o aumento extraordinário, em 25%, do abono de família para as famílias do primeiro e segundo escalão, de que já beneficiam 970 mil crianças e adolescentes.
Sim, senhores Deputados: não há nenhum ganho na consolidação das contas públicas que não seja imediatamente aproveitado para melhorar as condições de vida das pessoas, com particular atenção às famílias e aos grupos sociais mais vulneráveis. E isto é possível porque este é o Governo de uma esquerda responsável, que aposta ao mesmo tempo na modernização da economia, no rigor orçamental, na qualificação e nas políticas sociais, porque é esta ligação que melhor permite praticar e promover a justiça social!
6. Novos apoios para as famílias, nos encargos com a habitação
Senhor Presidente, senhoras e senhores Deputados:
As causas das dificuldades presentes estão fora de nós, no aumento do preço do petróleo e dos bens alimentares, na subida das taxas de juro, nos mercados financeiros internacionais. Mas os seus efeitos fazem-se sentir na economia e na vida dos Portugueses, principalmente nas famílias com menos recursos e nas empresas mais expostas aos custos energéticos e às mudanças estruturais.
Nesta conjuntura, o essencial é manter o rumo: reformas, rigor, incentivo à economia, prioridade à educação e à protecção social. Para manter o rumo, é preciso dizer não às propostas demagógicas de baixa generalizada de impostos ou aumento substancial de despesa pública; e é preciso ter confiança em nós próprios e nas nossas capacidades.
Já anunciei neste Parlamento, nas últimas semanas, vários apoios às famílias e incentivo à economia e à reestruturação dos transportes. Lembro apenas o aumento extraordinário do abono de família, o congelamento dos preços dos passes e assinaturas nos transportes colectivos, e as medidas de apoio ao investimento, à exportação e à reestruturação dos transportes, tomadas em sede fiscal e do QREN.
Mas quero hoje apresentar um novo conjunto de medidas, que procuram apoiar as famílias aliviando-as de algumas das suas despesas básicas, sempre dando mais a quem mais precisa.
A forte subida das taxas de juro está a criar dificuldades nas muitas centenas de milhar de famílias que adquiriram habitação própria recorrendo ao crédito bancário. Ora, a taxa de juro não depende das autoridades nacionais. Mas podemos e devemos ajudar as famílias de menores rendimentos a acomodar melhor os seus encargos com a habitação, mudando a forma como tais encargos entram para a determinação do valor do seu IRS.
É o que faremos. Hoje, o Conselho de Ministros aprovou uma proposta de lei que espera ver convertida em lei o mais depressa possível. O objectivo é alterar o cálculo da dedução à colecta dos encargos com juros de empréstimos à habitação própria e permanente. Actualmente, todos os contribuintes com tais encargos deduzem por igual 586 euros à colecta de IRS. Faremos duas mudanças. A primeira é a introduzir o princípio da progressividade: os titulares de menores rendimentos deduzirão mais do que os restantes. A segunda é aumentar substancialmente o montante que os contribuintes de menores rendimentos poderão deduzir. Assim, para os contribuintes do primeiro e segundo escalão do IRS haverá uma majoração de 50%. Ou seja, passarão a deduzir 879 euros. No terceiro escalão, a dedução poderá ir até 703 euros, isto é, uma majoração de 20%. E, no quarto escalão, que vai até 40.000 euros de matéria colectável, a majoração será de 10%, isto é, uma dedução de 644 euros. Esta medida aplica-se já aos rendimentos de 2008 e beneficia quase um milhão de agregados.
A segunda medida de natureza fiscal relativa à habitação própria diz respeito aos valores do IMI, o imposto que substituiu, em 2003, a antiga contribuição autárquica. Como vai sentindo na carne a generalidade dos Portugueses com habitação própria, o IMI tornou-se um sorvedouro de recursos familiares. E deixem-me dizê-lo com franqueza: como soa a falso que se digam agora defensores das classes médias e arautos da sensibilidade social os partidos e os líderes políticos que, em 2003, no Governo, criaram este verdadeiro paradigma de punção fiscal sobre as classes médias!
Sem prejuízo da reforma mais profunda que já se encontra em preparação, corrigir os exageros do IMI é, pois, uma urgência; uma urgência de justiça fiscal e de respeito por um grande número de famílias portuguesas. Por isso mesmo, o Governo aprovou também hoje um conjunto de medidas destinadas a travar o aumento imoderado da receita do IMI e baixar significativamente o imposto pago por muitas famílias.
A primeira medida é o alargamento do período de isenção de pagamento do imposto após a compra de prédio para habitação própria e permanente, prolongando-o em mais dois anos para as casas até 157 500 euros de valor patrimonial tributário (ou seja, de seis para oito anos) e em um ano para os prédios entre 157 500 euros e 236 250 euros (ou seja, de três para quatro anos). Este alargamento beneficiará 428 mil agregados.
A segunda medida é a redução da taxa máxima de IMI de 0,8 para 0,7% no caso dos prédios não avaliados e de 0,5 para 0,4% no caso de prédios já avaliados. No primeiro caso, beneficiam desta medida um milhão e setecentos mil proprietários. No segundo caso, 400 mil proprietários. O efeito agregado destas medidas é o seguinte: em vez de aumentar em 150 milhões de euros, a receita das autarquias com o IMI aumentará em 50 milhões. Quer isto dizer que, travando o aumento imoderado deste imposto, nós continuaremos a garantir aumento de receitas para os municípios, baixando contudo significativamente o encargo de centenas de milhar de pessoas.
O Governo tem plena consciência das dificuldades originadas pela acentuada subida das taxas de juro. Por isso, decidiu propor ao Parlamento que use os instrumentos fiscais ao seu dispor para ajudar as famílias atingidas. Com a redução do IMI, beneficiarão todos os proprietários de imóveis. Com a alteração na dedução da colecta de IRS, beneficiaremos mais as famílias de menores rendimentos. É isto, na prática, a justiça social!
7. Novos apoios para as famílias, nos transportes
Mas não é apenas na habitação que devemos e queremos apoiar as famílias, por causa dos novos encargos com que elas hoje se confrontam. O terceiro choque petrolífero, que vivemos, tem óbvias implicações no custo dos transportes. O preço do petróleo não depende de Portugal. Mas Portugal deve e está a responder, com o investimento nas energias renováveis e a promoção da eficiência energética. Essa é uma dimensão. Outra dimensão, também importante, é o incentivo à utilização dos transportes colectivos.
O Governo já decidiu, para 2008, o congelamento do preço de todos os tipos de passes e assinaturas. A mensagem é clara: os utentes regulares de transportes colectivos são beneficiados. Pois bem, vamos agora criar um novo passe para os transportes públicos urbanos: o passe escolar.
O passe escolar destina-se a todas as crianças e jovens, dos 4 aos 18 anos; e garante a redução para metade do valor mensal da assinatura de cada tipo de transporte. Dou dois exemplos simples, mas significativos. Hoje, o passe L1,2,3, na área de Lisboa, custa 52,5 euros; passará a custar metade. O passe «Andante», no Porto, no qual já há hoje uma redução de 25% para estudantes, custando-lhes 17,6 euros, passará a custar 12,45.
Esta medida tem três objectivos, qual deles o mais importante.
O primeiro é pôr fim às disparidades que hoje se verificam na definição do tarifário segundo os grupos etários. Doravante, um único documento permitirá a todas as crianças e jovens beneficiar de redução de 50% no uso regular de qualquer transporte urbano.
O segundo é apoiar as famílias em mais uma das suas despesas básicas. Quero tornar claro que este novo passe se acrescenta ao sistema já hoje existente de transportes escolares, pelo qual todos alunos que residam a mais de 3 ou 4 quilómetros da escola básica têm direito a transporte gratuito para a sua escola.
O terceiro objectivo é incentivar desde a infância a utilização regular de transporte colectivo, como alternativa ao transporte individual. E esta é talvez a mensagem mais necessária: é preciso habituarmo-nos todos, desde a infância, à ideia de que na cidade se deve andar a pé ou de transporte público. Essa não é apenas uma condição para diminuir a dependência face ao petróleo, é também uma condição essencial para tornar as nossas cidades mais amigas do ambiente e mais respiráveis.
8. Novos apoios para as famílias, na educação
Senhor Presidente, senhoras e senhores Deputados:
Quero agora falar de outra medida fundamental no apoio às famílias. Trata-se do alargamento da acção social escolar no ensino básico e secundário. É uma medida com impacto positivo em várias dimensões: no apoio às famílias mais carenciadas; no combate ao abandono e ao insucesso escolar; e na simplificação da relação entre os cidadãos e a administração pública.
Hoje, são bastante diferentes as formas como se determinam os escalões de mais baixos rendimentos, na segurança social, para efeitos de abono de família e, na escola, para efeitos de acção social. Esta discrepância tem duas consequências muito negativas: por um lado, introduz burocratização e opacidade; por outro, restringe muito o acesso à acção social escolar. Basta pensar que o primeiro escalão do abono de família abrange 400 mil crianças e jovens, mas o primeiro escalão da acção social escolar só abrange 185 mil.
A alteração decidida pelo Governo tem dois objectivos essenciais. O primeiro é simplificar: doravante, os critérios de atribuição do primeiro e segundo escalão do abono de família servirão automaticamente para a acção escolar, sendo apenas necessário o requerimento dos interessados. Assim se libertarão as famílias e as escolas de burocracia e ficará mais transparente o processo de atribuição de apoios.
O segundo e principal objectivo é alargar substancialmente o número de alunos beneficiários da acção social escolar. Hoje, como disse, 185 mil alunos estão abrangidos pelo primeiro escalão; passarão a ser 400 mil, com direito à totalidade dos apoios em refeições, manuais e material escolar. Hoje, 45 mil alunos estão abrangidos pelo segundo escalão, passarão a ser 310 mil, com direito a 50% dos apoios referidos. Quer dizer: será, sem dúvida alguma, uma vasta operação de alargamento da cobertura de acção social escolar e um passo decisivo na promoção da integração e do sucesso escolar.
9. Todos devem contribuir
Senhor Presidente, senhoras e senhores Deputados:
Todos têm de contribuir para o esforço nacional. Para este Governo, a repartição equitativa dos custos é o outro lado da distribuição equitativa das oportunidades. Quem mais tem deve contribuir para apoiar quem mais precisa.
As famílias portuguesas estão hoje confrontadas com novos encargos em razão dos efeitos da conjuntura internacional. E a alta dos preços do petróleo, que só no último ano duplicaram, é um dos aspectos mais gravosos da actual conjuntura. Ora, essa subida não deixou de valorizar de forma extraordinária certos activos das empresas petrolíferas. É, por isso, justo que estas empresas contribuam também para o financiamento das medidas que o Estado tem de tomar em favor dos que mais precisam.
Por isso, o Governo aprovou hoje uma proposta de lei para a criação de uma taxa excepcional sobre as mais-valias potenciais das empresas petrolíferas, resultantes da actual escalada de preços. Essa tributação autónoma será de 25%, isto é, igual à taxa do IRC. E incidirá sobre o ganho extraordinário que resulta da alteração dos critérios de valorimetria dos stocks de petróleo para efeitos fiscais.
10. Determinação, confiança, justiça
Senhor Presidente, senhoras e senhores Deputados:
O momento não é de resignação nem de desistência. A conjuntura internacional e a incerteza da sua evolução colocam dificuldades sérias à economia e às famílias portuguesas. Mas isso só deve aumentar a nossa determinação. O país já ultrapassou uma grave crise orçamental, e isso dá-nos ânimo e confiança na nossa capacidade, já demonstrada, de enfrentar e resolver as dificuldades.
As dificuldades são sérias, ninguém o nega. Por isso mesmo, temos de agir em várias áreas, olhando para a frente, com determinação e sentido de justiça.
As medidas que hoje apresentei ao Parlamento têm este traço comum: justiça na repartição dos custos e na distribuição das oportunidades; incentivo ao uso dos transportes colectivos; e, principalmente, apoio às famílias onde elas mais precisam, na habitação e na educação dos filhos.
Estas medidas são possíveis e são necessárias. Mas o que de mais importante elas exprimam é a nossa vontade de enfrentar os problemas, com responsabilidade, com confiança e com sentido de justiça social. A bem de Portugal e dos Portugueses.
2008-07-10
Senhor Presidente, senhoras e senhores Deputados:
A acção do Governo tem, como orientações fundamentais, o impulso reformista, a disciplina orçamental, a aposta na economia, na qualificação e no emprego, e o desenvolvimento das políticas sociais. Estas orientações exigem determinação: a determinação necessária para enfrentar os problemas e concretizar as soluções que modernizem o país, dinamizem o crescimento e melhorem o bem-estar das pessoas.
Esta determinação é ainda mais necessária quando, por efeito da crise internacional, Portugal vive dificuldades. Mas é no tempo das dificuldades que melhor se vê a diferença entre aqueles que só propõem a resignação e a desistência, porque nada têm a apresentar de novo e de positivo ao país, e todos quantos olham de frente e com coragem para o futuro, investindo no progresso e na modernização.
As dificuldades, que Portugal e os restantes países desenvolvidos enfrentam, exigem determinação e não desistência. E este é, não tenho dúvidas, o ponto mais importante do debate sobre o estado da Nação.
A perspectiva do Governo é muito clara. Assumimos as dificuldades originadas pela conjuntura internacional de subida dos preços do petróleo e dos bens alimentares e de alta das taxas de juro. Mas sabemos que, mercê da consolidação orçamental e dos progressos que fizemos nos últimos anos, estamos hoje mais bem preparados para enfrentar as dificuldades. E enfrentá-las significa manter o rigor orçamental, continuar a apostar na dinamização da economia e prosseguir as reformas modernizadoras. Em suma, manter o rumo modernizador para Portugal.
Não se pode, porém, dizer sim ao progresso económico e social, sem dizer não, um rotundo não, à cultura do «bota-abaixo», da resignação, da desistência, que parece ser a única coisa que algumas forças políticas têm a oferecer ao país. Essa linha destrutiva, que mina a confiança e cultiva o desalento, é além do mais requentada, porque penalizou Portugal entre 2002 e 2005. É uma linha irresponsável, que a única coisa que propõe é parar, desistir ou adiar. É uma linha política que mais parece opor-se ao país do que ao Governo.
Todos já sentimos na prática os efeitos profundamente negativos da teoria de que o país não teria supostamente dinheiro para nada e teria de desistir de qualquer investimento no seu futuro. Alguns querem, pelos vistos, regressar a essa nefasta teoria. Mas a nossa escolha é completamente diferente: a nossa escolha é da determinação e da coragem para manter o rumo face às dificuldades, apostando nas reformas, no investimento e na justiça social.
2. Reformar para um novo compromisso social
Ora, em matéria de reformas de fundo, este ano foi particularmente intenso. Dou apenas três exemplos. Concluímos as peças-chave da reforma da administração pública. Aprovámos o novo regime de gestão das escolas básicas e secundárias e a avaliação de desempenho do pessoal docente. Concluímos a reforma da justiça, cumprindo totalmente, ao contrário da outra parte, o compromisso assumido no Pacto da Justiça.
Mas deixem-me destacar a revisão da legislação laboral. Depois de concertação com os parceiros sociais, apresentámos ao Parlamento a proposta de um novo Código de Trabalho, que representa o mais poderoso combate dos últimos 30 anos à precariedade laboral, ao mesmo tempo que favorece a negociação colectiva, promove a adaptabilidade das empresas e alarga os direitos das famílias.
Este conjunto de reformas é a prova real e concreta de que o Governo é fiel ao seu programa, prosseguindo com determinação as mudanças de que o país necessita, sem qualquer cálculo eleitoralista. Mas mostra também dois outros aspectos, que importa realçar.
Por um lado, o Governo tem reformado o Estado e a administração para modernizar e qualificar os serviços públicos. E que diferença política está aqui! Nós não dizemos, como outros, que a universalidade do Serviço Nacional de Saúde tem de ser repensada, ou que a classe média tem de pagar duas vezes a saúde, como contribuinte e como utente. Nós fizemos a reforma da Segurança Social para reforçar a justiça e a sustentabilidade da segurança social pública, quando outros queriam a sua privatização. Nós trabalhamos para que a escola pública funcione melhor e não, como outros propõem, para que seja entregue a exploração privada.
Eis a diferença básica e essencial. Serviço Nacional de Saúde, segurança social pública e escola para todos não são, para nós, funções descartáveis. São, isso sim, os pilares do Estado social moderno, que queremos para Portugal.
Por outro lado, o Governo tem procurado apoiar as principais reformas na concertação e no compromisso social. A reforma da administração pública tem por base sucessivos acordos com organizações sindicais. Reformas tão importantes como a revisão do subsídio de desemprego ou o aumento histórico do salário mínimo tiveram como suporte acordos de concertação social. E o acordo celebrado com parceiros sociais, para a revisão da legislação laboral, é a melhor prova de que a nossa determinação reformista vai de par com a abertura à concertação e ao compromisso
Isto significa que as duas mais decisivas reformas no âmbito dos direitos sociais – a reforma da Segurança Social e a reforma da legislação laboral – estão sustentadas por apoios alargados dos parceiros sociais, o que quer dizer que estão para além do circunstancialismo político do momento.
3. A consolidação orçamental permite lançar novas medidas sociais
Senhor Presidente, senhoras e senhores Deputados:
A disciplina orçamental é um ponto essencial da acção do Governo. Em dois anos, conseguimos resolver a gravíssima crise orçamental que herdámos, tendo Portugal saído do procedimento por défices excessivos em Junho passado, isto é, um ano antes do prazo acordado. Procedemos à consolidação das contas públicas através de reformas que reduziram a despesa e sem recurso a receitas extraordinárias geradoras de encargos futuros.
Equilibrando as contas públicas, vencemos, portanto, onde antes outros falharam. E duplamente falharam: porque não resolveram a crise orçamental e porque o disfarce que tentaram fazer gerou custos que temos agora de pagar. Esses que tão flagrantemente falharam não têm, por isso, nenhuma legitimidade para virem agora pôr em dúvida o nosso trabalho e mérito.
4. O investimento público é necessário para o crescimento da economia
Senhor Presidente, senhoras e senhores Deputados:
A atenção à economia e ao emprego é especialmente importante quando nos defrontamos, agora, com as dificuldades geradas pela conjuntura internacional.
Para enfrentá-las, é preciso ter consciência da sua origem. A subida do preço do petróleo e dos bens alimentares, a subida das taxas de juro e a apreciação do euro face ao dólar são constrangimentos exteriores à economia portuguesa, que têm efeitos sobre ela mas não dependem do Governo, dos empresários ou dos trabalhadores portugueses. Pretender o contrário não é apenas fazer a mais descarada demagogia; é também não compreender quais são as responsabilidades próprias das autoridades nacionais.
E deixem-me ser aqui totalmente claro.
A nossa responsabilidade é, primeiro, não esconder nem disfarçar a dimensão do problema causado pelo terceiro choque petrolífero. Por isso é preciso ser firme na recusa das pretensas soluções que, como a baixa de impostos sobre os combustíveis, dariam aos consumidores a mensagem errada de que não seria preciso ajustar os comportamentos à nova realidade dos preços, e significariam pôr todos os contribuintes a pagar os custos de sectores particulares.
A nossa responsabilidade é, em segundo lugar, apostar tudo nas respostas estruturais a um problema energético que também é estrutural. E fizemos bem em andar depressa. E andámos depressa desde início, na definição de metas ambiciosas para as energias renováveis, no aproveitamento dos nossos recursos hídricos, eólicos e de energia solar, e na promoção da eficiência energética. O programa nacional de barragens, em curso, deve ser destacado como uma dessas respostas estruturais. Por isso mesmo, aqueles que usam de todos os expedientes para criticar esse programa põem em causa, isso sim, o desenvolvimento do país e a resposta de fundo à actual crise energética.
A nossa responsabilidade é, em terceiro lugar, incentivar o investimento e a modernização económica e apoiar a criação de emprego. Conseguimos atrair investimento privado qualificante nas áreas cruciais da petroquímica, da construção automóvel, do papel, do mobiliário, da energia, do turismo. Foram estes investimentos que permitiram à economia portuguesa recuperar a sua capacidade de crescimento e de gerar emprego. É este o caminho a seguir.
Mas para ter mais e melhor emprego, precisamos também de mais qualificações. Daí a aposta essencial na formação e na qualificação dos portugueses. Temos hoje mais alunos no ensino secundário e no ensino superior e, no próximo ano lectivo, metade dos alunos do secundário estarão em cursos tecnológicos e profissionais. Até ao momento, mais de 400 mil portugueses se inscreveram no programa Novas Oportunidades. Com o Plano Tecnológico da Educação, as escolas estão a apetrechar-se com todos os recursos indispensáveis ao uso universal das tecnologias de informação e comunicação. O país gastará este ano 1% do produto nacional em investigação e desenvolvimento. E a maior fatia do QREN está consagrada ao potencial humano.
Porque soubemos resolver a tempo o nosso problema do défice orçamental excessivo, estamos hoje em melhores condições para enfrentar a difícil conjuntura económica internacional.
Em primeiro lugar, reduzimos em 1 ponto percentual a taxa normal de IVA, medida que está em vigor desde o passado dia 1 de Julho e significa devolver aos consumidores e à economia cerca de 600 milhões de euros por ano.
Em segundo lugar, o QREN é hoje um poderoso apoio à economia portuguesa, com especial atenção às pequenas e médias empresas, ao sector exportador e à modernização tecnológica.
Em terceiro lugar, o reforço do investimento público é muito importante, a vários títulos. É importante para a modernização do país, para a melhoria das acessibilidades rodo e ferroviárias, assim como portuárias e aeroportuárias. É importante para a coesão do território e, em particular, para o desenvolvimento das regiões mais desfavorecidas. É importante para a melhoria dos equipamentos sociais, como hospitais e centros de saúde, escolas e creches. É importante, enfim, para o crescimento da economia e do emprego.
Por isso, aqueles que querem pôr agora em causa os investimentos públicos podem pedir ao Governo as explicações que entenderem; mas são verdadeiramente eles quem deve explicações ao país.
Devem, primeiro, explicações pela ausência de responsabilidade institucional. Um só exemplo: em 2004, o Estado português comprometeu-se com a construção de cinco linhas de TGV; e definiu datas, traçados e estações. Agora que o projecto foi redimensionado por este Governo com prioridade às duas ligações essenciais entre Lisboa e Madrid e entre Lisboa e o Porto, com que legitimidade é que vêm atacar a construção destas duas linhas exactamente os mesmos que, enquanto ministros, se comprometeram em 2004 com o dobro?
E, depois, devem também explicações pela falta intencional de clareza política. Porque lançam a suspeição geral sobre as obras públicas, mas não têm a coragem de dizer às populações que obras em concreto quereriam sacrificar: isto é, que estradas, que ferrovias, que barragens, que escolas, que hospitais propõem que se deixe de construir!
Devem, finalmente, explicações pela óbvia incoerência política. Na fase de maior esforço de contenção orçamental e redução da despesa pública, Orçamento após Orçamento, os partidos da direita protestaram contra o alegado sacrifício do investimento público. Pois agora que o investimento público cresce, querem manifestar-se contra ele? E, depois, basta observar as constantes mudanças de posição: num dia, são as barragens que são postas em causa, no outro o novo aeroporto de Lisboa. Vem outra manhã e já é o TGV; ou então, as estradas; ou ainda, os hospitais. E nem uma imaginária "terceira via" da auto-estrada de Lisboa ao Porto escapa a este rosário de contradições, que só demonstra uma coisa: onde devia haver ideias claras e firmes, só reina a desorientação e o oportunismo; onde se devia olhar para o futuro, só se vê o regresso a um passado de má memória. Quando o país precisa de esperança e confiança, o que se faz é cultivar o pessimismo e o desalento.
5. A justiça social no centro da acção do Governo.
Senhor Presidente, senhoras e senhores Deputados:
O Governo coloca a política social no centro da sua acção. Ano após ano, num contexto de redução da despesa pública, cresce, como é necessário que cresça, a parte do PIB afecta à despesa social. Na saúde, na educação e na segurança social, fizeram-se as reformas indispensáveis a que os serviços públicos sirvam melhor, durante mais tempo, mais pessoas. E, ano após ano, têm sido lançadas novas medidas de apoio e protecção social, que constituem a melhor marca deste Governo.
A nossa inspiração diz-se em duas palavras: justiça social. É mesmo disso que se trata, de justiça social. Nós não confundimos protecção social com assistencialismo, nem, ao contrário de outros, nos propomos reduzir as funções sociais do Estado. Foi em nome da justiça e da equidade que realizámos a convergência entre os regimes da função pública e da segurança social, que eliminámos os regimes especiais de protecção, a começar pelos dos titulares de cargos políticos, que acabámos com as regras especiais de aposentação dos gestores públicos, que introduzimos a taxa de 42% no IRS. É em nome da justiça que melhoramos a eficiência da administração fiscal e combatemos a evasão e a fraude contributiva. E é convictamente em nome da justiça social que vamos sucessivamente lançando novas medidas de política social.
A direita parece ter descoberto, em 2008, a necessidade de proteger os mais pobres. Mas eu tenho uma pergunta simples: entre 2002 e 2005, quando estava no Governo, o que é que a direita fez em prol da protecção social? Eis o seu registo: congelou o PIDDAC nacional para a construção de novos equipamentos sociais; centenas de milhar de pensionistas viram a actualização das suas pensões ficar sistematicamente abaixo da inflação; quis liquidar o rendimento mínimo garantido; baixou a protecção na doença; aumentou de três para seis anos o prazo máximo de duração dos contratos a termo. Com que legitimidade quer agora a direita falar?
Pelo contrário, o Governo tem lançado sucessivamente, desde 2005, novas medidas sociais. Dou apenas exemplos: o Complemento Solidário para Idosos, de que beneficiam hoje 90 mil pessoas, com apoios complementares na área da saúde; a garantia de pelo menos a reposição do poder de compra nos aumentos das pensões mais baixas, garantia que beneficia 93% das pensões; o aumento histórico do salário mínimo, duas vezes acima da inflação, de que beneficiam centenas de milhar de trabalhadores; a redução em 50% das taxas moderadoras para maiores de 65 anos, de que beneficiam 350 mil utentes; o financiamento da acção social das IPSS, que atingiu em 2007 o valor máximo de 1.094 milhões de euros; o programa PARES, para creches e outros equipamentos de apoio às famílias, completamente dirigido às IPSS e que mobiliza um investimento público superior a 250 milhões de euros; a duplicação das deduções fiscais por cada filho menor de três anos; a duplicação do abono de família para o segundo filho e a triplicação para o terceiro filho e seguintes, nos primeiros três anos de idade; o novo abono pré-natal para mulheres grávidas, de que beneficiam 94 mil mulheres; e o aumento extraordinário, em 25%, do abono de família para as famílias do primeiro e segundo escalão, de que já beneficiam 970 mil crianças e adolescentes.
Sim, senhores Deputados: não há nenhum ganho na consolidação das contas públicas que não seja imediatamente aproveitado para melhorar as condições de vida das pessoas, com particular atenção às famílias e aos grupos sociais mais vulneráveis. E isto é possível porque este é o Governo de uma esquerda responsável, que aposta ao mesmo tempo na modernização da economia, no rigor orçamental, na qualificação e nas políticas sociais, porque é esta ligação que melhor permite praticar e promover a justiça social!
6. Novos apoios para as famílias, nos encargos com a habitação
Senhor Presidente, senhoras e senhores Deputados:
As causas das dificuldades presentes estão fora de nós, no aumento do preço do petróleo e dos bens alimentares, na subida das taxas de juro, nos mercados financeiros internacionais. Mas os seus efeitos fazem-se sentir na economia e na vida dos Portugueses, principalmente nas famílias com menos recursos e nas empresas mais expostas aos custos energéticos e às mudanças estruturais.
Nesta conjuntura, o essencial é manter o rumo: reformas, rigor, incentivo à economia, prioridade à educação e à protecção social. Para manter o rumo, é preciso dizer não às propostas demagógicas de baixa generalizada de impostos ou aumento substancial de despesa pública; e é preciso ter confiança em nós próprios e nas nossas capacidades.
Já anunciei neste Parlamento, nas últimas semanas, vários apoios às famílias e incentivo à economia e à reestruturação dos transportes. Lembro apenas o aumento extraordinário do abono de família, o congelamento dos preços dos passes e assinaturas nos transportes colectivos, e as medidas de apoio ao investimento, à exportação e à reestruturação dos transportes, tomadas em sede fiscal e do QREN.
Mas quero hoje apresentar um novo conjunto de medidas, que procuram apoiar as famílias aliviando-as de algumas das suas despesas básicas, sempre dando mais a quem mais precisa.
A forte subida das taxas de juro está a criar dificuldades nas muitas centenas de milhar de famílias que adquiriram habitação própria recorrendo ao crédito bancário. Ora, a taxa de juro não depende das autoridades nacionais. Mas podemos e devemos ajudar as famílias de menores rendimentos a acomodar melhor os seus encargos com a habitação, mudando a forma como tais encargos entram para a determinação do valor do seu IRS.
É o que faremos. Hoje, o Conselho de Ministros aprovou uma proposta de lei que espera ver convertida em lei o mais depressa possível. O objectivo é alterar o cálculo da dedução à colecta dos encargos com juros de empréstimos à habitação própria e permanente. Actualmente, todos os contribuintes com tais encargos deduzem por igual 586 euros à colecta de IRS. Faremos duas mudanças. A primeira é a introduzir o princípio da progressividade: os titulares de menores rendimentos deduzirão mais do que os restantes. A segunda é aumentar substancialmente o montante que os contribuintes de menores rendimentos poderão deduzir. Assim, para os contribuintes do primeiro e segundo escalão do IRS haverá uma majoração de 50%. Ou seja, passarão a deduzir 879 euros. No terceiro escalão, a dedução poderá ir até 703 euros, isto é, uma majoração de 20%. E, no quarto escalão, que vai até 40.000 euros de matéria colectável, a majoração será de 10%, isto é, uma dedução de 644 euros. Esta medida aplica-se já aos rendimentos de 2008 e beneficia quase um milhão de agregados.
A segunda medida de natureza fiscal relativa à habitação própria diz respeito aos valores do IMI, o imposto que substituiu, em 2003, a antiga contribuição autárquica. Como vai sentindo na carne a generalidade dos Portugueses com habitação própria, o IMI tornou-se um sorvedouro de recursos familiares. E deixem-me dizê-lo com franqueza: como soa a falso que se digam agora defensores das classes médias e arautos da sensibilidade social os partidos e os líderes políticos que, em 2003, no Governo, criaram este verdadeiro paradigma de punção fiscal sobre as classes médias!
Sem prejuízo da reforma mais profunda que já se encontra em preparação, corrigir os exageros do IMI é, pois, uma urgência; uma urgência de justiça fiscal e de respeito por um grande número de famílias portuguesas. Por isso mesmo, o Governo aprovou também hoje um conjunto de medidas destinadas a travar o aumento imoderado da receita do IMI e baixar significativamente o imposto pago por muitas famílias.
A primeira medida é o alargamento do período de isenção de pagamento do imposto após a compra de prédio para habitação própria e permanente, prolongando-o em mais dois anos para as casas até 157 500 euros de valor patrimonial tributário (ou seja, de seis para oito anos) e em um ano para os prédios entre 157 500 euros e 236 250 euros (ou seja, de três para quatro anos). Este alargamento beneficiará 428 mil agregados.
A segunda medida é a redução da taxa máxima de IMI de 0,8 para 0,7% no caso dos prédios não avaliados e de 0,5 para 0,4% no caso de prédios já avaliados. No primeiro caso, beneficiam desta medida um milhão e setecentos mil proprietários. No segundo caso, 400 mil proprietários. O efeito agregado destas medidas é o seguinte: em vez de aumentar em 150 milhões de euros, a receita das autarquias com o IMI aumentará em 50 milhões. Quer isto dizer que, travando o aumento imoderado deste imposto, nós continuaremos a garantir aumento de receitas para os municípios, baixando contudo significativamente o encargo de centenas de milhar de pessoas.
O Governo tem plena consciência das dificuldades originadas pela acentuada subida das taxas de juro. Por isso, decidiu propor ao Parlamento que use os instrumentos fiscais ao seu dispor para ajudar as famílias atingidas. Com a redução do IMI, beneficiarão todos os proprietários de imóveis. Com a alteração na dedução da colecta de IRS, beneficiaremos mais as famílias de menores rendimentos. É isto, na prática, a justiça social!
7. Novos apoios para as famílias, nos transportes
Mas não é apenas na habitação que devemos e queremos apoiar as famílias, por causa dos novos encargos com que elas hoje se confrontam. O terceiro choque petrolífero, que vivemos, tem óbvias implicações no custo dos transportes. O preço do petróleo não depende de Portugal. Mas Portugal deve e está a responder, com o investimento nas energias renováveis e a promoção da eficiência energética. Essa é uma dimensão. Outra dimensão, também importante, é o incentivo à utilização dos transportes colectivos.
O Governo já decidiu, para 2008, o congelamento do preço de todos os tipos de passes e assinaturas. A mensagem é clara: os utentes regulares de transportes colectivos são beneficiados. Pois bem, vamos agora criar um novo passe para os transportes públicos urbanos: o passe escolar.
O passe escolar destina-se a todas as crianças e jovens, dos 4 aos 18 anos; e garante a redução para metade do valor mensal da assinatura de cada tipo de transporte. Dou dois exemplos simples, mas significativos. Hoje, o passe L1,2,3, na área de Lisboa, custa 52,5 euros; passará a custar metade. O passe «Andante», no Porto, no qual já há hoje uma redução de 25% para estudantes, custando-lhes 17,6 euros, passará a custar 12,45.
Esta medida tem três objectivos, qual deles o mais importante.
O primeiro é pôr fim às disparidades que hoje se verificam na definição do tarifário segundo os grupos etários. Doravante, um único documento permitirá a todas as crianças e jovens beneficiar de redução de 50% no uso regular de qualquer transporte urbano.
O segundo é apoiar as famílias em mais uma das suas despesas básicas. Quero tornar claro que este novo passe se acrescenta ao sistema já hoje existente de transportes escolares, pelo qual todos alunos que residam a mais de 3 ou 4 quilómetros da escola básica têm direito a transporte gratuito para a sua escola.
O terceiro objectivo é incentivar desde a infância a utilização regular de transporte colectivo, como alternativa ao transporte individual. E esta é talvez a mensagem mais necessária: é preciso habituarmo-nos todos, desde a infância, à ideia de que na cidade se deve andar a pé ou de transporte público. Essa não é apenas uma condição para diminuir a dependência face ao petróleo, é também uma condição essencial para tornar as nossas cidades mais amigas do ambiente e mais respiráveis.
8. Novos apoios para as famílias, na educação
Senhor Presidente, senhoras e senhores Deputados:
Quero agora falar de outra medida fundamental no apoio às famílias. Trata-se do alargamento da acção social escolar no ensino básico e secundário. É uma medida com impacto positivo em várias dimensões: no apoio às famílias mais carenciadas; no combate ao abandono e ao insucesso escolar; e na simplificação da relação entre os cidadãos e a administração pública.
Hoje, são bastante diferentes as formas como se determinam os escalões de mais baixos rendimentos, na segurança social, para efeitos de abono de família e, na escola, para efeitos de acção social. Esta discrepância tem duas consequências muito negativas: por um lado, introduz burocratização e opacidade; por outro, restringe muito o acesso à acção social escolar. Basta pensar que o primeiro escalão do abono de família abrange 400 mil crianças e jovens, mas o primeiro escalão da acção social escolar só abrange 185 mil.
A alteração decidida pelo Governo tem dois objectivos essenciais. O primeiro é simplificar: doravante, os critérios de atribuição do primeiro e segundo escalão do abono de família servirão automaticamente para a acção escolar, sendo apenas necessário o requerimento dos interessados. Assim se libertarão as famílias e as escolas de burocracia e ficará mais transparente o processo de atribuição de apoios.
O segundo e principal objectivo é alargar substancialmente o número de alunos beneficiários da acção social escolar. Hoje, como disse, 185 mil alunos estão abrangidos pelo primeiro escalão; passarão a ser 400 mil, com direito à totalidade dos apoios em refeições, manuais e material escolar. Hoje, 45 mil alunos estão abrangidos pelo segundo escalão, passarão a ser 310 mil, com direito a 50% dos apoios referidos. Quer dizer: será, sem dúvida alguma, uma vasta operação de alargamento da cobertura de acção social escolar e um passo decisivo na promoção da integração e do sucesso escolar.
9. Todos devem contribuir
Senhor Presidente, senhoras e senhores Deputados:
Todos têm de contribuir para o esforço nacional. Para este Governo, a repartição equitativa dos custos é o outro lado da distribuição equitativa das oportunidades. Quem mais tem deve contribuir para apoiar quem mais precisa.
As famílias portuguesas estão hoje confrontadas com novos encargos em razão dos efeitos da conjuntura internacional. E a alta dos preços do petróleo, que só no último ano duplicaram, é um dos aspectos mais gravosos da actual conjuntura. Ora, essa subida não deixou de valorizar de forma extraordinária certos activos das empresas petrolíferas. É, por isso, justo que estas empresas contribuam também para o financiamento das medidas que o Estado tem de tomar em favor dos que mais precisam.
Por isso, o Governo aprovou hoje uma proposta de lei para a criação de uma taxa excepcional sobre as mais-valias potenciais das empresas petrolíferas, resultantes da actual escalada de preços. Essa tributação autónoma será de 25%, isto é, igual à taxa do IRC. E incidirá sobre o ganho extraordinário que resulta da alteração dos critérios de valorimetria dos stocks de petróleo para efeitos fiscais.
10. Determinação, confiança, justiça
Senhor Presidente, senhoras e senhores Deputados:
O momento não é de resignação nem de desistência. A conjuntura internacional e a incerteza da sua evolução colocam dificuldades sérias à economia e às famílias portuguesas. Mas isso só deve aumentar a nossa determinação. O país já ultrapassou uma grave crise orçamental, e isso dá-nos ânimo e confiança na nossa capacidade, já demonstrada, de enfrentar e resolver as dificuldades.
As dificuldades são sérias, ninguém o nega. Por isso mesmo, temos de agir em várias áreas, olhando para a frente, com determinação e sentido de justiça.
As medidas que hoje apresentei ao Parlamento têm este traço comum: justiça na repartição dos custos e na distribuição das oportunidades; incentivo ao uso dos transportes colectivos; e, principalmente, apoio às famílias onde elas mais precisam, na habitação e na educação dos filhos.
Estas medidas são possíveis e são necessárias. Mas o que de mais importante elas exprimam é a nossa vontade de enfrentar os problemas, com responsabilidade, com confiança e com sentido de justiça social. A bem de Portugal e dos Portugueses.
2008-07-10
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